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30 de outubro de 2017

SBH DECIFRA MANUEL BANDEIRA




Nei Duclós

Ao homenagear escolas poéticas abandonadas do passado, principalmente via soneto, sempre sustentei a necessidade de uma poesia onívora que não jogue fora de maneira superficial as conquistas do passado, assumindo um vanguardismo vazio e superado. Pois bem, há tempos isso foi decifrado com rigor e clareza por Sérgio Buarque de Holanda no seu ensaio de 15 páginas sobre Manuel Bandeira, do livro Cobra de Vidro (Perspectiva, 1978).

Ele chama a atenção para o abandono de todos os terrenos comuns e os critérios de validez objetivos e universais da poesia que, como qualquer outro jogo, tem suas regras traçadas que não podem ser transgredidas impunemente. Desprezar essa realidade pode jogar o poeta num solilóquio, o desesperado monólogo consigo mesmo, gerador de solidões e monstros. Foi o que aconteceu quando os poetas reagiram contra uma uma lei aceita automaticamente como um colegial que decorou a lição , o que resultou no culto à espontaneidade irresponsável e sem limites. Manter-se nessa postura negativa quando já não existe mais o que negar leva à facilidade e ao desleixo, que são substitutos pobres da rotina formal

Como resolver esse impasse? A solução é adotar uma opção livre e consciente em relação àquelas regras de modo que se transfigure o que era universal e anônimo numa criação pessoal interessante. Foi o que fez Manuel Bandeira, que manteve sua casa na ilha deserta limpa e bem arrumada, para usar uma imagem de W. H. Auden sobre o risco de se optar pelo verso livre, que seria idêntico à vida isolada de um Robinson Crusoé.

Para decifrar esse objeto selvagem – a poesia de Manuel Bandeira em relação às suas influências e aos seus pares – SBH faz uma operação cirúrgica. Começa contestando – logo quem! –Mario de Andrade (apesar de cumular de elogios o autor de Paulicéia Desvairada no seu estudo sobre o mesmo poeta), que via por exemplo no poema sobre Pasárgada uma cristalização superior do vamborismo nacional e popular, visível nas manifestações do folclore. Essa “extraordinária generalização” não agrada SBH, que prefere detectar no simbolismo francês e no romantismo alemão o toque de influência mais significativo, mas com forte carga de independência em relação a esses movimentos, que pouco interferiram na produção poética brasileira.

Existe a mesma independência em relação aos modernistas, que reconhecem em Bandeira o pioneirismo do verso livre, já que Cinza das Horas é de 1917, cinco anos antes da Semana de 22. O que invoca SBH nessa sua abordagem é a singularidade de Bandeira em relação ao todos, fluindo de maneira trabalhada seu lirismo transgressor, em que jamais se entrega às formulas acabadas, antes as usa de maneira pessoal criando impactos no leitor para tirar de sua arte qualquer resquício de malemolência ou facilidade. A unidade superior da obra pautada pela inteligência da sensibilidade define o perfil do grande poeta, que se autodefinia menor “no bom e verdadeiro sentido da expressão contra as limitações impostas por tal circunstância”.

É um gênio decifrando o outro, Vale a leitura, que tem muito mais.



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