Nei Duclós
O trabalhismo , que é o equilíbrio entre o capital e o trabalho,
um sistema social que consolidou o Brasil soberano entre 1930 e 1964 via leis
trabalhistas, subsídio às indústrias e apoio a um sistema financeiro nacional,
foi ferido de morte com o suicídio de Vargas em 1954. Mas teve uma sobrevida
com Jango e Brizola. O golpe de 1964
decretou seu enterro ao entronizar a política econômica até hoje vigente, de
entrega do país sem defesa à metástase do capital, o dinheiro falso sem freios
que sucateia nações e intervém em governos nacionais. Mas o funeral de fato
aconteceu na dupla tragédia de Brizola pós anistia. Primeirto, quando ele
rasgou a sigla do PTB, usurpada pela ditadura, que tinha medo da ressurreição
do trabalhismo. E, segundo, quando perdeu as eleições presidenciais em 1989.
Confinado ao seu carisma, Brizola foi obrigado a fazer as mais espúrias
alianças que a ele sobreviveram e hoje dominam o túmulo do trabalhismo via
corrupção e submissão à ditadura civil.
Quando o capital sem freios não precisou mais dos militares
para implantar o suicídio de moedas e parques industriais, escolheu o monstro
trifronte para governar do país, sem a sombra do trabalhismo morto e enterrado:
uma cabeça imita o liberalismo, a outra o falso esquerdismo e a terceira amanha
as tetas da nação pelo pseudo centrismo. Foi assim que esse monstro, livre da
farda, tomou conta da nação por meio de uma ditadura civil que terceiriza a
culpa para o eleitorado de cabresto. Os políticos escolhem os políticos e anexam
quadros para a tunga do butim, erradicando qualquer ameaça ao sistema de
colheita total dos recursos públicos, enquanto o país é entregue à carnificina,
ao apodrecimento de sua estrutura e aos projetos cretinos que servem apenas
para amealhar mais dinheiro para os bolsos das inúmeras máfias.
Mas esse esquema é desmascarado, faz água e a nação se
insurge numa surpreendente revolução em junho de 2013, totalmente desvirtuada
pela violência aparelhada e pela percepção midiática imposta anti-povo. É
preciso colocar as barbas cheias de sangue de molho. Para isso serve o regime
semi-aberto de alguns notórios ladrões de dinheiro público, sem que se arranhe
o sistema, que assim se fortalece. Outra providência foi a exumação do corpo do
presidente João Goulart, um rebento manipulável da atual ditadura que procura
vampirizar o trabalhismo extinto via memória distorcida, já que os próprios
responsáveis pelo assassinato trabalhista usam agora o cadáver para inocular um
pouco de energia ao aparato contaminado da reeleição. Urnas eletrônicas
suspeitas, marketing milionário, seleção de comparsas para as candidaturas
completam o jogo maldito da nação amordaçada.
A base para a exumação do trabalhismo é adulá-lo no atacado
(a política partidária) e continuar destruindo-o no varejo (na mídia e no
sistema educacional. Figuras tornadas importantes pelo desaparecimento de
grandes pensadores se encarregam do serviço. Eles sustentam várias calúnias disseminadas
em versões mentirosas dos fatos históricos. Uma delas é que a Era Vargas foi
apenas ditadura. Não foi. Houve uma eleição pela primeira vez pelo voto direto
e voto feminino em 1933 para uma Assembleia Constituinte que por sua vez elegeu
Vargas presidente. A data das eleições foi definido em abril de 1932, meses
antes portanto da guerra paulista de julho de 1932.
É mentira portanto que a chamada revolução constitucionalista
– que foi apenas retaliação pela perda do poder regional paulista à revolução
de 1930 - tenha promovido as eleições livres e diretas, já que elas já tinha m
sido definidas pelo governo provisório. O truque é sempre o anacronismo, ver o
passado com os olhos do presente. A derrota paulista é viosta como prenúncio de
1937, passando assim por cima pelo verdadeiro motivo que foi a quartelada
comunista de 1935, quando oficiais do exército e da força pública do Nordeste
se insurgiram contra o governo legítimo constituinte. O golpe reforçou a
extrema direita que quase tomou o poder. Exacerbou as posições políticas e
favoreeceu o autoritarismo. Mas a direita foi impedida pelo Estado Novo,
apoiado pela porção nacionalista das Forças Armadas e que consolidou as leis
trabalhistas, implantou a siderurgia nacional, apoiou os Aliados na Segunda
Guerra e lutou de armas na mão contra o nazifascismo na Europa.
A calúnia identifica Vargas com o fascismo, omitindo que os
países fascistas mantinham relações normais com o mundo todo antes da guerra.
Como se só o Brasil tivesse essas relações normais com a Alemanha e a Italia! O
filho de Mussolini foi recebido com honras em Nova York e o ministro
inglês Chamberlain foi negociar com
Hitler logo antes da guerra. Mas só o Vargas era culpado, claro. O presidente
brasileiro soube impor a vontade nacional soberana ao negociar a siderurgia em
troca do apoio e postou-se no lado correto. Ao mesmo tempo, zero a dívida
externa. No final da guerra, éramos credores dos países vitoriosos. Mas nada
disso serve de argumento. O importante é caluniar Getúlio, colocando seu nome
sempre ao lado da palavra ditador, mesmo tendo ganho as eleições presidenciais livres
e diretas de 1950 de lavada, com 48% dos votos.
O truque é colar a imagem da atual ditadura civil ao
trabalhismo via restos mortais de Jango, agora que Brizola está bem morto e
enterrado, tendo perdido a ultima batalha da sua vida sem jamais ter chegado à
presidência. Era preciso impedir a volta do trabalhismo. Melhor servir-se do
cadáver, como fazem agora.
RETORNO - Imagem desta edição: cerimônia para Jango. Foto:
Guilherme Mazui / Agencia RBS.