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14 de dezembro de 2005
MARIONETES DO RANCHO FUNDO
Os brasileiros que permanecem vivos são obrigados a fazer compras, com o dinheiro que lhes resta ou o crédito que ainda dispõem. Como somos um país gigantesco, com uma população ativa maior do que as de muitos países ricos, forçosamente o Brasil movimenta uma quantia considerável de grana. Claro que a maior parte do tesouro está sob a guarda das cinco mil famílias que dominam os recursos da economia de toda a sociedade. Espatifa-se em milhões de cidadãos o bolo que jamais cresceu, mas mesmo essas ruínas significam um nível considerável de bufunfa. Passando por cima de realidade tão cristalina, somos informados pelo porta-voz da ditadura, Alexandre Garcia, que neste fim de ano o varejo vai movimentar uns 80 bilhões de reais. Como pode ser notado em todas as suas aparições, desde a época em que a ditadura precisava dos militares, Alexandre Garcia não informa, adverte, e não opina, admoesta. E, quando necessário, celebra.
PERSONAGENS - Ele deu essa nota carregando nas sílabas escandidas, com aquele olhar que enlouqueceria Greta Garbo. Não esqueceu de premiar o pobrerio que compra com suas merrecas as lembrancinhas detonadas expostas em todas as lojas e ruas dos corredores liberados (espécie de zona franca do contrabando). Os pobres são elogiados por serem honestos, recebendo assim o incentivo para se gratificar pela extrema limitação econômica. O que vale são os princípios, certo? Desde que o grosso do dinheiro fique com meia dúzia. Para isso existe o porta-voz, que acredita assim estar manipulando uma população de Solineusas, a personagem símbolo interpretada por Dira Veras em A Diarista, que não tem controle sobre braços, mãos e cabeça, encarnando a marionete a que a cidadania está sujeita. Notem como outros personagens fazem a mesma coisa. O casal que apresenta as ofertas das Casas Bahia também deixa os braços, mãos e cabeça à solta, mostrando que os marionetes devem obedecer a seus donos, que ao manipular os cordões tornam as pessoas mais engraçadas e disponíveis. O Jamanta de Belíssima é a mesma coisa. Seus braços voam em todas as direções e também enlaçam a cabeça, onde se sobressai o olhar perdido da pessoa que não domina seu corpo e sua mente. O Brasil é uma população de Solineusas, as marionetes à mercê do olhar sampacu dos comentaristas, que douram a notícia para presente, onde o que conta é a embalagem, já que o conteúdo está podre.
ENCENAÇÃO - No fundo, por ser totalmente farta e disponível, a informação não vale mais nada. O que pega é como você a apresenta, como dá o recado usando a informação como escada. Estamos cercados pela seleção das versões, a hierarquia definida na hora de emitir a mensagem, o tom tendencioso, a opinião embutida ou às claras, o comentário sempre com as mesmas fontes, que em rodízio mantém no ar a representação determinada pelos poderes. O cenho franzido, o olhar penetrante, a maneira displicente de sentar no sofá e deitar o verbo sobre a política econômica, como se ele fosse um drink, um desjejum, e não um embrulho que nos colocam goela abaixo. Essa encenação tem um lugar reservado para você, que não se conforma ou desconfia que algo está errado. Você, nesse caso, não passa de um ressentido, de um pó-bre, enfim. Vejam como carregam na palavra pobre quando você está debatendo alguma coisa. Critique as festas e veja no que dá. Você, que é pobre, não sabe de nada. Comporte-se como um Homer Simpson, um Lineu, um Jeca Tatu. Essa é a representação que cabe aos que vivem no país soterrados numa tempestade de merda. E, claro, se você opinar, entra em contradição, pois não é isso o que você está criticando? Tsk, tsk, tsk, você não se emenda. Deixe a opinião para quem tem capital para isso.
JK - Você tem dinheiro, não tem? Não comprou o celular, o automóvel (em dez mil prestações), a Barbie chinesa? Não vive no shopping, seu pobre? Depois reclama do preço da gasolina. Seja como a Diarista, a falsa amiga de Solineusa. Ela sim é que conhece o seu lugar. Assume o papel da espertinha que jamais perde o humor mesmo se ralando o tempo todo. Sua esperteza é o antídoto para Solineusa. Seja vencedor, como Marinetti, e não perdedor, como a marionete. Finja que você domina o seu destino. Será incentivado pelo dragão que toma conta da sua casa, com seus apresentadores, seus pastores, seus atores e atrizes, seus noticiários, novelas e séries. E acredite que ressuscitar JK em janeiro é uma ação sem nenhum link com as eleições de 2006. A direita prepara um candidato. Precisa embalar com o papel de seda de um presidente do tempo do Brasil soberano. Vargas não serve, teve a audácia de gerar o jornalismo popular de Ultima Hora. JK é ótimo. O rei das empreiteiras, que endividou o país e colheu as benesses da Era Vargas, é perfeito. Mas talvez nem citem o fato de que a morte do presidente até hoje está sob suspeita de assassinato. Não, isso seria demais. Isso deixaria a nu o esquema que preparou o golpe da consolidação do regime de 64. Podem votar, mas não nos estadistas. Votem nos bonecos. Eles se balançam de maneira tão divertida!
RETORNO - A imagem é do meu pintor favorito, Fulvio Pennacchi: Retirantes.
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