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30 de janeiro de 2004

A QUALIDADE DOS CONTERRÂNEOS


Faço parte de uma geração de pessoas gentis, formada na refrega dura da vida estudantil onde não havia colher de chá, onde bastava tomar bomba numa só matéria para repetir de ano, e se repetisse duas vezes, era convidado a deixar a escola. Meus pares são pessoas como Fernando Pereira da Silva Filho, Carlos Alberto Martins Bastos, Solon Sastre, Rubens Lenar Güez, Gilberto Duro Gick, Lino Antonio Ulharuso, Vicente Torre, Luiz Carlos Etcheverria, Miguel Ramos, entre tantos outros. Todos, claro, de Uruguaiana.

O TREM DEMOCRÁTICO - No seu belo best-seller, que tem o nome de Como é longe Uruguaiana, meu amigo (e colega de aula do meu irmão Luiz Carlos) Fernando Pereira da Silva Filho me envia um exemplar onde revela seu texto limpo, cheio de detalhes, que mistura história familiar com a história da cidade. Fernando resgata, entre vários eventos maravilhosos, uma viagem de trem, esse transporte que foi sucateado criminosamente pelo regime que ainda está no poder, o instaurado em 1964. O hoje Dr. Fernando, dentista renomado, filho da grande amiga da minha mãe, Dona Leda, sua colega de trabalho no Centro de Saúde, dá um banho de memória e criação literária, ao contar cada curva daquela estrada inesquecível, cada tipo que viajava naqueles trens puxados por uma esforçada Maria Fumaça, todas as peripécias de viagens que marcaram vidas, pois somos dos confins do Brasil, ou melhor, do seu início, e saíamos às cinco da manhã para chegar, com sorte, a Porto Alegre, às sete da manhã seguinte. Chega ao requinte de descrever o vagão restaurante, esse luxo que não existe mais nas viagens brasileiras, onde havia confraternização, alegria e convívios definitivos. Fernando descreve o cuidado que todos deviam ter ao tentar tomar café enquanto o trem sacudia, a distribuição para o vizinho do pacote de bolacha Maria e a presença fulgurante do chefe do trem. Como diz Fernando, a “autoridade máxima da composição, com poderes de mando irrestritos dentro de todo aquele território, que percorria vagões, vestindo sua farda azul, com algumas insígnias e botões dourados bem polidos e a cabeça coberta por um indefectível quepe da mesma cor”. Fernando tem um estilo direto, saboroso, que recria cenas aparentemente banais, que é o segredo de todo escritor de verdade. Sabemos o quanto custa chegar a esse resultado, sem pretensões, que torna-se poético sem jamais distrair-se da narração. Sua história corre pela linha como uma composição que nos carrega para longe, para a alegria das descobertas de um tempo que ainda está conosco, morando como um parente próximo, e amado porque jamais superado na sua grandeza.

DESTILARIA - Perto da minha casa morava, e ainda mora, a grande família dos Etcheverria. O patriarca era o primeiro funcionário da Destilaria, marco da introdução do petróleo no Brasil. Pois a primeira empresa que cuidou do petróleo em território brasileiro foi a que é hoje a Ipiranga. Um grupo de empresários começou a importar óleo cru de Buenos Aires e a fazer o refino. Mais tarde, com as mudanças da legislação e da política, e devido a uma estratégia com mais chances de sucesso, a empresa transferiu-se para Rio Grande, onde hoje tem sua sede. Luiz Carlos Etcheverria era um dos amigos daquela rua. Muito magro, com calções até os joelhos, era um inventor de palavras. Tinha mais de 15 irmãos. Hoje ele é professor aposentado e reparte conosco a glória de ter fundado o Esporte Clube Guarani, um time de rua que tem mais de 40 anos. A duas quadras, morava (numa casa que continua com sua família) o meu amigo Cabeto Bastos, o mais elegante, culto e gentil exemplar desta geração. Ele faz parte de uma das famílias proprietárias do Grupo Ipiranga. Íamos ao colégio Romaguera Correa no mesmo passo. Usávamos avental branco, um grande tope no pescoço, com nossas lancheiras a tiracolo. Ele quase caiu para trás quando o presenteei com um convite de formatura do pré-primário. “Como conseguiste guardar isso tanto tempo?” perguntou. Eu não soube responder.

SENTINELA - Na minha recente viagem à cidade, tive a felicidade de encontrar no tradicional Hotel Glória o Sólon Sastre, um apaixonado pela obra de Fulvio Penacchi, o maior pintor do Grupo Santa Helena e que tem suas obras primas na catedral Santana da nossa cidade. Comecei então pensar nas pessoas daqueles idos dos anos 50 e 60 e descobri que compartilhamos a mesma formação ao mesmo tempo rígida e amorosa dos nossos pais, do ensino estimulante das escolas públicas e privadas, do debate aberto e franco das idéias, que jamais deixaram quaisquer resquícios de inimizade, isso que atravessamos longa e penosa ditadura. Dei-me conta então que fazemos parte de uma humanidade que procura, hoje, transmitir a todos o que aprendemos, dividir a alegria da conversa, somar esperanças e sentir a genuína alegria no reencontro. Pena que alguns já partiram, como o príncipe Gilberto Gick, aquele que jamais deveria ter nos deixado, pelo tanto que poderia fazer, pela enormidade do espírito, pela inteligência infinita e pela ousadia de chegar sempre na frente. Gilberto era a nossa vanguarda e, como todo sinuelo, sofreu o vento minuano dos tiros na primeira hora, quando ainda estávamos dormindo. Quando acordamos, estávamos desamparados pela perda. Mas o texto, que é sempre trabalho penoso pelo desafio e gratificante pelos resultados, é a poção mágica que traz todo mundo de volta e nos coloca ao redor do fogo.
Somos de Uruguaiana, a cidade-sentinela. Quem vem de outro país nos cumprimenta em primeiro lugar. Respondemos com o abraço das boas vindas, com a aceitação das diferenças, com a certeza de que nascemos para dar o exemplo, já que somos fruto do exemplo maior da geração – e que geração! – que nos precedeu. A geração que nos deu os melhores, a que fundou a nação a partir do nada, e que nenhum respeito ou agradecimento, por maiores que sejam, jamais poderão retribuir tudo o que nos deram.

RETORNO - Fernando Pereira da Silva Filho me envia a seguinte a mensagem:
"Meu prezado Nei - Os amigos são sempre benevolentes. Grato por ter me colocado no mundo. Sei dos meus limites mas pretendo ir alargando-os, antes tarde do que nunca. Apesar de levar uma vida de paulista em Uruguaiana ( dá para acreditar?) pelos meus trabalhos ( tenho três frentes para encarar por dia) tenho me dedicado aos escritos. Sem medo de errar digo que eles são o meu prazer, o meu lazer e minha terapia para enfrentar esse mundo de hoje. Um abraço fraterno e obrigado pelo estímulo. Leio sempre tuas mensagens e vejo que apesar
dos tempos não te desligastes de nossa terra. Quem escreve com o coração não se trai nunca".

