Nei Duclós
A poesia hoje é um esporte de massa. E como toda a modalidade,
tem os craques, como Ricardo Silvestrin, que no seu novo livro Typographo
(Patuá, 146 pgs) mostra como se faz: “O tipógrafo não constrói ruptura/ Faz
sutis revoluções/ numa mesma estrutura.” Um ponto positivo da nossa época é que
foi abandonada (ou perdeu o carisma) essa ilusão de que a vanguarda é
desconstruir tudo até a última gota, redundando no nada. Sabe-se hoje como
nunca que, como mostra o poeta,não é pecado obedecer ao conhecido e que se pode
descobrir a originalidade na composição infinita dos fundamentos. É o que se
faz na música com as notas musicais e na linguagem com as letras, para ficar no
óbvio.
Mas o explícito nem sempre é notado. Então Silvestrin
didaticamente nos coloca poemas como o inaugural Coro, em que nosso ouvido é
brindado com as consonâncias que coabitam como criaturas gêmeas, as palavras
que mudando alguma sílaba de lugar mudam completamente de sentido. Assim
funcionam as tabelinhas entre riso/improviso/granizo/isso ou choro/coro/
ouro/louro/ tesouro/coroa. No contraponto dessa convivência amigável, os
tambores de máscara/vale/nada , os metais de comenta/dente ou a tuba de chuva.
Essa é a banda que compõe o poema e nada há além dela, a não ser o encanto
provocado pelo leitor que dessa forma é introduzido na obra, que civiliza sua
percepção para a sofisticação sonora.
O livro e uma sucessão de insights que demonstram a
ourivesaria do autor, como “o rosto se molha na imagem, semear novos frutos de
ar no solo do esquecimento, ser lua velha, madura, fruta no céu é preciso colher
antes que apodreça, um eu com os pés no chão flutua” e assim por diante.
Silvestrin não assume o centro do palco no espetáculo do seu ofício, antes
parece um espectador das palavras que encontra pelo caminho. Parece oblíqua
essa postura de contra-regra, mas faz parte dos talentos da técnica, aqui
desdobrada com pudor para que não lembre secura. É um engenheiro que não exerce
a profissão de maneira tradicional, mas que se transforma em um autor de sólida
formação, que decide exibir seus planos a esmo, como se não houvesse amanhã.
Isso cria uma empatia, uma proximidade com a leitura que em
momento algum lança duvidas sobre sua seriedade, sempre tratada como penetra,
mas acariciada como uma joia. Quando chega o capítulo da musa que fala grego,
parte final do livro, vemos como Silvestrin não se segura e expõe seu toque
firme no cânone da poesia, vinda dos gregos e que a ela retorna como um encaixe
perfeito entre o mundo contemporâneo e a eternidade.Aprendemos assim a lidar
com o mundo grego sem cair na erudição vazia e sim no tráfego intenso da poesia
hoje.
O estímulo para o poema nesta nossa época vem de todo lado,
principalmente da multiplicação dos espaços disponíveis para expor essa arte e
suas inúmeras abordagens. O amplo espectro, tanto da diversidade do exercício
poético, quanto de suas análises, esbarra sempre na necessidade de criar ou
descobrir um vetor de revelações. Nisso Silvestrin joga como ninguém. Poderia
ser um centro-avante mas prefere o meio de campo, servindo de interlocutor
entre muitas formas de criar soluções.
E que é capaz de surpreender com aquele chute de bola parada
com barreira, a folha seca do mestre Didi, que sobe até a impostura e quando
cai engana o adversário que acha que entendeu a jogada. Mas a bola em pleno voo
cai então decidida em espiral no canto fazendo gol. É o poema, rindo de cara
lavada, mas marcando um ponto decisivo para a literatura.
O livro do Silver é muito bom, e teu comentário é de craque.
ResponderExcluirObrigado poeta!
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