Continuando a seleta de textos fundamentais de filosofia
apresentados e comentados por Miguel Lobato Duclós, filósofo formado e autor
que marcou seu tempo na curta vida em que passou na terra (1978-2015), visitamos
agora seu texto sobre Spinoza. Deus é assunto recorrente e desafia, infinito,
nossa escassa compreensão de tudo.
Navegamos com Miguel, meu filho lembrado cada minuto da nossa vida.
"SPINOZA – BIOGRAFIA E PENSAMENTOS"
Autor:Miguel Duclós
Baruch Spinoza ou Espinosa, ou Espinoza (1632-1677) nasceu
em Amsterdã, Holanda. John Locke nasceu no mesmo ano. Spinoza era de uma
família tradicional judia, de origem portuguesa. Sua família emigrou porque os
judeus estavam sendo perseguidos. Seu pai era um comerciante bem sucedido e
abastado. Spinoza gostava de estudar e ficava na sinagoga. Era um dos melhores
alunos. Aprendeu a Bíblia Sagrada e o Talmund. Então foi para uma escola
particular, onde conheceu o latim. Pôde então ter um estudo mais abrangente.
Leu sobre a identificação de Deus com o universo, sobre a associação da matéria
com o corpo de Deus. Se interessou muito pela filosofia moderna, como Bacon,
Hobbes e Descartes. Então foi acusado de heresia, por se mostrar irredutível em
suas opiniões.
Spinoza fez uma análise histórica da Biblía, colocando-a
como fruto de seu tempo. Critica os dogmas rígidos e rituais sem sentido nem
poder, bem como o luxo e a ostentação da Igreja. Por suas opiniões, um homem
tentou matá-lo com um punhal. Escapou graças à sua agilidade. Ofereceram uma
pensão para ele manter fidelidade à sinagoga e Spinoza recusou. Foi então
excomungado, em 1656. Amaldiçoaram-no em ritual. Depois disso, viajou pela
Holanda. Os judeus não falavam com Spinoza, mas os cristãos sim. Apesar disso,
não se converteu ao cristianismo. Seus familiares quiseram deserdá-lo. Lutou
pela herança do pai e ganhou a causa. Mas recusou a recebê-la, só queria fazer
valer seus direitos.
Spinoza era meio frágil, pois seus pais eram tuberculosos.
Viveu uma vida modesta, frugal e sem grandes luxos. Se sustentava com algumas
doações e com o dinheiro de polidor e cortador de lentes ópticas. Mantinha uma
relação com amigos e admiradores, e discutia suas idéias. Se correspondeu
bastante. Era de altura mediana, pele escura, cabelos escuros e encaracolados e
feições agradáveis. Segundo Colerus, se vestia descuidadosamente. Suas
principais obras são: Tratado político, inacabado; Tratado da correção do
intelecto; Princípios da Filosofia Cartesiana; Pensamentos Metafísicos;que veio
de curso particular que deu sobre Descartes, e sua obra prima: Ética
Demonstrada pelo método geométrico. Algumas obras suas foram incluídas no Index
de livros proibidos. Foi preso sob acusação religiosa e morreu na prisão, aos
quarenta e quatro anos.
A vida de Spinoza foi marcada pela sua concepção de Deus. No
Tratado teológico político defende uma interpretação da Bíblia diferente da
visão dogmática de judeus e cristãos. Diz que a Bíblia está no sentido
figurado. Spinoza atacou a falsa noção que se tem de Deus e da espiritualidade.
Mair tarde, identificou isso como um erro da mente diz como escapar no Tratado
da correção do intelecto. Ainda no Tratado teológico político, diz que as
massas tendem a associar Deus com fenômenos extraordinários, que não ocorrem
comumente na natureza. O ponto principal do pensamento de Spinoza é a comunhão
entre Deus e a natureza. Spinoza critica a religião porque ela está alimentada
pelo medo e a supertição. Devemos fazer uma interpretação racional da Bíblia. A
diferença entre filosofia e religião é que a primeira busca a verdade e a
sugunda precisa da obediência para ser realizada. Spinoza saiu da sociedade.
Desde que foi excomungado, viveu à parte. Isso implica buscar vivências
incomuns às galerias. Spinoza buscou a espiritualidade racionalista, é profunda
sua cultura e é clara sua visão de assuntos que estão fora da subjetividade, e
envolvem um conhecimento complexo, conhecimento este que nos dias de hoje são
marcado pela banalização cultural e a ideologia deturpada pelas derrotas
sucessivas. Desse modo , Spinoza, numa época ainda pura nos conceitos, fala de
Deus, da alma e da mente. A religião e o Estado devem estar subjugados à eles.