24 de janeiro de 2004

QUEREMOS MAIS, SÃO PAULO



A cidade-mãe a todos acolhe e recebe visitas e presentes no seu aniversário. Mas como toda mãe idosa, seu espírito parece estar confinado num asilo, esperando o dia em que filhos e trisnetos venham lhe prestar homenagens. No resto do ano, acontece o de sempre: surge a toda hora uma nova maneira de explorar a velha senhora, tirar tudo o que dela ainda jorra generosamente. Basta olhar ruas e calçadas e ver como a deixaram feia enquanto fazem brindes à sua longa vida.

O ENTERRO DOS FIOS – O morador comum de São Paulo não usufrui do que ela tem de melhor. Vive-se entre sujeira e pouco caso, barulho excessivo, ar poluído e água escassa. Estrelas internacionais vem e vão carregadas de dólares, restaurantes maravilhosos servem a poucos comensais, exposições de arte atraem filas e atropelos e morre-se diariamente no trânsito onde todos são os primeiros em tudo. O risível é o pacote de soluções idealizadas, todas orientadas pelo politicamente correto, os temas da moda, as picuinhas políticas. O fundamental para tirar São Paulo do horror urbano é, em primeiro lugar, deixar que o dinheiro público fique isento da cobiça do tubaronato. Segundo, cuidar da infra-estrutura, pois não é possível que ruas desenhadas para passar carroça tenham que absorver a incúria do poder público, que infesta o território nacional de novas fábricas enquanto deixa à deriva o mais importante transporte do mundo, o público, com ênfase nas ferrovias (temos ainda pouco metrô). O saneamento básico, a permeabilização das ruas, o conserto e reforma e redesenho das calçadas, o necessário enterro da rede de fios (coisa que se faz há decadas em outros países), o investimento maciço e total na habitação (em convênio com a própria população, que, sem ter outra saída, constrói casas por sua conta, deixando-nos o espetáculo triste de favelas com tijolos à mostra), seriam medidas óbvias. Colocar o poder público a serviço da infra-estrutura não é fazer obras mirabolantes, como levar 18 meses para cavar dois túneis em terreno nobre para impressionar os eleitores, como acontece atualmente na Eusébio Matoso e na Cidade Jardim. Habitação deve vir acompanhado de urbanismo moderno e eficiente em todos os bairros. O que se vê é uma cidade abandonada. As calçadas da importante avenida Francisco Morato, por exemplo, onde sobram empresas milionárias ao longo do seu percurso, são as mesmas que encontrei há trinta anos. Não se faz nada, a não ser politicagem.

CAOS - Não é difícil se chegar a resultados. Imagino sempre que os responsáveis pela cidade não vivem nela, passam por cima de helicóptero e estão sempre pensando em fugir do caos permanente. Não existe amor por São Paulo, existe o hábito de viver à sua custa, de se servir do que oferece, de encher os bolsos com seu dinamismo, de abraçar seus privilégios. Existe interesse e incúria. O amor é outra coisa. Amor não é detectar a cidade antiga soterrada na violência de hoje, não é sentir saudade, não é relevar seus problemas para dizer que ela continua maravilhosa. Amar a cidade é sair à rua e sentir-se seguro e confortável. Tradicionalmente, o Brasil odeia o espaço público e transforma o espaço privado num palácio. Os visitantes europeus notavam que não se encontrava nada nos mercados e que as ruas das cidades brasileiras eram imundas. Em compensação, as casas tinham tudo, de sobra. Essa mudança de enfoque não ocorreu ainda em São Paulo (onde, claro, são poucos os palácios e muitos os barracos), mas existe em outras cidades. Precisamos acabar com essa cretinice cíclica de desovar falso amor sobre a cidade que nos acolheu, que nos permitiu sobreviver e que continua grandiosa, imponente e cheia de energia, apesar do vampirismo que a suga diariamente.

VIBRAÇÃO - Foi paixão à primeira vista. Cheguei em São Paulo em julho de 1969 pela primeira vez. Fui com meus amigos pousar no estádio do Pacaembu, pois estávamos em férias e tínhamos carteira de estudante, ou seja, era permitido o acesso de peregrinos escolares aos infindáveis aposentos. Achei o máximo quando conheci a Avenida Paulista num entardecer de ouro. Senti a vibração das ruas e das pessoas. São Paulo me chamava e continua me convocando. Estou aqui em missão cívica, para aprender e ensinar. Gostaria de abraçá-la neste 25 de janeiro, quando completa 450 anos, como uma velha amiga e protetora. Cidade que o Brasil constrói como um projeto de futuro. Que abriga toda a população da terra. Que distribui bênçãos como uma matriarca. E que nos acompanha quando nos afastamos dela, saudosos da sua loucura, amantes da sua grandeza. Somos gigantes quando conseguimos sobreviver na selva paulistana. Ficamos diferentes e compartilhamos a experiência comum de conviver no miolo de um furacão, atiçados pelo centro de um terremoto.
Queremos mais, São Paulo. Te queremos limpa, bonita e agradável. Dizem que é impossível, que é pegar ou largar, que devemos nos conformar com os transtornos pois São Paulo é assim mesmo. Não concordo. São Paulo pode ser melhor. Basta deixar de roubá-la. Basta deixar de tratá-la como um objeto valioso da qual nos servimos sem limites. Basta devolver a ela mais do que palavras, ações verdadeiras em favor da sua redenção.

RETORNO- Não quero, com este texto, dizer que tenho cidadania paulistana. Sou lá do “sudoeste onde o Brasil termina”, como diz o poema. Também não quero dizer que devo a esta cidade. Aqui vivo e aqui muito sofri. Paguei o que recebi. Mas quando me perguntam onde estou agora, digo com orgulho: moro em São Paulo. A cidade vitoriosa que nos ensina a virtude da garra, a tenacidade do sonho, a realização do projeto, a convivência planetária. Moro aqui, onde queremos ser melhores do que somos. Onde sabemos que não somos nada. À parte isso, queremos mais do que apenas uma vida para ficar à altura do que podemos ser nestas avenidas, nestas pontes, nestes bairros.
Feliz aniversário, São Paulo. Posso te chamar de minha cidade?

22 de janeiro de 2004

NA PEDROSO, COM GIM TONES



O inenarrável repórter policial me aparece na nova redação vestido de motoqueiro sem moto, todo coberto de plástico para enfrentar a famosa chuvinha fodegosa que caiu hoje no Brasil de Sampa a Floripa (conheço o clima numa distância de 700 quilômetros), animado com o Ano do Livro e me convence a misturar chope gelado com caldo quente de feijão regado a cachaça Boazinha. Nesse ínterim, alguém ficou presa na casa em frente e, como só acontece em grandes reportagens, o sonso jornalista atravessa a rua convocado pela aventura . Não perca as próximas linhas.

