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29 de abril de 2004

JÓIAS DA CORRESPONDÊNCIA

Dois espíritos livres e que fazem parte da geração entre 25 e 30 anos nos brindam com suas palavras absolutamente fora da ordem mundial. O que gosto neles é o desplante de pensar sem nenhuma amarra, a contundência de dizer o que sentem e sabem, e a alegria em compartilhar conosco essa aventura.

O BRASILEIRO CASTANEDA – Uma jornalista de Nova York, montada na sua arrogância meramente geográfica, achou que suas informações poderiam iluminar Miguel Duclós, brasileiro e paulistano, sobre o antropólogo Carlos Castaneda. Miguel, pessoa aberta a toda contribuição ao conhecimento, não conseguiu tolerar o tom metido a besta da carta e deu o troco (só publico a resposta, porque a resposta basta) : “Obrigado pelos esclarecimentos e por me por a par das últimas investigações feitas aí nos maravilhosos EUA. Mas não há nenhum dado novo no que você disse. As datas que existem sempre foram essas: 1925, 1931, 1945. Quem divulgou que Castaneda é de Cajamarca, no Peru - onde há uma farta colônia de Castanedas, nascido em 1925 - foi a revista Time na sua matéria de capa. Ela se baseou nos documentos do carro e da imigração americana. Ela não consultou Castaneda sobre a investigação. A revista Time cometeu outras atrocidades, como o próprio autor comenta no livro Conversando Com Carlos Castaneda, de Carmina Fort.Ele tira um sarro falando do esforço para situar seus antepassados entre indígenas peruanos. Castaneda falava que havia nascido próximo de Mairiporã, São Paulo, no Natal de 1935. Se você ler o livro O lado ativo do infinito verá que as história lá contadas só poderiam ter se passado - e ter sido contadas - por quem conhece a realidade do interior paulista. Existem vários pontos que elencam isso. Além disso, em 1960, quando se deram os primeiros encontros com D. Juan, Castaneda era um estudante de pós graduação. Tendo nascido em 1935 ele teria então 25 anos, o que é coerente. Em 1925 ele já estaria com 35 anos, o que não seria coerente com sua brilhante trajetória acadêmica. Com Erva do Diabo ele adquiriu o grau de mestre e com Viagem a Ixtlan de doutor, conforme pode ser verificado na UCLA. O repórter da revista VEJA que o entrevistou em 1974 notou o seu português fluente.”

OPORTUNISMO – “Bom, esses são os dados básicos. Você não deve ter lido a obra para dizer que o "autor mente descaradamente" sobre sua história pessoal, tentando infligir uma carga moral ao que ele fez. O que existiu foi um esforço de acobertar sua história pessoal. Não tenho tempo para lhe explicar como essa polêmica sobre seus dados pessoais é vazia. Apenas observo que, mesmo que todos os livros não passassem de ficção, e toda sua teoria não fosse mais que compilação de outras fontes, ainda assim a obra não perderia seu valor. O que é condenável é o espírito americano de transformarem tudo em Business. É a apropriação da marca Castaneda pela ClearGreen Inc, Tensegridade etc. O que é lamentável é o senso oportunista das tais bruxas, Donner, Abellar Tiggs de lançarem livros execráveis com a mesma temática. O que vemos é a total separação do autor com seu conceito original. E espertinhos de plantão querendo desbancá-lo depois de morto, espevinhando com o velho papo da falsidade em tudo. E por conta dessas picuinhas a academia vira as costas para o autor que criou, e que depois se desgarrou dela. E uma uma discussãoo mais séria, aprofundada sobre seu legado é postergada. E todo mundo usa e se lambuza com os conceitos de Castaneda mas não lhe dão crédito (como em Matrix, StarWars e vários artigos intelectuais), fica uma coisa entranhada, mal-resolvida, pernóstica. Ninguém quer mais admitir que leu e gostou. Abs. Miguel”