Spinoza não acreditava na divindade de Cristo, mas o colocava como o primeiro
entre os homens. Spinoza, na mesma época que Locke, defendeu o liberalismo
político. Para ele, direitos naturais são as regras do ser. Somos forçados a
obedecer as leis naturais, que são divinas e eternas. A ajuda mútua é
necessária e útil. Sem ela, os homens não poder viver confortavelmente nem
cultivar seus espíritos. O objetivo do Estado não deve ser tirânico (como em
Hobbes) mas libertário. O direito natural em Spinoza é compatível com a
democracia: é nas grandes massas que a natureza humana melhor se manifesta
Nos seus Pensamentos Metafísicos Spinoza trata dos entes e
afecções de um ponto de vista metafísico. Ente é tudo o que existe. As quimeras
e o Entes que a razão produz através da representação não são entes. As
representações estão dividas em categorias como gênero, espécie, etc. Essa
classificação do real ajuda a memória a reter as representações. Descartes
influenciou Spinoza, que desenvolveu alguns assuntos do filósofo francês.
Spinoza comenta as noções cartesianas de Deus e suas substâncias: o pensamento
e a extensão, que existem separados. Spinoza era monista. Pensamento é uma
extensão da substância primoridal, Deus. A diferença é que Descartes explora o
lado gnosiológico, da fundamentação e origem do conhecimento. Spinoza vai para
o lado ético, em busca da verdade e do sentido da vida. O racionalismo de
Descartes parte em direção à metafísica, o de Spinoza, que defendia Deus como
única substância, parte para a imanência. Spinoza vai ao microscópico,
Descartes vai ao macroscópico.
Spinoza diz que percebemos o tempo e o espaço (como mais
tarde definiu Kant) usando a medida para essas duas extensões. A medida é usada
para explicarmos as coisas. Ele explica que a realidade é uma coisa muito mais
vasta do que as categorias humanas de entendimento podem conhecer. Isso porque
existe a essência. O povo que percebemos confunde o real com a razão, e o
filósofo, numa postura investigativa, não pode se deixar enganar. O ente da
razão não existe fora da mente.
Deus é o único ser em que a essência coincide com a
existência. Isso não acontece com os outros seres. É a causa última de tudo, e
as coisas estão em Deus. Essa é uma noção panteísta. E Deus é perfeito. Conhece
a si e a tudo objetivamente. As coisas só tem essências na medida em são atributos
de Deus. Spinoza desenvolverá isto no Ética. A parte divina do ser é a
essência. A essência, a potência, a existência e a idéia só se diferenciam mas
coisas criadas. A existência e a essência, nas criaturas humanas,diferem uma da
outra por causa da razão. Spinoza chama de afecções aquilo que Descartes chama
de atributos. Os entes são afecções de Deus. Dependem dele. Spinoza queria que
víssemos as coisas sob o ponto de vista da eternidade. Devemos considerar o
mundo objetivo em si, fora das noções subjetivas. Eternidade é o atributo sob o
qual concebemos a existência de Deus, como diz nos Pensametos metafísicos.
Eternidade é a junção de essência e existência. O tempo pertence à razão, é um
mode de pensar a pluraridade também, pois tudo é Deus, e ele é Uno.
Como Descartes, Spinoza fala que temos a noção clara do que
é verdade, pois ela é certa e suprime toda a dúvida. Spinoza fala que o bem e o
mal são pareceres, que só existem nas relações. Mas reconhece como bom e na
Ética, diz que certas coisas nos são agradáveis, e nos esforçamos para que elas
sejam frequentes. Mas uma coisa tomada em si não nem boa nem má.
Deus é imutável, porque não pode mudar e ser outro Deus. Na
natureza tudo são substâncias e seus modos. Deus é simples, a grande
substância. Spinoza refuta as distinções do Aristotelismo sobre Deus.
A vida pode ser de dois modos: com uma alma unida ao corpo,
e apenas corporal. Tudo está vivo, porque tudo está em Deus e ele é vivo.
Spinoza era contra a visão antropocêntrica da divindade. Deus conhece as coisas
que criou. Dessa forma conhece os pecados. Mas os pecados só existem na mente
humana. Assim , Deus não ama nem odeia os homens. Mas tem seus decretos. É por
decreto que ele incita e encoraja os homens.