DESTINO - É uma questão de linhas escritas na palma da mão. Lembro que na minha visita a Uruguaiana, quando fiz o périplo resgatante no carro regado a chimarrão do Anfitrião da Tríplice Fronteira Anderson Petroceli, passei algumas horas na mais completa tranqüilidade. Pois foi voltar para a praça e escutar de Tabajara Ruas, autor da obra-prima “Perseguição e Cerco a Juvêncio Gutierrez”, que também tinha saído a visitar a cidade, mas por sua vez no famoso “diapé”, a história assombrosa de que foi testemunha de um tiroteio, tendo adentrado no recinto dos balaços (logo depois do evento, claro), para verificar o estrago em algum conterrâneo que exibia o sangue dos inocentes. É como eu digo: tem gente que nasce para a aventura. Com Gim Tones dá-se o mesmo. Enquanto nos ocupávamos com mil lides editoriais, o solerte jornalista exibia seu olhar pela janela quando gritos da frente o convocaram para um resgate. Parece que a vizinha, tradicionalmente nervosa com o rompimento do seu matrimônio, tinha se encerrado sem querer atrás do grande portão (é uma região de grandes mansões e portões) e gritava por socorro. Pois não é que Gim prontificou-se a atravessar a rua e salvar a ilustre vizinha, notória por sua capacidade de gritar sempre que o ex-marido lhe aparece nas fuças, quando é alvo de ameaças como “essa conta vou mandar para o teu apartamento”. Depois do resgate, a vizinha aos brados contou o infortúnio para nosso repórter, que assim cumpriu o destino aventureiro da sua estirpe, deixando-nos boquiabertos com a oportunidade única que se lhe apareceu, ele que nunca visita a redação, redação que nunca é dada a esse tipo de ruído, já que se dedica as altas esferas da melhor literatura brasileira e mundial. Pois é assim, meus amigos e amigas, é assim que se manifesta a vida e suas escolhas. Não tive outra alternativa do que levar meu amigo para o Pirajá, prainha da Pedroso de Moraes, onde desfrutamos de uma conversa interminável sobre a linhagem da reportagem policial no jornalismo brasileiro.

DESPISTE – Para impressionar o solerte pesquisador de histórias desumanas da periferia e texto maior da nova safra de escritores brasileiros, tentei vestir de carisma minha trajetória de vida colocando o talento como coisa comum entre edição e reportagem. Nesta, destaco como diferencial básico a coragem. O repórter que se aventura na favela para trazer a história que ninguém conta tem em mim o admirador número um. Contei ao garoto quase trintão a importância de pessoas como Pena Branca e Hamilton Almeida Filho, já que de Caco Barcelos não preciso nem traçar mínima biografia, pois é público e notório que Caco é o verdadeiro nome da coragem. Gostei de ver Gim Tones animado com as perspectivas que se abrem no Ano do Livro, pois já estava preocupado com sua longa descida aos infernos da lassidão desempregatícia, já que o Império da Idiotia erradicou o talento das redações como se tirasse fora ervas daninhas. Mas o talento soa como uma rebelião, como falei recentemente para meu consideradíssimo amigo e escritor maior Moacir Japiassu, que aos poucos planta os pés para fora do Brasil com sua grande literatura e nos prepara uma surpresa de arrepiar para os próximos meses.

AUTORES - É desse jeito que vivo atualmente, entre meus queridos escritores, que palmilham o território da criação na maior das dificuldades, sem querer saber do dia de amanhã, pois o futuro nos pertence, assim como o presente é uma presa fácil em nossas mãos cheias de vontade de acertar o passo. Espero que estas linhas agradem os leitores deste espaço, que está meio atirado por absoluta falta de tempo, mas não por falta de vontade. Pois vontade sobra e estamos prontos para atravessar o rubicão com as palavras que preparamos para cumprir nosso destino. Nós, brasileiros, somos assim, por isso somos os melhores.

18 de janeiro de 2004

CHUVAS DE VERÃO II



O filme perfeito não me sai da cabeça. Continuo hoje o que comecei ontem neste espaço e abordo a solidão, que ocupa, na obra-prima de Cacá Diegues, um lugar de honra. E faço também um resgate pessoal de outros trabalhos de cineastas da minha preferência, para que possamos ver a paisagem cinematográfica brasileira com sua verdadeira diversidade e competência, que chega muitas vezes no raro patamar da genialidade.

CONFISSÕES DO ISOLAMENTO - “Passei a vida inteira trabalhando em troca de uma caneta dourada. O que fiz da minha vida?”, diz o aposentado interpretado por Jofre Soares (quem pode esquecê-lo em “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, filme maior de Roberto Santos, onde outro grande ator, Leonardo Villar, faz História?)
- “O senhor me desculpe, mas acho que me fodi na vida”, diz a senhora muito antiga, concertista de piano que se desespera diante da inutilidade da sua trajetória e grava sua performance para que futuros netos (que não virão, já que seu filho escolheu como esposa uma velha atriz decadente de teatro de revista) possam apreciá-la.
- “As crianças são a única alegria da minha vida e só faço apresentações para manter a forma”, diz o palhaço aposentado e pedófilo, interpretado por Rodolfo Arena.
- “Eu também preciso ganhar a vida”, diz Juracy, criação do impiedoso Paulo César Peréio, o ator fundamental do cinema brasileiro, quando tenta justificar sua deduragem.
- “Declama aquele poema do brinde, que me emociona tanto”, diz para sua noiva o personagem Paulinho, o adolescente tardio que não sai da escola para não enfrentar a vida.
- “Eu queria ter aquele filho. Mas a pressão foi enorme. Então decidi me dedicar às minhas irmãs”, diz a solteirona Miriam Pires, momentos antes de provar novamente o orgasmo.
Essas frases revelam a solidão de personagens que jamais se encontram e somam-se ao silêncio desesperado de Marieta Severo depois de descobrir a homossexualidade do marido. “Se eu puder fazer alguma coisa por você”, diz o pai e Marieta devolve para essa frase sem sentido um olhar em pânico e um meio sorriso sombrio.
A apresentação visual da solteirona é revelada pelo súbito mutismo do filme, que estava embrenhado no alarido e no zoom. Quando a enfoca pela primeira vez, afasta o olhar da câmara para colocá-la isolada, na calçada, com suas roupas escuras, seu rosto despedaçado.
- “Estou aposentado, não tenho nada para fazer o dia todo”, diz Jofre Soares, olhando os que passam rumo ao trabalho.
Como viver se você foi jogado fora? E o que rompe o isolamento desses personagens trágicos? Primeiro, a súbita aparição de um bandido, amante da empregada (Cristina Aché) do aposentado, que se esconde na casa dele para ser descoberto por Juracy. A busca da polícia alvoroça a rua e agrega as pessoas em torno da tragédia. No mesmo tom, a apresentação do palhaço que reúne em sua volta a ingenuidade popular e a alegria das crianças – contraponto do cerco que o artista faz a uma menina – resulta numa cena que descamba para a ameaça da violência sobre a festa coletiva. O bar onde se encontram os homens sem nada a fazer, fracassados de seus sonhos (como o ex-jogador de futebol que quebrou a perna em dois lugares), é um antídoto para esse cerco de solidão que cai irredutível sobre cada um.
Mas a esperança – que é a salvação possível, a cura da ressaca provocada pelo horror – dá-se pela coragem de enfrentar as dificuldades. A redescoberta do sexo na terceira idade, a auto-entrega do culpado diante da polícia, o carinho pela família, a aceitação do inevitável são remédios que curam de verdade, mesmo que essa cura seja provisória. O filme nos emociona porque não nos pede licença, nos coloca contra a parede mas não tira proveito disso. Ao contrário, nos entrega uma obra de referência, a quem devemos fazer uma visita periodicamente, assim como devemos reler os clássicos.

