Nei Duclós
Sei agora de onde tiraram o clássico final de filme
romântico em que é noite de Ano Novo e todos cantam aquela mesma música e um
dos dois se flagra da burrice e sai correndo atrás do amor que deixou escapar.
É o final de The Apartment (1960), encantador drama do gênio Billy Wilder com
os perfeitos Jack Lemmon e Shirley McLane, o mais adorável casal que a barra
urbana poderia inventar. O funcionário pilantra de uma companhia de seguros e a
ascensorista apaixonada pelo big boss, que se redimem por meio do sentimento
mútuo.
O filme (no Netflix) tem tudo para ser pesado: assédio
sexual, arrivismo corporativo, chantagem, suicídio, oportunismo, crueldade,
indiferença, reunidos numa obra considerada comédia musical. Não é. É apenas
uma obra prima. Ganhou 5 Oscar, com 8 indicações (Jack e Shirley foram
indicados mas não levaram).
O bom é que tem várias cenas de casal e não aparece ninguém
fungando, se esfregando e tirando a roupa, com a câmara mostrando
explicitamente as partes em procedimentos repetitivos com tudo o que já
sabemos. O cinema não ficava apelando para o óbvio e criava algo que falasse ao
coração e ao sonho e não ao baixo ventre. O Código Hays durou de 1930 a 1967, a
época de ouro de Hollywood. Só coincidência, claro.
Quando, na última cena, Shirley tira o grosso casaco do
inverno novaiorquino e mostra os ombros e o belo sorriso para o patetão
apaixonado, vemos o quanto um filme pode ser profundamente sexy sem apelar para
a baixaria. E, pelos assuntos que aborda, o quanto pode ser sério e moderno sem
dizer palavrão ou dar tiros. Tem só dois socos e uns tabefes. E é uma história
amarga, salva pelo amor verdadeiro.
Em 1962, dois anos depois deste filme, Orson Welles usou o
mesmo impacto visual da gigantesca sala lotada de batedores de máquinas de escrever.
em O Processo. Bebeu na fonte do gênio.
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