A onipotência de Deus é dividida em absoluta e ordenada,
ordinária e extraordinária. A ordinária é aquela que dá ordem e conserva o
mundo. A extraordinária vai contra essa ordem,como no caso dos milagres. Além
de ter criado o mundo, Deus o conserva a cada instante.
Apesar de admitir que a potência de Deus também pode
destruir, Spinoza afirma que a alma humana é imortal. Pois uma coisa incorpórea
não pode destruir-se, nem pode ser destruida por uma coisa criada.
Deus tem muitas leis que estão acima do intelecto humano, e
quando esse as vê, parecem milagres. Deus está acima da natureza percebida pela
razão. A vontade humana é o seu intelecto.
As riquezas, quando buscadas, absorvem todo o ser do homem,
diz Spinoza no Tratatado da Correção do Intelecto. O homem gosta de paixão e
dos prazeres, mas a eles sobrevém a tristeza. Os prazeres riquezas e honras
devem ser um meio, não um fim. Devem existir apenas no necessário para manter
aboa saúde.
Spinoza achou quatro tipos de percepção:
A primeira é arbitrária; a segunda vem da experiência; na
terceira a essência de uma coisa é tomada pela de outra. Por exemplo quando se
acha que o universal sempre é acompanhado de uma propriedade. Não é adequada. A
última percepção é a da essência.
Para o melhor modo de perceber, temos de ver quais os meios
para conseguirmos nosso fim .
1º temos de conhecer a natureza das coisa e a nossa, para
aperfeiçoá-la.
2º temos de deduzir as diferenças e as concordâncias das
coisas.
3ºtemos de ver o que essas coisas poder sofrer.
4º temos de associar isso com a natureza e a potência das
coisas.
Assim Spinoza, com um estilo que lembra o de Bacon, descreve
seu método para melhor percebemos. E chega a conclusão que a melhor percepção é
a da essência.
Para começar a se corrigir o intelecto precisamos “continuar
conforme a norma de alguma idéia existente e verdadeira e investigar segundo
suas leis certas.” Devemos saber distinguir a idéia verdadeira dentre as idéias
falsas. Durante seus escritos, Spinoza imagina objeções à sua argumentação (que
seriam feitas pelos leitores) e responde à elas. Enfrenta o adversário no campo
do adversário. Assim é com filósofos e outros teólogos. Também fala contra os
ignorantes, que ele chama de vulgo, ou os não-iniciados. O vulgo não consegue
entender a filosofia porque não sabe o que lhe sucede, está sujeito às marés
das paixões, e por isso cheio de preconceitos.
Spinoza diz que temos mente, em maior parte, idéias
verdadeira (apesar de existirem os entes da Razão, que são falsos) Pois não
podemos supor uma idéia falsa como verdadeira. Não devemos considerar como o
verdadeiras coisas da imaginação, que estão no intelecto. Spinoza rse contrasta
a Descartes, dizendo que devemos considerar como verdadeiras as coisas da natureza,
pois não existe nenhum Deus enganador.
Spinoza fala da memória, mostrando que separamos as coisas
por categorias e que se imaginamos um item dessa categoria em separado,
visualisamos bem os detalhes, mas ao misturarmos o que estamos lembrando com
outras memórias da mesma categoria, o pensamento se torna confuso. A memória é
a “sensação das impressões do cérebro junto com o pensamento de uma determinada
duração da sensação”.
O Livro Ética demonstrada pelo método geométrico tem uma
estrutura clássica, baseado no modelo do matemático Euclides. Dessa forma ,
temos definição , axioma, preposição demonstração, escólio e corolário. Com
esse método, Spinoza queria refutar outros. Esse método por muitos é
considerado chato e difícil. Como diz Will Durant, não é para ser lido, mas
estudado.
Uma coisa é finita quando podemos limitá-la por outra
semelhante. A substância é independente, em si. Há três termos básicos no
livro: substância, modo e atributo. O atributo é o que o intelecto percebe da
substância. Como vimos, o intelecto precisa ser corrigido para não ser
limitante. Deus é absolutamente infinito. Deus é uma substância que não remete
a ninguém, exceto à ela mesma é que possui inumerós atributos. Cada atributo
tem infinitos modos.