TODOS OS DOMINGOS DO MUNDO – Assim como Matraga, de Roberto Santos (o cineasta de morreu de um ataque cardíaco depois de um festival de Gramado, onde não recebeu prêmio algum), temos, em Todas as Mulheres do Mundo e Edu, Coração de Ouro, de Domingos de Oliveira, outros exemplos de filmes perfeitos. Anexo à lista São Paulo S.A. (obra-prima absoluta) e O Caso dos Irmãos Naves, de Luiz Sérgio Person e O Assalto ao Trem Pagador, de Roberto Farias. Além, é claro, de O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte, Os Fuzis, de Ruy Guerra, Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos, Deus e o Diabo na Terra do Sol e Terra em Transe , de Glauber Rocha. Mas estes são por demais conhecidos e incensados. Nem precisa lembrar o que são – obras-primas brasileiras que deslumbraram o mundo. Só queria chamar a atenção para meus filmes nacionais favoritos que não costumam ganhar o mesmo tipo de admiração e carinho.

17 de janeiro de 2004

O FILME PERFEITO



“Chuvas de Verão” (1977), de Cacá Diegues, continua sendo uma obra-prima do cinema nacional. Em cada cena de clássico acabamento, numa trama de grande complexidade e transparência, vemos neste filme maravilhoso quem realmente somos e aprendemos a admirar nossa capacidade de alcançar o mais alto nível da criação cultural. Com essa revelação, resgatamos o país mergulhado dentro de nós. Fica assim mais fácil suportar e entender a carga de realidade que nos desafia e que costumamos ignorar.

MILAGRE – Ao filmar o Rio de Janeiro e deixar de lado a Zona Sul, Cacá Diegues captou o milagre da civilização brasileira, que se estende por vasto território com as mesmas características (“milagre de português”, segundo Paulo Vanzolini). O aposentado que sonha em nada fazer descobre nos vizinhos, amigos e parentes a sombra pesada de uma vida em todos mal resolvida, e por isso mesmo, humana. O admirável é que não há lamentações nesse impacto composto de pedofilia, homossexualismo, deduragem, assassinato. O olhar ao mesmo tempo triste e resignado de Jofre Soares (o ator a quem o Brasil jamais poderá agradecer o suficiente) sabe abrir-se nos momentos mais cruciais, quando a lucidez sobre o horror escancara uma janela para a alegria.

A vida e seus espinhos passam rapidamente como chuvas de verão. O que fica é a tenacidade da sobrevivência, o convívio trepidante entre os despossuídos, a dignidade que prescinde da moral conservadora, a glória da ingenuidade que enfrenta a violência e sai ganhando. Nesta narrativa, desfam grandes eprsonagens interpretados por Miriam Pires,a nudez, a resignação e o desejo da terceira idade; Rodolfo Arena, o palhaço encantador e sinistro; Paulo Cesar Pereio, o comportamento crítico diante da falsa arte por meio de genial caricatura do malandro,entre outros.

A rua de casas que serão demolidas para uma futura obra do metrô é pintada como uma paisagem única, onde a decadência da modernidade superpõe-se à seqüência de cores e formas da tradição pictórica brasileira. Como se os séculos anteriores servissem de amparo para a trama que se desenrola entre paredes velhas, com fotos e cartazes antigos, móveis obsoletos. O corpo humano é moldado por essa paisagem e seus gestos são limitados pela penúria da geografia que o circunda. Torna-se patética a justificativa do palhaço criminoso (Rodolfo Arena) que tenta disfarçar a culpa do estupro com o simulacro de um exercício físico. A imagem da solidão absoluta é o aposentado que leva sua cadeira desconfortável para a calçada numa tentativa de fisgar a vizinha. E a precariedade do caráter revela-se na camisa aberta ao peito de Juracy (Paulo César Pereio, absolutamente impossível na sua genialidade).

CIRCO - Há também camadas superpostas de artes populares, como é o caso da cena do teatro de revista que vira drama de circo de subúrbio. O mais impressionante neste filme antológico é que Cacá, como os grandes romancistas, expõe as feridas mais profundas dos personagens como se estivesse narrando uma anedota. E conta uma história aparentemente banal com todos os elementos do grande teatro. Ali está a relação edipiana entre adolescente tardio e a estrela decadente; a morbidez do velho (Sady Cabral) que tenta descobrir o estado terminal dos amigos; a senhora muito antiga (Lourdes Mayer) que faz revelações pornográficas e consegue rir do seu fracasso; o almofadinha (o magnífico Daniel Filho, ator infelizmente pouco presente no nosso cinema) que conseguiu escapar da miséria e entrega-se a orgias homossexuais; a filha (Marieta Severo) que nunca vê o pai para poder escapar de suas raízes.

Mas não se entenda essa galeria de horrores como uma entrega da obra às facilidades da desgraça. Sem cair no otimismo – que é a esperança pulando o Carnaval – Cacá Diegues aposta na dignidade de uma vida escassa, mas cheia de grandeza. O final, que são as pessoas indo para o trabalho ao som de um chorinho, nos mata de emoção. A solteirona (Miriam Pires) que ao redescobrir o sexo usa sua saia amarela ao voltar para o batente, o operário que antes de pegar o trem é acompanhado pela mulher e filhos fazem parte de um hino camerístico, a majestade informal de uma cultura que soube encontrar sua identidade e deixa sua marca para ser vivenciada e admirada.

SOMOS ASSIM - Dificilmente “Chuvas de Verão” deixará de ser a obra- prima que é. Por ser um filme perfeito, já nasceu clássico. Por ser a soma da nossa coragem, veio para ficar. Por falar a verdade sem nos humilhar, é um amigo eterno. Por nos abraçar sem nos paparicar, faz parte da família. Por isso é muito mais do que um drama ou uma comédia de costumes. A obra não se enquadra em qualquer moldura. É o que temos para mostrar a nós e ao resto do mundo: somos assim. Por isso somos os melhores.

RETORNO - Boa entrevista de Cacá Diegues aqui .

15 de janeiro de 2004

UM AMIGO DA PRIMEIRA INFÂNCIA

O Ano do Livro começa animado e me toma todos os minutos do dia. Minha função é ajudar a viabilizar a publicação de autores dentro e fora das fronteiras. No mesmo embalo, tenho aqui repassado textos que me enviam, para compartilhar o que se passa na cabeça alheia e conectar com memórias e depoimentos de pessoas que estavam perdidas nesse mundão de Deus e que, graças à Internet, chegam para lembrar-nos de onde viemos e de que tipo de material humano somos feitos. Hoje, coloco neste espaço uma surpreendente carta de alguém que foi meu colega nos primeiros anos do primário e com o qual só agora retomo contato.


CARTA DO BRASIL PROFUINDO - "Oi Nei. Desculpe a demora para encontrar em contato com você, mas ontem foi que vi seu recado no portaluruguaiana. Talvez você não lembre mais de mim. Sou Lino Antonio Ulharuso, estudamos juntos no Romaguera Corrêa, éramos muito amigos, sempre ia a sua casa para estudarmos. Estudei com voce até o segundo ano, depois fui para o Reingantz, não sei se você lembra, ficava perto do hospital de caridade. Lembro bem de seus pais, eram gente finissima. Depois que fui estudar em outra escola nos afastamos. Lembro muito de quando faziamos bagunça na aula dona Eva, mandava chamar o Iris (na época prefeito). Ele chegava na janela de nossa sala que ficava na lateral da prefeitura e com aquele vozeirão dele, davanos bronca então ficavamos calados."

