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13 de dezembro de 2018

APOLO X DIONÍSIO NAS ESTAÇÕES DO PODER


Nei Duclos 

O Estado não pode romper com a própria lei sob pena de esfacelar-se. É o limite do seu poder, o de não contrariar a lei civil que é o compromisso da outorga de autoridade da nação ao seu soberano. Como Henrique Oitavo tinha sido coroado à luz da lei que o ungia soberano, uma lei da Igreja, que legitimou seu casamento com a cunhada, o poder espiritual fazia parte do poder civil. Ele não poderia divorciar-se da rainha Catarina, que não lhe dava filhos, para casar-se com Ana Bolena.

Mas Hobbes acaba sendo confrontado por Nietzche, pois o apolíneo sir Thomas Morus mantem-se fiel à lei que legitimou o trono – o que correspondia à obediência ao Vaticano – e o dionisíaco rei ruivo queria mesmo era garantir sua descendência e fazer filhos na esposa ilegítima para evitar uma guerra pela disputa do poder após sua morte. Ele era o Estado forte que arriscava sua existência contrariando a lei e seu adversário era um renitente advogado, um homem honesto e considerado em toda Europa, que se o apoiasse legitimaria a transgressão. Mas seu chanceler não se dobrava à separação com o Vaticano e a unção do rei como chefe da igreja inglesa. Nem com o divórcio, nem com o novo casamento.

Seu silêncio sobre essa questão o condena, diz o promotor para acusá-lo de alta traição. O silêncio é de quem se cala e quem cala consente, retrucou o grande advogado, arrancando gargalhadas da platéia, que o admirava. Mas sua sorte estava decidida. Pela janela da sua cela, ele via as estações se sucederem sem que houvesse solução para seu caso. Em qualquer tempo, sua posição er a mesma. E por isso foi decapitado a mando de um rei que matou todo mundo envolvido nesse trágico episódio anos depois. E que passou à história como um bufão, enquanto Sir Thomas é o grande autor da Utopia e o admirável chanceler que não se dobrou aos caprichos do rei.

O autor da trama, Robert Bolt, britânico, é gênio: fez o roteiro a partir da sua peça, que por sua vez se baseou num episódio radiofônico que ele mesmo tinha produzido para a BBC em 1954. O filme é de 1966 e teve nas mãos de Fred Zinemman , o austríaco ganhador de quatro Oscar, naturalizado americano,  a direção certa, e rigorosa. O design do filme é revelador. Os barcos que levam Sir Thomas são um modelo de ordem e equilíbrio e deslizam pelas águas com a serenidade do poder instituído. Já o rei quando se aproxima da mansão do chanceler, de barco, é representado pelas águas turvas do lago, em que as imagens se distorcem. Ao mesmo tempo, a sequeêcia da aparição de estátuas definem as muitas estações do poder neste The Man For All Seasons.

Bolt ganhou Oscar por este filme e por Doutor Jivago e foi indicado por Lawrence da Arabia, ambos de David Lean, em que conseguiu definir o conflito intimo do tenente inglês nas areia do deserto. Roteirizou ainda A Filha de Ryan, também de Lean, com Robert Mitchum e a esposa de Bolt, Sarah Miles.

Os atores são definitivos: Paul Scofield como austero e irônico Thomas Morus, Robert Shaw como o bobalhão dono do trono, John Hurt como o jovem traidor, Orson Welles como o terrível arcebispo, SuzanaYork como a dramática e encantador filha do chanceler etc.

Vi este filme muitas vezes ao longo da vida. Uma obra para todas as estações



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