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11 de janeiro de 2006
TIRANIAS AO PORTADOR
Três cenas seguidas de Belíssima ontem, terça, repetem a mesma situação: o patrão ou patroa se irrita com a empregada e a expulsa com um vai vai vai. No ultimo domingo, o Fantástico mostrou como as empregadas modernas sabem usar o zap e o micro e são tão eficientes manipulando as novidades eletrônicas. Na Folha, Paulo Coelho diz que não vive como um milionário, pois gasta apenas oito mil euros mês, sendo que dois mil euros são para sua empregada. Você precisa ter cuidado ao abordar o assunto Paulo Coelho. Como é um escritor bem sucedido, os príncipes da Revolução podem achar que você está com inveja. Mas como, parafraseando JK sobre o medo, Deus poupou-me o sentimento da inveja, e o assunto aqui são as tiranias do país escravista, é preciso dizer: não importa o quanto você pague ou o quanto a pessoa que o serve tenha condições de usar de maneira eficiente um computador ou uma cortina movida à distância. O que está em foco é a relação senhor/escrava, que não muda nunca, antes é reiterada pelas novelas (o festival de chicotes e mucamas nas tramas das outras redes, em horário nobre, chega a doer de tão insistente). É fundamental manter o vínculo, esse atraso, em que as tarefas são divididas entre os que pagam e os que se submetem a limpar a sujeira alheia.
PRAGA - Esse poder se espalha pelo tecido social como uma praga. Onde você estiver, tem um senhor querendo dar ordens. São coisas simples, cenas corriqueiras, que podem parecer implicância de quem as aponta. Mas está ali o vírus do Mal, que é fundamentalmente a exclusão do Outro ou seu uso em benefício próprio. Veja no trânsito como as mãos se levantam em ordens explícitas, ou como te chucham por trás, encostando o carro até o limite da irresponsabilidade, para que você saia do caminho e nunca mais tenha o desplante de se interpor na frente do indigitado. Tente abrir um freezer no supermercado. Chega o mangolão poderoso e te empurra (aconteceu comigo) até o idiota se dar conta que tinha outro antes dele querendo escolher o mesmo produto. Nas filas, há dois momentos: quem está na frente não anda, antes empata, deixa que ela produza um vasto vazio, criando assim o caos numa ordem que foi feita para ajudar o fluxo do atendimento; quem está atrás suspira fundo e tenta de todas a maneiras passar por cima de você, te driblar, aproveitar as curvas da fila para passar na frente.
MONSTROS - Esses carros utilitários usados em espaço urbano, principalmente na praia, sempre carregam algum cretino dentro. As pequenas carrocerias são para levar o caráter em pedaços de quem está no volante. E tem essas camionetas que parecem monstros, que roncam por todo o lado, mostrando quanto poder tem o proprietário. Movidos a óleo diesel ou a ouro em pó, elas ocupam todos os espaços com manobras demolidoras. Nas calçadas lotadas (isso notei em São Paulo) sempre quem está atrás pisa no teu calcanhar e você jamais pisa no calcanhar de quem está à frente. A gentileza é minoria? Ou para ser gentil é preciso romper o vinculo reiterado de exclusão e poder social de uns sobre os outros? Fui comprar algo na revistaria. Esperei quem estava na frente. Quando chegou a minha vez, o jovem de corpanzil de toicinho sarado se debruça no balcão, com o dinheiro na mão e impõe a sua vez. A atendente, com absoluto senso de justiça, manda que ele espere e pergunta o que vou comprar. É uma luta diária, essa contra a cretinice. Se a vez for das nacreditos (aquelas que se encontram e gritam que não acreditam) então, aguarde mesmo. Elas vão encher com suas abluções coletivas até o osso, impedindo que a fila ande.
JAULA - O impressionante é que você liga no noticiário e lá estão as materinhas sobre solidariedade. Mas olhando firmemente, vemos que os patrãozinhos e patroazinhas vestem camisetas de ongs para ensinar a essa gente (todos esses que são pobres) como ser gente como a gente. Sejam gente, mas não venham disputar meu espaço. Sejam gente, mas limpem meu banheiro. Sejam gente, mas me vendam minha alforria, pois assim posso me livrar da culpa. Sejam gente, mas permaneçam na jaula. Vai vai vai.
RETORNO - 1. Foto magistral de Marcelo Min, tirada na sua viagem ao rio São Francisco. 2. O uol voltou a me quicar. Tentei responder e-mails ontem, voltaram. Preciso esperar que o Uol permita que eu me corresponda com pessoas que usam esse endereço (universo!!! on line, não é pouca coisa). 3. Urariano Mota me envia historia escabrosa de fraude do mundo literário. Prostituto autor de livro inglês era falso, invenção de uma senhora de 50 anos. Mas a mentira, travestida de verdade, ganhou espaço nobre na imprensa pátria. Os cadernos culturais esmeram-se em deixar escritores legítimos no ostracismo enquanto correm atrás do primeiro que mostra o charme e o veneno da arte de fornecer o fiofó na esquina.
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