ANDANÇAS - "Saí de Uruguaiana em 67 fui morar no Rio, depois joguei futebol na Venezuela, acabei deixando o futebol devido às decepções. Em 1970 fui trabalhar em Recife, me casei por lá morei 23 anos, estou aqui em Brasília desde 1993. Tenho uma filha que vai fazer 19 anos em fevereiro. Hoje trabalho no Comando da Aeronáutica
( sou funcionário civil). Voce é o único de nossa turma do Romaguera que
lembro, pois eramos muito amigos. Não sei se voce lembra de mais alguém
daquela época. Ha 15 anos que não ia a nossa terrinha, estive em março 2003,
gostei muito do que vi, a cidade mais bonita, inúmeros prédios. Meus pais
moravam na Barão do Triunfo (hoje Iris Valls), não sei se você lembra do Palma
(fotógrafo) minha casa ficava ao lado da dele. Minha mãe ainda mora lá.
Que legal que temos um Uruguaianense militando na imprensa. Olha, às vezes
vou a Sampa tenho uma cunhada que mora aí. Soube que o Cabeto Bastos estava morando em Sampa, agora quando estive na terrinha perguntei pelo mesmo e me deram essa informação. Por acaso você sabe onde anda o gordo Jorge?"

FAMÍLIA - "Você me parece que tinha outros irmãos, tem alguem de sua familia morando ainda em Uruguaiana? Que ano você saiu de lá? Quando for a Sampa irei lhe procurar para batermos um papo, pode ser? Nei vou encerrando está com grande alegria em poder manter contato contigo depois de mais de 45 anos, é tão bom a gente poder contatar com amigos que nos foram tão caros na infância. Esatei aguardando sua resposta. Um grande prazer e aquele abraço do amigo. Lino

RETORNO - Meu bom amigo Lino faz assim uma ponte maravilhosa entre o Mundo Perdido e o século 21. Como posso agradecer a ele? Respondendo que fiquei feliz em saber de suas andanças e dizer que, infelizmente, tenho apenas meus pais, irmã e tias lá, mas morando no Outro Lado. Quando estive em Uruguaiana, todos me perguntaram sobre minha família. Meus pais, muito queridos, deixaram sua marca na cidade encantada, e jamais serão esquecidos. Obrigado, Lino, colega do Grupo Esacolar Romaguera Correa (o grande dicionarista do pampa), que estava instalado num prédio - hoje patrimônio histórico e que abriga a Prefeitura Municipal. Cabeto Bastos era nosso colega e mora em São Paulo, onde trabalha na empresa da família dele, o Grupo Ipiranga. Pois pouca gente sabe que o petróleo no Brasil começou em Uruguaiana e não na Bahia. Assunto para outras edições.

14 de janeiro de 2004

O DESABAFO DA HORA



Corre na Internet um texto sobre a decadência do Brasil e a vontade de resgatar o que perdemos. O texto é de autor desconhecido, segundo quem me enviou a mensagem, meu irmão Elo Ortiz. Repasso na íntegra o que recebi.

MATINÊS - "Fui criado com princípios morais comuns. Quando criança, ladrões tinham a
aparência de ladrões e nossa única preocupação em relação à segurança era a
de que os "lanterninhas" dos cinemas nos expulsassem devido às batidas com
os pés no chão quando uma determinada música era tocada no início dos
filmes, nas matinês de domingo.

Mães, pais, professores, avós, tios, vizinhos eram autoridades presumidas,
dignas de respeito e consideração. Quanto mais próximos,e/ou mais velhos,
mais afeto. Inimaginável responder deseducadamente a policiais, mestres, aos mais
idosos, autoridades. Confiávamos nos adultos porque todos eram pais e mães
de todas as crianças da rua, do bairro, da cidade. Tínhamos medo apenas do
escuro, de sapos, de filmes de terror.

Hoje me deu uma tristeza infinita por tudo que perdemos. Por tudo que meus
filhos um dia temerão. Pelo medo no olhar de crianças, jovens,velhos e
adultos. Matar os pais, os avós, violentar crianças, seqüestrar, roubar,
enganar, passar a perna, tudo virou banalidades de notícias policiais,
esquecidas após o primeiro intervalo comercial.

Agentes de trânsito multando infratores são exploradores, funcionários de
indústrias de multas. Policiais em blitz são abuso de autoridade.
Regalias em presídios são matéria votada em reuniões.
Direitos humanos para criminosos, deveres ilimitados para cidadãos
honestos.

Não levar vantagem é ser otário. Pagar dívidas em dia é bancar o bobo,
anistia para os caloteiros de plantão. Ladrões de terno e gravata,
assassinos com cara de anjo, pedófilos de cabelos brancos. O que aconteceu
conosco?

Professores surrados em salas de aula,comerciantes ameaçados por
traficantes, grades em nossas portas e janelas.
Crianças morrendo de fome, gente com fome de morte. Que valores são esses?
Carros que valem mais que abraço, filhos querendo-os como brindes por
passar de ano. Celulares nas mochilas dos que recém largaram as fraldas.
TV,DVD, telefone, vídeo-game, o que vai querer em troca desse abraço, meu
filho?

DIGNIDADE - Mais vale um Armani do que um diploma. Mais vale um telão do que um papo. Mais vale um baseado do que um sorvete. Mais vale dois vinténs do que um
gosto. Que lares são esses? Bom dia, boa noite, até mais. Jovens ausentes,
pais ausentes, droga presente e o presente uma droga. O que é aquilo?

Uma árvore, uma galinha, uma estrela.
Quando foi que tudo sumiu ou virou ridículo?
Quando foi que esqueci o nome do meu vizinho?
Quando foi que olhei nos olhos de quem me pede roupa, comida, calçado sem
sentir medo?
Quando foi que fechei a janela do meu carro?
Quando foi que me fechei?
Quero de volta a minha dignidade, a minha paz.
Quero de volta a lei e a ordem, a liberdade com segurança.
Quero tirar as grades da minha janela para tocar as flores.
Quero sentar na calçada e ter a porta aberta nas noites de verão.
Quero a honestidade como motivo de orgulho.
Quero a retidão de caráter, a cara limpa e o olho no olho.
Quero a vergonha, a solidariedade e a certeza do futuro.
Quero a esperança, a alegria.
Teto para todos, comida na mesa, saúde a mil.
Não quero listas de animais em extinção.
Não quero clone de gente, quero cópia das letras de música, cultura e
ciência.
Eu quero voltar a ser feliz!
Quero dizer basta a esta inversão de valores e ideais.
Quero mandar calar a boca de quem diz "a nível de", "enquanto pessoa",
"visa resgatar".
Quero xingar quem joga lixo na rua, quem fura a fila, quem rouba, quem
ultrapassa a faixa, quem não usa cinto, quem não dignifica meu/seu voto.
Quero rir de quem acha que precisa de silicone, lipoaspiração,dieta,
cirurgia plástica, carro zero, laptop, bolsa XYZ, calça ZYX para se sentir
inserido no contexto ou ser "normal".

