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30 de agosto de 2018

SHERLOCK E OS BASTIDORES DO OLHAR


Nei Duclós

O criminoso fica nos bastidores do olhar. Não é notado, mas enxerga todo mundo e escolhe suas vítimas aproveitando-se dessa indiferença coletiva. Nas ruas, por exemplo, no meio da multidão, o motorista de taxi é muito solicitado, mas ninguém presta atenção nele; num casamento, todos são registrados nas lentes do fotógrafo, que fica atrás das câmaras sem ninguém saber quem é .

A invisibilidade do criminoso é a área de Sherlock Holmes, que para enxergar o que ninguém nota precisa usar seu palácio mental (baseado nas capacidades do gênio sérvio das grandes inovações, Tesla, de projetar tudo o que imagina na sua frente, como um filme), o microscópio onde detecta as mínimas pistas do que as pessoas fazem, a busca pela internet e os arquivos secretos do governo. O poder, representado pelo irmão do detetive, Mycroft, trabalha com a invisibilidade, concorre portanto com o criminoso. Por isso precisa de Sherlock, para descerrar o véu e dominar a situação.

A série Sherlock ( BBC, Netflix, ficha técnica no site IMDB) é fiel à minha máxima Todo filme é sobre cinema. Pois tudo é falso na Sétimas Arte: os roteiros, os diálogos, os personagens, os cenários. Menos o cinema, que é o único evento real, está exposto na nossa frente num acordo entre a obra e o espectador. Posto isso, há total e extrema liberdade para se fazer o que quiser com as histórias de Sir Conan Doyle, desenvolvendo a complexa relação entre o detetive e seu braço direito, Dr. Watson, seu arquiinimigo Moriarty, e alguns coadjuvantes como a sra. Hudson, dona do endereço famosos Baker Street 221B, Molly Hooper a especialista em cadáveres, a rede de mendigos que são seus aliados fiéis e impossíveis de rastrear e hackear, entre outros.

Há certeza da predominância do Mesmo na relação entre os homens. Todos apostam que Sherlock e Watson são um casal, velha releitura pelo menos desde os anos 1960, e muitas cenas parecem confirmar essa ligação homo. E há a identificação total entre o histérico Moriarty, que disputa, pelo crime, a posse de Sherlock contra o “casamento” deste com Watson. Faz parte da trama da invisibilidade: o que parece ser um segredo está na vista de todo mundo. Não é um crime, apenas faz parte do universo do detetive.Watson é o contraponto do olhar pesquisador do detetive. Watdson, médico de guerra, vislumbra o que aprendeu a ver. Ele não enxerga a trama qure está sendo investigada, reforça a invisibilidade do criminoso, mas serve de âncora para Sherlock na sua saga dispersiva e caótica, em que a dedução procura colocar uma ordem no caos.

A súbita notoriedade de Sherlock devido ao sucesso de suas investigações e as histórias escritas sobre ele e publicadas por Watson, contradiz a necessidade de ficar invisível para se misturar aos criminosos e assim poder decifrá-los, identificá-los e mandá-los para a Scotland Yard. Mas o extremo ego do detetive explicitamente psicopata não consegue segurar essa fama, que acaba o envolvendo e traindo. Ele enfrenta perseguição, prisão, exílio e morte (aparente, claro, pois tudo é falso no cinema).

Veloz, brilhante, contraditória. Uma série para ser seguida pela inteligência e a criatividade



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