Nei Duclós
Hitchcock era um fã absoluto de Edward Hopper. Toda sua obra
está colada no mestre da solidão. Edward
Hopper fazia cinema e Alfred Hitchcock pintava quadros. O foco principal da
obra dos dois gênios é a solidão. Este site mostra a total identificação entre eles, a sobreposição das imagens aparentemente
diversas fica clara e inegável. Hitch filmou Hopper o tempo todo.
Minha descoberta foi tardia, depois de ver pela décima vez O
Homem Que Sabia Demais. Fiquei invocado com a sequência memorável da aproximação
de James Stewart na capela onde está seu filho sequestrado. As ruas vazias, as
casas rígidas em suas cores dominadas por uma sinistra neutralidade, o terno e o
chapéu do protagonista dentro de um cenário de abandono e dúvidas. Selecionei
duas fotos, uma do filme e outra de um quadro de Hopper para ilustrar essa
percepção.
Os filmes de Hitch são uma sequência de outsiders: o médico
cínico que receita antidepressivos para a mulher ingênua e está de férias no
Marrocos e acaba sendo vítima de uma trama internacional; o fotógrafo expulso
do seu ofício devido a um acidente profissional e que fica imobilizado
observando a vizinhança, onde se desenvolve um crime; o solitário que se afasta
de tudo e todos e enfrenta a fúria dos ex-inocentes pássaros; o delinquente
isolado que se fantasia com as roupas da
mãe para cometer assassinatos; a mulher de dupla face que leva o admirador que
sofre de vertigem para o alto do campanário; a ladra com problemas psicológicos.
Os personagens principais de Hitch sofrem da mesma síndrome de Hopper, são
observadores de cenários vazios e acabam se envolvendo no deserto que parecia
estar fora deles. São, antes a expressão acabada do lugar onde vivem, onde
estão gravadas as formas impressionantes de uma arte sem concessões.
As paisagens ocas e inóspitas, o casarão no alto do morro, a
igreja no subúrbio, a capela com o pastor sinistro são como as paisagens de
Hopper, que nos fisga pela força da criação e a dureza do olhar rigorosamente
clássico numa cena que é a véspera do horror. É tudo tão rígido e genial que
Hitch resolve brincar com sua maestria. Tenta até fazer comédia pastelão quando
filma a cena do taxidermista, uma pista falsa que acaba em sururu digno dos
irmãos Marx. Suas breves aparições, marca registrada do autor, são também
momentos lúdicos que abrem brechas no clima opressivo das narrativas.
Ele podia se dar a esse luxo, proibido para Hopper, que
conta apenas com um frame para mostrar tudo o que imagina e vê. Mas sua obra é
tão intensa que a aparente imobilidade de cenários e personagens acaba virando
cinema puro e simples, Bem antes de Hitchcock filmar. O mestre do suspense teve
apenas o trabalho de acrescentar os quadros para que houvesse movimento. Mas em
ambos os casos, é a mesma fonte, que transcende o tempo e nos desafia a novas
leituras toda vez que olhamos para a criação magistral do inglês que torturava
loiras e o americano que colocava seu país no deserto do real.
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