O SER PERDIDO - Abaixo o "TER", viva o "SER"!
E viva o retorno da verdadeira vida, simples como uma gota de chuva, limpa
como um céu de abril, leve como a brisa da manhã! E definitivamente comum,
como eu.
ADORO O MEU MUNDO SIMPLES e COMUM.
Vamos voltar a ser "gente"? Ter o amor, a solidariedade, a fraternidade
como base.
A indignação diante da falta de ética, de moral, de respeito...
Discordar do absurdo. Construir sempre um mundo
melhor, mais justo, mais humano, onde as pessoas respeitem as pessoas.
Utopia? Não... se você e eu fizermos nossa parte e contaminarmos mais
pessoas, e essas pessoas contaminarem mais pessoas... hein?!

Quem sabe?...

Por um mundo mais humano !!!"

(Texto de autoria de Sara Maria Binatti dos Anjos)

RETORNO - Reproduzo aqui a mensagem que identifica a autoria do texto: "O texto tem o título original "Reflexões" e é de autoria de Sara Maria Binatti dos Anjos. Este texto é devidamente registrado na Biblioteca Nacional através do EDA (Escritório de Direitos Autorais) de Porto Alegre. Solicitamos citar o título e a autoria . Obrigado. Dr. Antonio Carlos Carvalhal

12 de janeiro de 2004

UM OUTSIDER EM PLENA FORMA



Um dos mais queridos e importantes jornalistas da minha geração, Jary Cardoso, colocou preto no branco o filé da cultura brasileira desde os anos 60. Agora me escreve um depoimento sobre suas andanças profissionais. Vale a pena fazer uma visita ao nosso amigo, que trocou sua São paulo por Salvador, e lá enfrenta todas as barras do jornalismo, com a serenidade de quem aprendeu muito e tem muito a dizer.

NAQUELE TEMPO - "Quando comecei oficialmente na profissão, com carteira assinada, no início de 69 em Porto Alegre - Zero Hora, com Marcão, e Sucursal da Abril, com Totti -, trazia o espírito acadêmico da Maria Antonia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP - cursos iniciados e não concluídos de Filosofia Pura, Psicologia, Letras, Economia, militando num grupo de intelectuais revolucionários, também ligados à USP, a Polop, onde me tornei dirigente nacional e editava o Informe da Política Operária, me iniciando na prática no jornalismo - e, então, em Porto Alegre incorporei o espírito acadêmico ao jornalismo, sempre me interessando pelo lado teórico e vanguardista da prática jornalística, e me lembro qdo o Alberto Dines foi a Porto Alegre (na PUC?) fazer palestra sobre jornalismo impresso confrontado com a força visual da TV, eu tava lá na primeira fila ouvindo-o com muita atenção. E tem sido assim, naquela época ligado nas reformas implantadas anos antes pelo JB e depois pelo JT, e mais tarde militando na imprensa alternativa, construindo uma ideologia do jornalismo artístico e revolucionário. Até mantive por muitos anos o projeto de um livro sobre a imprensa alternativa, e cheguei a ouvir muita gente, entre outras, Maciel, Jaguar, até o Tarso foi em casa e escreveu na minha Olivetti portátil duas laudas sobre a verdadeira história da fundação do Pasquim, laudas guardadas como um tesouro querido. E aí eu tava sossegado aqui na Bahia, sossegado no sentido mental de qualidade de vida, mas trabalhando muito, pois aqui se precisa trabalhar muitas horas mais pra se ganhar muito menos do que aí em horas normais."

CHEGA O FURACÃO - "Mas eu tava sossegado, sem inquietações, tocando burocraticamente o meu ganha-pão qdo eis q de repente surge no pedaço um louco e visionário do jornalismo: Ricardo Noblat, q dirigiu a Redação de A Tarde por 10 meses e já se picou. Mas qdo ele chegou, mexeu fundo comigo, foi um terremoto na Redação e me senti renascendo para a causa jornalística. Noblat é realmente um líder forte, embora estúpido demais, mas prefiro mil vez toda a estupidez dele do q o marasmo dos burocratas. O período de Noblat deu seqüência e radicalizou o projeto já em andamento da Mediacción/Universidade de Navarra, cuja consultoria havia sido contratada pelo jornal, e o Noblat era um dos palestrantes do Curso Master de Jornalismo p/ Editores, q vários colegas do jornal cursaram em São Paulo e cada vez q voltavam do curso me davam entrevista para A Tardinha - house organ de A Tarde do qual sou editor. E os caras de Navarra davam palestra no jornal e eu como sempre tava lá na primeira fila, e o Noblat chegou sistematizando e radicalizando tudo isso, e chegou com um livro sobre a Arte do Jornalismo Diário, q devorei imediatamente. E de repente todos os cobras brigaram com os donos do jornal e Noblat e Navarra se picaram. E eu tô de volta ao rame-rame. Às vezes me dá vontade de rodar a baiana e sair brigando com todos q nem o Noblat pra fazermos um trabalho de qualidade em equipe, mas tudo depende da boa vontade dos patrões, ou seja, não dá pé. Na verdade não tenho tanta paixão assim pelo jornalismo do Sistemão, sinto no fundo q é tudo mentira. Me lembro das minhas incursões como repórter de Local no Estadão. Qdo voltava à Redação pra escrever a matéria, tinha a nítida sensação de q eu tava inventando uma história: aquilo q eu havia colhido como repórter podia ser visto e contado de mil ângulos diferentes, e eu acabava encaixando a forceps "fatos" escorregadios dentro do padrão de realidade implícito no Manual de Redação q eu tanto exercitara como copy-desk. É uma das maneiras de se descrever o mundo, como dizia o brujo Dom Juan. Então hoje continuo ligado em coisas como os sites Comunique-se e Observatório da Imprensa, mas continuo também um outsider: no fundo não tenho nada a ver com tudo isso."


CITAÇÃO - "Me identifico mesmo é com isto:
"O homem comum acredita em tudo o que lê nos jornais ou vê na TV como se fosse a expressão rigorosa da realidade objetiva. É óbvio, à mais superficial análise, que não é assim. A imagem que a mídia oferece da realidade é cada vez mais distorcida, não só porque serve a interesses específicos, mas, mais grave do que isso, porque também reflete e propaga o nosso excessivo grau de alienação coletiva". ("Sobre a Imprensa", in "As Quatro Estações", de Luiz Carlos Maciel)

RETORNO - Jary Cardoso foi aquele cara que encontrei na redação da Zero Hora em 1969. Pouco falava, mas quando me segredava coisas, era direto e de grande impacto. Foi ele quem me extraiu o primeiro lead forte da minha vida profissional. Batalhou, reagi bem e ele elogiou. Reencontrei-o mais tarde, na Ilustrada e no Folhetim, de Tarso. Foi quando ficamos amigos.

