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11 de dezembro de 2018

LAZZARO FELICE E O ETERNO RETORNO


Nei Duclós

(Atenção: texto com spoiler)

Lazzaro morre,portanto permanece o mesmo: o bom rapaz do interior, prestativo e sem nenhuma maldade, que acaba sendo envolvido por uma sucessão de crimes e maus personagens. Na sua busca ao ressuscitar vai atrás de alguém que se diz seu meio irmão, sua outra identidade, que é o filho da marquesa exploradora de uma comunidade de aldeões e que produz tabaco clandestinamente e acaba sendo expulsa pela concorrência monopolista e pela indústria financeira, que a tira da terra junto com os moradores e em troca oferece apenas ruínas.

Lazzaro encontra seu meio irmão já velho e pede que ele retorne ao início, quando todos eram explorados mas tinham um vincula com a terra, enquanto no presente são apenas mendigos, despossuídos de tudo e que sobrevivem com pequenos golpes e biscates. O lobo que o encontra morto, que o vê ressuscitar e é também testemunha do seu assassinato numa agência bancária onde foi confundido com um assaltante, retorna à terra abandonada trafegando em meio aos carros e à poluição da grande cidade.

O filme não prega a volta à exploração, antes a denuncia. Mas coloca a diferença entre uma situação em que os aldeões estão vinculados à terra e tinham intactos seus hábitos e cultura e a situação escabrosa em em que são párias, golpistas eventuais e comedores de batatinha chips vencidas. No fim, o estado politicamente correto que condenou a marquesa por explorar trabalhadores e fazer comércio ilegal de tabaco apenas ajudou a eliminar a concorrência do monopólio e aumentou o patrimônio da indústria financeira, que nada faz pela terra, antes a abandona para especular em função de mais lucros.

O velho lobo que devorava cabritos e galinhas porque tinha sido expulso da matilha por não ter mais o pique da caça é a metáfora de um povo desenraizado que sobrevive por teimosia e sonha com o retorno a sua vida numa fazenda de nome inviolata. É a inocência perdida, da qual Lazzaro é a metáfora maior. O rapaz simples que permanece idêntico, lembrando a todos que é possível viver novamente a vida simples, mesmo em situações precárias. Trata-se de um confronto com o politicamente correto e a urgência de se retomar àvida verdadeira de um povo que veio da terra.

Não vi em nenhum lugar essa ligação entre o filme LAZZARO FELICE (2018) e o mito do eterno retorno que , segundo a Wikipédia, “é um conceito filosófico do tempo postulado, em primeira vez no ocidente, pelo estoicismo e que propunha uma repetição do mundo no qual se extinguia para voltar a criar-se. Sob esta concepção, o mundo era retornado a sua origem através da conflagração, onde tudo ardia em fogo. Uma vez queimado, ele se reconstruiria para que os mesmos atos ocorressem novamente. Mais tarde, Friedrich Nietzsche também define esse conceito em sua obra. Eterno retorno. Um dos aspectos do Eterno Retorno diz respeito aos ciclos repetitivos da vida: estamos sempre presos a um número limitado de fatos, fatos estes que se repetiram no passado, ocorrem no presente e se repetirão no futuro, como por exemplo, guerras, epidemias, etc. Com o Eterno Retorno Nietzsche questiona a ordem das coisas. Indica um mundo não feito de polos opostos e inconciliáveis, mas de faces complementares de uma mesma—múltipla, mas única—realidade.”

Não vi referências a esse conceito nas resenhas e entrevistas, mas acredito, como a brilhante roteirista e diretora do filme, Alice Rohrwacher (que escolheu o talentoso e jovem ator Adriano Tardiolo como protagonista) que “é sempre difícil falar sobre inspiração porque acredito que há inspiração muito mais involuntária do que inspiração voluntária. Quero dizer involuntário, no bom sentido, porque acho que o bom cinema deixa um efeito subconsciente duradouro nas pessoas. Há muitas referências inconscientes e não posso falar sobre inspiração sem reconhecer isso.”

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