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31 de março de 2014

CONVÍVIO



Nei Duclós

Não faço parte da foto de convívios. Vivo no ermo, onde impera a Lua.

Esperei você acordar para me convencer que há vida no planeta.

Não queres nada comigo. É recíproco. Eu também não quero nada comigo.

Apagaste quando a noite desistiu da lua. Te guardaste para um outro dia.

Mostras a língua tentando escapar da ideia de que és apenas bela. Fechas os olhos para quem não enxerga

Tuas fotos não compõem uma persona. És múltipla conforme incide a luz e a sombra

Ler é melhor domingo

Alguém bate na porta. Levo um susto e vou ver. É o vento. Sente frio de si mesmo.

Toda vez que te leio, me desfolho.

Quando quiseres, estarei ausente. Prove do seu remédio.

Não te cumprimento com medo do adeus que trazes engatilhado. Por isso te aceno depois que passas, para imaginar o encontro que nunca acontece.

Prefiro não dizer. Assim fantasiamos no silêncio o que a palavra pode desmanchar.

Me proibiste de te querer. Então confidencio para os pássaros o que fica oculto. Eles entendem.

Passamos o tempo. Nossas identidades viram memórias. Somos a soma de momentos, mas já sem densidade. Fica só a vontade, a capacidade trêmula.

Amizade é teu escudo. Mal sabes que é transparente.

Foste embora mas mentes que ainda estás aqui.

Passei perto e puxei teu vestido. E saí disparando, moleque cheio de manha.

Abaixe a arma. Foi uma piada

O país não é laico, é louco.

Sinta piedade. Saudade mata.

Compus uma sinfonia em tua homenagem, mas ninguém sabe disso. Vista-se de gala, que te mostro a partitura. Ela está escrita na memória dos nossos dias.

Pensei que era um novo encontro, era uma despedida. Adeus, ela disse. E foi-se para o coração do deserto.

Já fiz o serviço, reaprendeste a andar. Agora me dispensas, distraída.

Sou partido demais para me contentar com tua plenitude. Só tenho porções, que buscam abrigo.

Gostas de outros lances, para eu ficar sozinho. Prestas atenção no que não me diz respeito. Assim és livre, coração de vidro.

Tanto verso para perder-te. Volto à lavoura, de onde não deveria ter sumido. Evitarei as flores para que não te atraiam. Focarei nas urzes, cactos e espinhos. Talvez disso brote algum alento.

Desculpe se me passei. Foi por querer.

Tua falsa dúvida é um poço que me esvazia. Peça um beijo, mas não finja

Te quero mas não digo. Te digo quando quero.

Esqueça o que te digo. Fique apenas com o que sinto.

Calor no outono, os rostos mudam para o fogo.

Agora que toquei de leve tua mão imagino tudo o que já fanttasiei contigo. Fiquei mais perto da tua pele, da voz que me arrepia.

Te beijo escondido. Sentes o toque na boca, mas confundes com um suspiro. É o vento que desloco em teu peito de louça.

Quando a beleza acena, o mundo se derrama. Seja qual for teu rosto, ele se espalha pela manhã me procurando.


Quando fica tarde demais, amanhece. A flor vem depois do temporal.

Somos o que você imagina. Esse teatro em peça íntima.

O sal das tuas águas vira mel de colméia brava conforme vou avançando em camadas por tuas inúmeras janelas.


27 de março de 2014

DAQUI NÃO VEJO MAR



Nei Duclós

Daqui não vejo o mar, mas poderia
se janelas abrissem para o infinito
como o coração em reduto íntimo
e um pé de flores a pender do teto

Cheguei perto do amor, véu invisível
tateei no escuro, não estava pronto
sumiste como seda a deslizar no açude
enquanto vi meu rosto na água impura

Te trouxe pela mão, cego de espírito
a iluminar-me com a presença do gemido
que emites de uma gruta, sólido brilho

Aguardo o sol chegar ao máximo do dia
para ver-te, criatura do sonhar marítimo
daqui posso sentir e isso é toda a vida




