O país dividido inunda Chico Buarque de equívocos. Autor da
letra da canção Tua Cantiga, sobre melodia do pianista Cristóvão Bastos, do seu
novo álbum, ele foi atacado por todos os lados. Pelas hostes adversárias, que
não perdoam suas posições políticas e por isso querem demolir qualquer coisa
que faça, confrontando uma obra que há 50 anos conquista a nação (e não me
falem em plágio; ninguém tem tantos colaboradores geniais por tanto tempo). E
também pelas aliadas, que se decepcionaram com o verso “deixo mulher e filhos”
incluído na letra.
É uma batalha perdida tentar convencer as pessoas que todo
poema tem um personagem oculto, que é o narrador do poema, que é diverso do
autor. Podem ter coisas em comum, mas não obrigatoriamente. No caso, o narrador
da letra é um pai de família que se declara à amante de maneira dramática, no
clima (só no clima) do samba canção. embalado por uma melodia de trova popular,
ancestral, que resgata sons antigos criados pelo povo e seus grandes talentos.
Chico pertence a esse trabalho desenvolvido por alguns grandes talentos como
ele. Ou será que você vai deixar de gostar do que sempre gostou só porque ele é
a favor do que você execra politicamente?
É o narrador do poema, o personagem ferido de amor que se
desespera diante da amada que teme perder e diz coisas delirantes como romper
com a família. Li por parte de algumas comentaristas de Tua Cantiga que
“brocharam” com essa atitude incorreta do Chico. Ou seja, esperam que o autor
seja seu personagem, como se ele fosse o emérito amante real de tantas canções
inesquecíveis sobre relacionamento. Chico é também autor teatral, ele faz
dramaturgia com a poesia em forma de canção. Portanto, não precisa se
decepcionar com um script de escracho amoroso, que tanto rendeu para a música
brasileira.
Eu gostei de Tua Cantiga. uma parceria perfeita de Cristóvão
Bastos e Chico Buarque, um artista que tem a capacidade de síntese cultural
rara no país hoje em desconstrução. Ele faz parte do Brasil soberano, de uma
linhagem que tem sólida base na música popular, no som dos grotões, dos bairros
de classes diversas, mais a radiofusão musical comandada por grandes maestros
no passado, além de ser um cidadão letrado, filho do maior erudito do país,
Sérgio Buarque de Holanda, autor da nossa obra máxima, Visão do Paraíso. Causa
espanto nas hostes adversárias tão sólida formação ser a favor de um lado
político envolvido em tantos equívocos. Mas não fôssemos todos nós, brasileiros,
idiotas políticos, não estaríamos nesta sinuca de bico. Portanto, ouça sem
romper com o aliado ou avançar contra o inimigo.
RETORNO - Corrigi a omissão anterior do nome do autor da melodia
Cristóvão Bastos. Esta versão é a que vale.
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