Nei Duclos
O Estado não
pode romper com a própria lei sob pena de esfacelar-se. É o limite do seu
poder, o de não contrariar a lei civil que é o compromisso da outorga de
autoridade da nação ao seu soberano. Como Henrique Oitavo tinha sido coroado à
luz da lei que o ungia soberano, uma lei da Igreja, que legitimou seu casamento
com a cunhada, o poder espiritual fazia parte do poder civil. Ele não poderia
divorciar-se da rainha Catarina, que não lhe dava filhos, para casar-se com Ana
Bolena.
Mas Hobbes
acaba sendo confrontado por Nietzche, pois o apolíneo sir Thomas Morus
mantem-se fiel à lei que legitimou o trono – o que correspondia à obediência ao
Vaticano – e o dionisíaco rei ruivo queria mesmo era garantir sua descendência e
fazer filhos na esposa ilegítima para evitar uma guerra pela disputa do poder
após sua morte. Ele era o Estado forte que arriscava sua existência contrariando
a lei e seu adversário era um renitente advogado, um homem honesto e
considerado em toda Europa, que se o apoiasse legitimaria a transgressão. Mas seu
chanceler não se dobrava à separação com o Vaticano e a unção do rei como chefe
da igreja inglesa. Nem com o divórcio, nem com o novo casamento.
Seu silêncio
sobre essa questão o condena, diz o promotor para acusá-lo de alta traição. O
silêncio é de quem se cala e quem cala consente, retrucou o grande advogado,
arrancando gargalhadas da platéia, que o admirava. Mas sua sorte estava
decidida. Pela janela da sua cela, ele via as estações se sucederem sem que
houvesse solução para seu caso. Em qualquer tempo, sua posição er a mesma. E
por isso foi decapitado a mando de um rei que matou todo mundo envolvido nesse
trágico episódio anos depois. E que passou à história como um bufão, enquanto
Sir Thomas é o grande autor da Utopia e o admirável chanceler que não se dobrou
aos caprichos do rei.
O autor da
trama, Robert Bolt, britânico, é gênio: fez o roteiro a partir da sua peça, que
por sua vez se baseou num episódio radiofônico que ele mesmo tinha produzido
para a BBC em 1954. O filme é de 1966 e teve nas mãos de Fred Zinemman , o austríaco
ganhador de quatro Oscar, naturalizado americano, a direção certa, e rigorosa. O design do
filme é revelador. Os barcos que levam Sir Thomas são um modelo de ordem e
equilíbrio e deslizam pelas águas com a serenidade do poder instituído. Já o
rei quando se aproxima da mansão do chanceler, de barco, é representado pelas
águas turvas do lago, em que as imagens se distorcem. Ao mesmo tempo, a sequeêcia
da aparição de estátuas definem as muitas estações do poder neste The Man For
All Seasons.
Bolt ganhou
Oscar por este filme e por Doutor Jivago e foi indicado por Lawrence da Arabia,
ambos de David Lean, em que conseguiu definir o conflito intimo do tenente
inglês nas areia do deserto. Roteirizou ainda A Filha de Ryan, também de Lean,
com Robert Mitchum e a esposa de Bolt, Sarah Miles.
Os atores
são definitivos: Paul Scofield como austero e irônico Thomas Morus, Robert Shaw
como o bobalhão dono do trono, John Hurt como o jovem traidor, Orson Welles
como o terrível arcebispo, SuzanaYork como a dramática e encantador filha do
chanceler etc.
Vi este
filme muitas vezes ao longo da vida. Uma obra para todas as estações
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