11 de janeiro de 2004

O CÍRCULO DE GIZ DA AMÉRICA


O cinema é a prisão do imaginário americano. Melhor: é o reflexo, ou subproduto, da percepção fechada sobre a própria fronteira mental, que é muito mais sólida e perene do que a fronteira física pois, ao contrário desta, trabalha com a inclusão para que tudo permaneça inalterado. Nada escapa a esse círculo, mesmo quando se trata dos seus mais brilhantes diretores, seus maiores atores, seus melhores filmes. Vencer e perder ou fazer o que se deve fazer são os clichês dessa inflexível Parca Átropos (a deusa grega responsável por cortar o fio da vida) tornada, pela repetição, inevitável.

MYSTIC RIVER – O filme de Clint Eastwood “Sobre Meninos e Lobos” é, segundo ele, sobre a perda da inocência, mas prefiro dizer que é sobre a costura possível dessa cultura americana na época em que tudo desmorona – e intensifica a necessidade da sobrevivência. Agulha e linha, neste caso, não fluem diretamente só do roteiro, mas da postura de toda a obra. Não existe traição à pátria, consentida pela cultura, nos Estados Unidos. O Império não tolera defecções. Obrigatoriamente, estejam onde estiverem seus personagens, tenham ou não cometido o mais hediondo dos crimes, estará lá de plantão, batida pelo vento, altiva ou murcha, a bandeira do país tremulando na tela. Pois o crime maior é negar a América, portanto tudo cabe na teia tecida pela segunda Parca, Lachesis, responsável pelo destino, a duração e as ações da vida. Já que todos obedecem à primeira Parca, Clotho, que manobra com o nascimento, já que todos pertencem ao mesmo mundo fechado, o que qualquer filme feito nos Estados Unidos se preocupa é o lugar ocupado pela América. No caso de Clint, fica na ação, não na moral, fica no fazer, não no refletir, fica no presente, jamais na memória. A América se constrói todos os dias e para essa árdua tarefa é preciso que o homem seja o rei da sua família, a mulher o apóie, seja qual for o crime do marido, e os filhos não se desencaminhem, mesmo que tenham passado pela ruptura ocasional do relacionamento familiar. A maldição é para os perdedores: os que não conseguem chegar ao fim de suas ações (como a vítima Dave, que escreveu apenas as primeiras letras do seu nome no cimento fresco). Prisioneiros do destino, os americanos só podem escolher o inevitável: reconhecer que os perdedores caíram na armadilha e que para vencer é preciso perseverar, mesmo que seja necessário mentir, matar, roubar. Encontramos essa inevitabilidade em Os Imperdoáveis. Tudo o que contraria essa lei faz parte da cultura alienígena, que na maioria das vezes, é o catolicismo.

MEDO DA CRUZ - Os americanos temem a Igreja Católica e este filme de Clint mostra a dimensão desse pavor. Eu achava que eles simplesmente a desprezavam, pois costumam sempre debochar da cruz em todos os seus filmes. O filme cumpre a escrita e identifica o catolicismo com o Mal. Mas, mesmo marcado com a cruz tatuada nas costas, o líder familiar (Sean Pen, excepcional) assume seu papel na América, onde não há espaço para arrependimentos. Não é que a ação tudo justifique, a ação é a única lei, e ela precisa estar orientada para a costura do país, que experimenta uma fase de Queda absoluta. Nada existe fora do fazer, do verbo. Para isso, Clint usa a qualidade teatral de seus magníficos atores (como Tim Robbins, no papel do adulto Dave que fica confuso diante das manifestações do Mal, ou Kevin Bacon, um carismático e clássico investigador da Polícia). O rosto de Tim é a decadência física da América, assim como as ruas e prédios da cidade exausta. A liquidez dos gestos de Kevin e a solidez física de Sean fazem parte da América que pega o touro a unha. No roteiro enxuto, na composição visual perfeita, sobra justiça para Lawrence Fishburne, que livra-se de sua pretensiosa interpetação em Matrix e comporta-se sob o tacão de mestre Clint. Se "Na Linha de Fogo" pátria era elegância, em Mystic River a América é uma sobrevivente, que reitera sua cultura na parada escolar, apoteose da vitória, bem o oposto da primeira comunhão da irmã da moça assassinada, quando os dois eventos – morte e eucaristia – coincidem. O valor do filme é revelar os limites desse círculo mental que oprime a América e o mundo. Tudo está por um fio. Talvez tenham que chamar de volta Dirty Harry para recolocar as coisas no eixos.
O rio místico é a metáfora do mito fundador da nação. Ele lava os crimes em nome de um destino maior. Nada mais criminoso, mas nas mãos de Clint Eastwood, nada mais brilhante.

LINHO BRANCO NA CIDADE ANTIGA

Todo dia era dia de solidão. Colocar a roupa branca de linho, passar uma escova no sapato, pentear o cabelo, sair olhando para os lados. Quatro quarteirões me separavam do cinema e da praça. Ainda era cedo para o footing. Podia pegar um filme. Quando não estava lotado, entrava já com a sessão adiantada. Sentava só, numa poltrona no fundo, ou “lá em cima”, longe da tela e perto do projetor.

SORTE - Depois da sessão, saía junto com um rio de gente. Meus irmãos tinham partido, as irmãs casado, os irmãos menores estavam perto, mas distantes. Os amigos se dispersaram. Punha as mãos no bolso e tentava a sorte. Passava pelo corredor entre os bancos e os carros parados. Cumprimentava alguém, todos enturmados. Eu andava pela praça, passava para a quadra seguinte (que hoje é um calçadão), ia direto para ver a vitrine da casa Jacques (que agora vai ser shopping) e terminava no Campana, que um dia tinha sido do meu tio Nico, único irmão da minha mãe. Era um enorme restaurante, com inúmeras mesas, todas com o açucareiro em cima, pois serviam cafezinho não só no balcão, serviço feito por garçons uniformizados. Antes dessa fase de solidão (já tinha uns 16 anos), quando era pequeno, íamos ao Campana tomar guaraná, crush, soda laranja, sorvete e picolé. Eram os verões gloriosos dos anos 50. Do flerte com as gurias mais bonitas. A perseguição física aos amores jamais correspondidos. Mexíamos com alguém e saíamos correndo. Às vezes, para casa.
Mas agora eu estava muito alto e muito grande para fazer essas coisas. Voltava do Campana com um giro nos calcanhares. Decidia então atravessar a praça na diagonal. Lá estava a estátua do Barão (que vi recentemente, com a mesma imponência, um Rio Branco imortal num pedestal de mármore naquela região da fronteira), a Branca de Neve com os anões, a pontezinha sobre o lago onde um dia haviam patos. A praça estava lotada, mas eu continuava só.