25 de março de 2014

O COSMO NO COMEÇO



Nei Duclós

Os dentes na tocaia, as nuvens de tormenta
redes que são árvores, as conchas no levante
animais que morrem cedo, a roça das estrelas
o céu fazendo festa, as folhagens secas

O clima sem conforto, as montanhas de gelo
o rosto que se guarda, a alma morta em pelo
as trilhas que se arrumam, a voz de eco surdo
penhascos e açucenas, semente posta em fendas

O tempo em seu enigma, planetas que não giram
histórias sob as pedras, arrulhos de silêncio
choro de rebentos, o sonho em ritmo lento
sonoras coincidências, desperdício de poemas

Universo que se basta, Deus deitou-se cedo
paz de liberdade, pensar conforme enxergo
livrar-se do sossego, hábitos em varandas
espadas que se batem em guerras de fronteira

Soberba indiferença, o cosmo no começo
dormir sem ter igreja, comer fora do teto
saber-se sem roteiro, morrer é para sempre
a vida um só instante, herói não tem remorso

RETORNO - Imagem desta edição: obra de Briton Rivière.

OUTRA SOLIDÃO







Nei Duclós

Tentei, mas foi em vão. Eras de outra solidão.

Montamos acampamento nas nuvens e depois desativamos. Choveu.

Tua ausência é como um final de tarde.

O domingo me protege, com sua capa neutra de dia santo. Tudo é empurrado para o dia seguinte, danação das segundas-feiras.

De repente o teu frio chegou de viagem. Perguntou pelas lãs e o fogo e pediu abrigo. Mas só havia a ressaca de um verão perdido.

Alguém bate na porta. Levo um susto e vou ver. É o vento. Sente frio de si mesmo

Nos convencem a desistir. Quando concordamos, um olhar de surpresa começa tudo de novo.

Fechei-me para balanço. Só tu, amor sem esperança, poderá mudar o que não tem mais jeito.

Viajo pelo tempo, para cidades que moram onde não mais estamos.

Voltaste, sol no outono. Deste fim à trégua para que eu sobrevivesse.

Amanheci contigo diante dos pássaros. Éramos dois silêncios em doses de encantamento.

Arrastar a asa prejudica o voo. Solte-se, me capture à toa.

Só dentro de mim te identifico. Fora, deixa solto o enigma. Que não achem teu calor que me abriga.

O amor ensina o convívio. Apaga as cicatrizes, lava as feridas. Retorna o tempo perdido, compõe o que chamamos vida.

Te misturas às plantas como as asas de seres sagrados. Terna imagem de uma vocação de arte.

És música, perfil de fé maior. Beleza que aprofunda o som que escuto ao te ver.

Quando fica tarde demais, amanhece. A flor vem depois do temporal.

Sentiu saudade? Eu esperei. Me fizeste provar uma eternidade.

Deus fez o homem e depois achou que podia fazer melhor.

Sou de outro planeta. Este mesmo. De onde vim e para onde me perco.

Começo cedo, depois encerro. Mas fica o aceno que não me deste.

Abrigo tuas asas, amor sem pouso fixo.

O corpo adivinha as curvas, por isso o assédio de rua é tão ridículo. Olhar escancarado é puro desconhecimento. Fechamos os olhos para sentir a brisa

Não sei mais o que é dor, o que é esperança. Talvez esquecer seja só o começo.

A beleza não se sustenta. Alma só existe se houver alimento.


LER

Ler é o melhor domingo.

Toda vez que te leio, me desfolho.

Sou analfabeto em você, mas leio seu coração.

Não leio pensamentos. Não me alfabetizei em teus segredos.

Faço poesia no joelho. Depois passo a limpo, no teu ouvido. Recitas tateando no escuro, a noite onde nos pegamos.

Imagino que me escutas e isso cria o veludo no que digo


ESPARSOS

Só quando te vi
tive noção
Não foi o decote
juro por mim
Foi o coração

tão intensa
e distante
feminina tsunami
falamos por poesia
coração de oceano