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12 de janeiro de 2004
UM OUTSIDER EM PLENA FORMA
Um dos mais queridos e importantes jornalistas da minha geração, Jary Cardoso, colocou preto no branco o filé da cultura brasileira desde os anos 60. Agora me escreve um depoimento sobre suas andanças profissionais. Vale a pena fazer uma visita ao nosso amigo, que trocou sua São paulo por Salvador, e lá enfrenta todas as barras do jornalismo, com a serenidade de quem aprendeu muito e tem muito a dizer.
NAQUELE TEMPO - "Quando comecei oficialmente na profissão, com carteira assinada, no início de 69 em Porto Alegre - Zero Hora, com Marcão, e Sucursal da Abril, com Totti -, trazia o espírito acadêmico da Maria Antonia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP - cursos iniciados e não concluídos de Filosofia Pura, Psicologia, Letras, Economia, militando num grupo de intelectuais revolucionários, também ligados à USP, a Polop, onde me tornei dirigente nacional e editava o Informe da Política Operária, me iniciando na prática no jornalismo - e, então, em Porto Alegre incorporei o espírito acadêmico ao jornalismo, sempre me interessando pelo lado teórico e vanguardista da prática jornalística, e me lembro qdo o Alberto Dines foi a Porto Alegre (na PUC?) fazer palestra sobre jornalismo impresso confrontado com a força visual da TV, eu tava lá na primeira fila ouvindo-o com muita atenção. E tem sido assim, naquela época ligado nas reformas implantadas anos antes pelo JB e depois pelo JT, e mais tarde militando na imprensa alternativa, construindo uma ideologia do jornalismo artístico e revolucionário. Até mantive por muitos anos o projeto de um livro sobre a imprensa alternativa, e cheguei a ouvir muita gente, entre outras, Maciel, Jaguar, até o Tarso foi em casa e escreveu na minha Olivetti portátil duas laudas sobre a verdadeira história da fundação do Pasquim, laudas guardadas como um tesouro querido. E aí eu tava sossegado aqui na Bahia, sossegado no sentido mental de qualidade de vida, mas trabalhando muito, pois aqui se precisa trabalhar muitas horas mais pra se ganhar muito menos do que aí em horas normais."
CHEGA O FURACÃO - "Mas eu tava sossegado, sem inquietações, tocando burocraticamente o meu ganha-pão qdo eis q de repente surge no pedaço um louco e visionário do jornalismo: Ricardo Noblat, q dirigiu a Redação de A Tarde por 10 meses e já se picou. Mas qdo ele chegou, mexeu fundo comigo, foi um terremoto na Redação e me senti renascendo para a causa jornalística. Noblat é realmente um líder forte, embora estúpido demais, mas prefiro mil vez toda a estupidez dele do q o marasmo dos burocratas. O período de Noblat deu seqüência e radicalizou o projeto já em andamento da Mediacción/Universidade de Navarra, cuja consultoria havia sido contratada pelo jornal, e o Noblat era um dos palestrantes do Curso Master de Jornalismo p/ Editores, q vários colegas do jornal cursaram em São Paulo e cada vez q voltavam do curso me davam entrevista para A Tardinha - house organ de A Tarde do qual sou editor. E os caras de Navarra davam palestra no jornal e eu como sempre tava lá na primeira fila, e o Noblat chegou sistematizando e radicalizando tudo isso, e chegou com um livro sobre a Arte do Jornalismo Diário, q devorei imediatamente. E de repente todos os cobras brigaram com os donos do jornal e Noblat e Navarra se picaram. E eu tô de volta ao rame-rame. Às vezes me dá vontade de rodar a baiana e sair brigando com todos q nem o Noblat pra fazermos um trabalho de qualidade em equipe, mas tudo depende da boa vontade dos patrões, ou seja, não dá pé. Na verdade não tenho tanta paixão assim pelo jornalismo do Sistemão, sinto no fundo q é tudo mentira. Me lembro das minhas incursões como repórter de Local no Estadão. Qdo voltava à Redação pra escrever a matéria, tinha a nítida sensação de q eu tava inventando uma história: aquilo q eu havia colhido como repórter podia ser visto e contado de mil ângulos diferentes, e eu acabava encaixando a forceps "fatos" escorregadios dentro do padrão de realidade implícito no Manual de Redação q eu tanto exercitara como copy-desk. É uma das maneiras de se descrever o mundo, como dizia o brujo Dom Juan. Então hoje continuo ligado em coisas como os sites Comunique-se e Observatório da Imprensa, mas continuo também um outsider: no fundo não tenho nada a ver com tudo isso."
CITAÇÃO - "Me identifico mesmo é com isto:
"O homem comum acredita em tudo o que lê nos jornais ou vê na TV como se fosse a expressão rigorosa da realidade objetiva. É óbvio, à mais superficial análise, que não é assim. A imagem que a mídia oferece da realidade é cada vez mais distorcida, não só porque serve a interesses específicos, mas, mais grave do que isso, porque também reflete e propaga o nosso excessivo grau de alienação coletiva". ("Sobre a Imprensa", in "As Quatro Estações", de Luiz Carlos Maciel)
RETORNO - Jary Cardoso foi aquele cara que encontrei na redação da Zero Hora em 1969. Pouco falava, mas quando me segredava coisas, era direto e de grande impacto. Foi ele quem me extraiu o primeiro lead forte da minha vida profissional. Batalhou, reagi bem e ele elogiou. Reencontrei-o mais tarde, na Ilustrada e no Folhetim, de Tarso. Foi quando ficamos amigos.
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