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11 de dezembro de 2005
O NOTICIÁRIO INDIFERENTE
Não entendo os jornais. "Bancos não temem queda de juros", diz um título do caderno Dinheiro da Folha, que explica: os bancos se defendem com a baba que extraem dos correntistas via sistema de crédito e não se abalam diante da prometida queda dos juros em 2006. É impressionante a indiferença da reportagem. Quem ganha mais dinheiro é banco. Como poderão temer algo? Cheira a sacanagem: parece que os juros vão mesmo baixar, sem atingir os bancos. Gostaria que me explicassem.
BC - Outra notícia fala que o presidente Lula não quer o Banco Central com tanta autonomia. Não sabia da tal autonomia. Para mim, o BC sempre obedeceu a quem está no poder. Também cheira a sacanagem: parece que Lula está preocupado com os arrochos decretados pelo Banco Central, como se o BC fosse algo fora de sua alçada, quando sabemos que o governo obedece aos ditames do sistema financeiro. Certamente são as eleições que se aproximam.
CARVÃO - Árvores do Pantanal estão virando carvão, diz a manchete do jornal, reproduzindo foto de um velho que confessa possuir apenas uma calça e uma camisa e vive com o pulmão cheio de fuligem na faina ingrata. Como se faz uma reportagem dessas sem chamar a polícia? Como se retrata um crime como se fosse um pesquisador de laboratório? Talvez por isso não goste do noticiário. Acho notícia um saco. O jornalismo é uma maneira esperta de se ganhar dinheiro com a brutalidade reinante. Ou você chuta o pau da barraca, ou vai cultivar orquídeas. Mas não fique reportando a favela, como se fosse candidato em busca de votos batendo na porta dos barracos. Não se visita uma favela. Se transforma a favela num bairro ou pegue o próximo avião para as Ilhas Seychelles.
NOTAS - Quais são os melhores textos dos jornais? Aqueles realmente importantes que, por isso mesmo, ficam de lado, ocupam pequeno espaço das notas ou rodapés. Quem edita também obedece às imposições. Por isso não dá destaque para o que pega mesmo, casos que procuramos com uma lupa. Não me refiro ao óbvio, o último ônibus londrino de dois andares ou a Daspu. Esse é o molho do noticiário. Falo do detalhe revelador de que o passageiro assassinado pela polícia de Bush não tinha mencionado bomba nenhuma. O cara era suspeito: era hispânico e estava ansioso, nervoso. Quer dizer que não se pode demonstrar pânico ou confusão quando viajamos no mais pesado do que o ar, que pela lógica deveria trafegar pelo chão, mas se levanta como um pássaro Roca e nos carrega nuvens afora como se fosse a coisa mais normal do mundo? O fato causou estardalhaço e a mídia colocou o cara como culpado. É mais fácil. Mas se for inocente? Enquanto viajamos de avião, a polícia paranóica do Império viaja na maionese. Aí está o caso Jean Charles, cada vez mais claro sobre as responsabilidades dos assassinos.
ABANDONO - Mas a verdade cansa. Cobrir os fatos como se deve dá um trabalho danado. E, parece aos donos dos jornais, não atrai a atenção dos leitores. Acho o contrário. O que irrita é a indiferença, a manipulação, o abandono de assuntos. Poderoso ministro da República conseguiu cidadania estrangeira para ele e uma dezena e meia de familiares. O caso ocupou brevemente um blog jornalístico e imediatamente foi tirado do ar. Não se fala mais nisso. Não se entrega uma rota de fuga? Recebo notícia pelo e-mail de que o senhor de barba branca que deu bengaladas em José Dirceu é um ator, contratado para isso. Eis um assunto quente. Não vi destaque, talvez seja o que costumam dizer de pessoas que torcem o nariz para o atual estágio da mídia, de que estou desinformado. Estar desinformado é pior do que xingamento contra a mãe. Ninguém admite estar desinformado. Propaganda de empresa telefônica mostra vizinha xingando pelas costas a outra por ser desinformada. Estar informado é o must, basta abrir os jornais e seguir o que definem ser informação. Para mim, informação mesmo é o que está sendo jogado fora das páginas impressas. No lixo das empresas de comunicação corre, sem que ninguém note, o Tempo e sua vertigem.
RETORNO - A imagem, magnífica, é de autoria de mestre Mino Carta: Italianos, de 1983.
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