A liberdade é um estado de ser, quando se existe por si, e
necessário quando determinado por outras coisas. A eternidade transcende o
tempo, é verdade eterna sem começo nem fim. Essa noção recorre a Platão. Toda
causa tem um efeito. Deus é causa primordial que tem inúmeros efeitos. A
diversidade de substância é infinita, cada uma é única.
Deus é imanente ao mundo. Para Descartes é transcedente.
Existe necessariamente, pois existir é ter potência. E se há potência há alguém
para irradiá-la. Na consciência fora de Deus, como Spinoza já expôs nos
Pensamentos Metafísicos a existência não envolve a essência. Deus tem intelecto
no ato, não em potência. Muitos consideram que Spinoza diz que Deus não tem
intelecto, mas Spinoza coloca que o intelecto de Deus são suas ações.
Os homens agem ser conhecer as causas de seus atos. As
coisas são atributos e afecções de Deus. O corpo exprime determinadamente parte
da essência de Deus, na extensão. A alma é uma coisa pensante (nesse ponto
concorda com Descartes, mas ao colocar a alma como substância não). A duração é
a continuãção da existência. Deus pensa, é extenso, tem idéia da sua esência e
do que se segue à ela. As coisas estão compreendidas na essência da idéia
infinita de Deus. Ele é a causa de tudo, substância incriada, onipotente e
onisciente.
As coisas ficam marcadas na alma, além do intelecto. A
memória é uma rede de representações associativas dos objetos. Deus conhece a
alma.E a alma conhece à Deus. O pensamento é um atributo divino. A alma não
conhece a si mesma, e conhece sem adequação o corpo. A alma não tem vontade nem
é livre.Todas as idéias que se referem à Deus são verdadeiras. A mente humana é
disposta de tal forma que pode funcionar ordenadamente. Com um certo número de
imagens, expressando esse número, há “embaralhamento”. Quem tem uma idéia
verdadeira, o sabe sem dúvida. Spinoza, desenvolvendo seu lado racionalista diz
que a razão percebe a coisa em si e a eternidade, que são comuns à todas as
coisas. A mente humana é uma parte do intelecto infinito de Deus. Conhecer Deus
eterno e infinito nos ensina a nos conduzirmos perante o dinheiro, coisas fora
de nós, suportar a vida, não desprezar, não expôr ninguém ao ridículo, não
odiar. A moral de Spinoza parte de sua metafísica.
O corpo humano pode ser afetado de diversas maneiras, e sua
potência aumentada e diminuída. A alma pode ser passiva ou ativa. As idéias
adequadas existem em Deus, são ativas. O corpo humano é mais engenhoso que as
máquinas.
Os homens falam demais. A ética de Spinoza tem uma frase: “o
esforço para compreender é a primeira e única base da virtude.” Existem
contrários, que não coexistem num mesmo sujeito. Como as emoções são marcadas
na alma, Spinoza dá importância para coisas que parecem óbvias, mas são um elo
de um intrínseco pensamento. As emoções conscientes, como gostar de alguma
coisa, tem de ser seguidas por querer que essa coisa se repita. O primeiro
contato com uma coisa importante, pois sempre associaremos ele. As coisas se
esforçam para se perseverar no seu ser. As coisas singulares são manifestações
da potência de Deus. A alma é causa do corpo, que é proporcional à ela. Quero
dizer, estão unidos e mantém relação.
Para Spinoza, a paixão e perfeição relacionadas com tristeza
e alegria constituem a idéia que envolve a essência. A alma repugna imaginar
coisas que diminuem sua potência. O amor e alegria remetem à idéia de uma coisa
exterior. Assim também é com o ódio e a tristeza. O amor gera amor e o ódio,
ódio. O bem é aquilo que é útil, e o mal inútil. O amor faz parte do amor
infinito pelo qual Deus ama a si mesmo. Spinoza, como Nietzsche, não aprovava a
humildade. Dizia que ela provinha da contemplação da própria fraqueza.
Spinoza influenciou muito a filosofia posterior. Hume
cita-o. Não gozou de muita reputação , mas sim desprezo, até que Lessing
afirmou não existir outra filosofia senão a de Spinoza. Junto com Fichte e
Kant, foi fundamental para Hegel e Schelliing. Nietzsche admirava-o, apesar de
discordar. O spinozismo foi inicialmente rejeitado, mas depois, no século XIX
foi reabilitado. Influenciou Marx e Freud, que tinham uma visão naturalista do
mundo.
Miguel Lobato Duclós. Leia também no link
http://www.consciencia.org/spinoza.shtml
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