GIM TONES NO PAMPA – A outra correspondência me foi dirigida por Fabio Murakawa, personagem real criado pelo repórter policial Gim Tones. Vejam: “Caríssimo Nei. Finalmente concluí a leitura de Universo Baldio. Por uma grande coincidência, passava hoje pela linha leste oeste do metrô e, do alto do viaduto, fiquei imaginando onde diabos o fantasma do Honório chegou para assombrar teu personagem Luís pela primeira vez. Tive ganas de descer do trem para procurar a tal rua e, talvez, o buraco de bala na parede, mas tinha um compromisso em Ermelino Matarazzo _entrevista com o subprefeito, que atrasou. Faltava apenas a leitura do último capítulo, que fiz num cantinho nordestino da avenida São Miguel, antes de comer um baião de dois e enquanto esperava o subprefeito.
Quanto ao livro, tive sentimentos muito confusos em relação a ele. A primeira parte me deixou um tanto perdido com a abundância de personagens e o vaivém dentro da casa. Mas, com o passar das páginas, e do tempo dentro da casa, fui me familiarizando com cada um deles. A cena da despedida do "do cooper" foi uma das mais emocionantes que eu já li. Seria de longe a minha parte preferida de toda a obra, não fosse a gravidez de Irma e o fim da solidão anunciada na última frase do último parágrafo do livro. É um desfecho maravilhoso para a história corre em ritmo frenético, um final que abre possibilidades em vez de amarrar toda uma história. E o interessante é que esse final, ao mesmo tempo em que evita amarrar a trama, dá sentido a toda a loucura que se passou durante o período em que os chapas viveram na república de Itaguaçu. É lindo, lírico, emocionante, me encheu de esperança. Para mim, ao contrário do disse o teu amigo Raduan Nassar, dá a impressão de que o teu romance - um grande romance, diga-se de passagem - acaba ali.

BRASILZÃO VÉIO - Com relação a "Papel de Bala", confesso que esperava outra coisa desse salto de 30 anos no tempo. Eu achava que seria uma reflexão de Luís em relação ao que se passara na república de Itaguaçu. Em vez disso, o fantasma de Honório o leva para uma viagem ainda mais distante: às suas origens, no Pampa. Tive por vários momentos a impressão de estar lendo outro livro, outra obra, por essa falta de diálogo com a primeira parte. Papel de Bala tem também, sem dúvida, um sotaque mais gaúcho, mais regional. Algumas vezes eu me sentia irritado por não saber exatamente o significado de várias palavras, ou por não ter nenhuma afinidade com aquele cotidiano e os personagens. E o sotacão dos pampas, assim como todas as referências à terra, deu-me a impressão de ter sido escrito apenas para quem vem de lá. Mas logo vi que isso é autoritarismo típico de um paulista. Estamos acostumados à idéia de que apenas o que nasce aqui, ou, no máximo, no Rio, tem apelo nacional _enquanto tudo o mais deveria ficar confinado em seus rincões longínquos, como um artigo exótico, esperando a visita de um paulista ou carioca às diversas regiões desse Brasilzão Véio.
Tirei, então, essa idéia da cabeça, a de que se tratava de um livro regional, e a leitura fluiu. Não é, sem dúvida, uma obra de leitura muito fácil. Mas o importante ali é o conflito de Luís, esse retorno forçado às suas origens, para, no final, descobrir que a felicidade não estava nem no claustro na Torre nem nos Pampas. Mas na praia, ao lado de irma, e justamente em Floripa, se bem te conheço e se entendi bem a obra. Mais uma vez, um desfecho maravilhoso, se bem que, na minha modestíssima opinião, não tão belo quanto o de "República de Itaguaçu". Pareceu-me que Luís caiu na praia mais por cansaço do que por esperança. Talvez seja a idade, mas me agradam mais os finais que abrem novas perspectivas, que me enchem de esperança, como o da primeira parte do livro. Apesar de saber que isso é apenas o meu gosto.(...) Um grande abraço, Fabio.”

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