TURMAS - Decidia então parar na passarela do footing para ver as meninas de mãos dadas que passavam. Mas passavam também as turmas, as do violão, as do que capotam (filhinhos de papai que tinham carros), a dos que tomavam grandes fogos e a dos chatos. Estes, estavam também sempre sós, mas eu já tinha aprendido a me livrar deles. Quem se cria em cidade pequena não tem chance de se esconder. Precisa enfrentar a barra da humana presença cara a cara. Ou você tolera ou expulsa. Aprendi cedo a dizer não. Mas quando a solidão batia, sempre tinha jeito de escutar histórias intermináveis sobre a segunda guerra mundial (assunto que sempre detestei), sobre músicas sem importância. Muitas vezes, sentava eu quieto no canto do quiosque para tomar uma interminável coca-cola geladíssima. Ocupava a mesa por mais de uma hora. O dinheiro dava só para um refrigerante. Os garçons não gostavam. De lá, acompanhava as decepções: aquela garota que eu estava de olho sucumbia diante do charme de alguém. Desistindo do passeio monótono, passava em frente ao Clube Comercial. Lá estava o eterno porteiro, a olhar feio para a classe média para baixo. Como meu pai era sócio, às vezes eu forçava a barra e entrava, peitando a má vontade do porteiro, pois eu não me vestia adequadamente.
- Sempre branco, me diziam. Eu vestia linho, o mesmo todo dia. O cabelo curto, o corpo curvado . Chegava em casa, estava praticamente vazia. Tudo tinha ido embora. Chegava minha vez também de partir. Tendo completado o segundo científico, me preparava para ir à capital tentar o vestibular. Levaria ruas percorridas sem amigos, levaria meus sapatos pretos, minha calça de brim coringa (o jeans antigo), minhas blusas de lã, minha campeira (o casaco grosso que enfrentava o inverno que estava por chegar). Logo logo despontaria março e voltariam as aulas, quando enfim, teria chance de conviver com bastante gente. O verão era o deserto daquele fim de adolescência. Eu já era muito antigo, já tinha tido uma vida inteira na cidade que me vira crescer.
Quando chega o verão, minha memória passeia pelas largas calçadas. Um assobio insistente de outro solitário, longe. Risadas em frente de alguma casa. O barulho dos passos às onze da noite. O céu muito estrelado.
O Cruzeiro do Sul despencava como uma flecha em direção ao rio.
Eu já estava pronto. Tinha virado adulto. Mas levaria a criança que insistia em caminhar raspando a sola do sapato na calçada. Ou, como fazia um irmão meu, raspando o lado esquerdo do sapato no canto da parede das casas (que ficam rentes, grudadas nas calçadas).
Um dia, ele deu um chute num monte de moedas, perdidas por ali.
É assim o passeio de verão: um golpe de sorte e você está de novo no centro do mundo.

8 de janeiro de 2004

A RONDA DOS BICHOS E O CÉU DO VERÃO


Os bichos imprimem o desenho dos teus hábitos. Estão próximos demais para serem ignorados. Os predadores domesticados te cercam, os selvagens acasalados te espiam, os habitantes de paragens remotas te sobrevoam. Penas, asas, patas, focinhos, olhos fundos a te enxergar a alma. Eles estão conosco e repartem mais do que água e comida. Partilham o planeta, que longe do tráfego, sabe ser quieto, majestoso, indecifrado.

CORUJAS - No terceiro dia de nossa estadia, uma das corujas chegou até a cerca e pousou, perto da varanda, dando um guincho. Era o sinal mais explícito de sua presença, de seu domínio. Segundos depois, estourou uma bomba com som de canhão. O sujeito deu um sobressalto, mas não levantou vôo. Continuou firme, nos espiando. Mora com sua parceira ou parceiro no terreno baldio em frente, ao lado da plantação de milho, que já está meio troncha pelo calor, falta de água e cuidados, cercada de mato ralo impertinente. O casal faz a ronda e ataca em rasantes os grandes cachorrões que ousam aproximar-se do ninho, feito no chão. Quando explodiu a bomba e Os-Grandes-Olhos continuou no local, firmemente plantado no mourão do muro, dei meu grito de guerra, que inventei neste verão:
- Viva a Marinha do Brasil!
Dizem que é mais uma bobagem que tirei do baú, mas o bordão me acompanhou por toda a virada desse ano novo. Imaginei uma escola de navegação em cada cidade do litoral, para massificar uma prática numa civilização das águas. Imaginei milhões de toras de madeira de lei apreendidas pelo Ibama serem transformadas em barcos novos para pescadores e amadores e o turismo em geral. Imaginei um país que planeja o grande fluxo migratório de volta ao litoral – pois é de lá que viemos, quando arranhávamos as costas, nos dizeres do nosso primeiro historiador, Frei Vicente de Salvador (ele falava em portugueses, mas dá no mesmo). É esse o sentido da grande massa que despenca para as praias: resgatar nossas raízes sobre as areias, a visão primeira do paraíso, longe do inferno terreal do interior. Somos índios a olhar o horizonte em busca de navios, somos soldados portugueses a saudar a Marinha, estamos na plataforma do Brasil que olha o mundo, diante do mar profundo e azul turquesa da nossa costa sem fim. Planejar essa migração, com local adequado para todos, para que não se atroplem, não sejam explorados, saibam navegar, eis o meu sonho deste início de 2004, enquanto o casal de corujas me observava.

GAIVOTAS, CACHORRO - Rodeando por todo o canto, a palavra gaivota, que dá nome a avenidas, pousadas, bares e restaurante. A majestade do pássaro maior das nossas praias, a disputar território aéreo com urubus, bem-te-vis e picapaus. A conviver com os poucos barcos dos pescadores que restaram, no canto de algumas praias, em comunidades despossuídas de terras que a especulação imobiliária pegou, afundadas nas dunas, para depois serem expulsos de lá em nome da “preservação ambiental”. Enquanto isso, postes de luz fincam-se firmes na areia movediça e tudo é permitido no litoral, onde se coloca carros em cima do dorso de Netuno, o deus exangue. Mas a barbárie fica a alguns quilômetros. Aqui, a vida é outra. Acho que não terei a oportunidade de testemunhar um evento que deve ocorrer em breve: a visita do cocker Nick ao mar, que desde que chegou na praia, ele pressente que existe. As pessoas saem pesarosas, com os rostos caídos e voltam radiantes, molhadas e salgadas. Ele cheira e desconfia. Algo enorme esconde-se pra lá do horizonte, perto das montanhas, quem sabe. Mas é cedo. Ele ainda se recupera da travessia do país num edredon no banco de trás do carro, tremendo sem parar num dia de Natal, para poder ficar agora escondido em algum canto da grama do quintal. Ele sonha com a noite do dia 24 de dezembro, quando em Curitiba fez de tudo, desde verter água em todas as plantas do hotel, e até mesmo cair, na manhã seguinte, com cinco graus de temperatura mínima, em plena piscina, obrigando seus donos a uma delicada operação de salvamento. A longa jornada do cocker em direção ao mundo muito maior do que ele imaginava é a saga que levou Nick para um lugar onde ele agora cheira tudo, observa tudo e já começa a latir para os que passam, pois seu território começou a ficar firmemente demarcado.
Só não pode chegar perto das corujas, que elas não deixam. Nem alcançar as gaivotas, que estão muito acima do que um pobre cão pode viver ou pensar.

ASTRONOMIA POPULAR - Enquanto isso, diante do céu estrelado, o poeta explica para seus filhos a existência das improváveis Três Joaninhas, uma carreirinha de estrelas apagadas que estão perto das Três Marias e que, desconfio, só existiam porque Tia Ceci um dia nos disse que elas estavam lá. E estão mesmo!
A astronomia popular de Uruguaiana sobe aos céus da ilha encantada. Ouve-se mais um tiro de canhão:
- Viva a Marinha do Brasil! grito, sem nenhum freio.

Tem gente que sacode a cabeça, achando estranho.
Mas há verões e verões. Este fica na história.