Páginas

19 de novembro de 2013

A EXUMAÇÃO DO TRABALHISMO



Nei Duclós

O trabalhismo , que é o equilíbrio entre o capital e o trabalho, um sistema social que consolidou o Brasil soberano entre 1930 e 1964 via leis trabalhistas, subsídio às indústrias e apoio a um sistema financeiro nacional, foi ferido de morte com o suicídio de Vargas em 1954. Mas teve uma sobrevida com Jango e Brizola.  O golpe de 1964 decretou seu enterro ao entronizar a política econômica até hoje vigente, de entrega do país sem defesa à metástase do capital, o dinheiro falso sem freios que sucateia nações e intervém em governos nacionais. Mas o funeral de fato aconteceu na dupla tragédia de Brizola pós anistia. Primeirto, quando ele rasgou a sigla do PTB, usurpada pela ditadura, que tinha medo da ressurreição do trabalhismo. E, segundo, quando perdeu as eleições presidenciais em 1989. Confinado ao seu carisma, Brizola foi obrigado a fazer as mais espúrias alianças que a ele sobreviveram e hoje dominam o túmulo do trabalhismo via corrupção e submissão à ditadura civil.

Quando o capital sem freios não precisou mais dos militares para implantar o suicídio de moedas e parques industriais, escolheu o monstro trifronte para governar do país, sem a sombra do trabalhismo morto e enterrado: uma cabeça imita o liberalismo, a outra o falso esquerdismo e a terceira amanha as tetas da nação pelo pseudo centrismo. Foi assim que esse monstro, livre da farda, tomou conta da nação por meio de uma ditadura civil que terceiriza a culpa para o eleitorado de cabresto. Os políticos escolhem os políticos e anexam quadros para a tunga do butim, erradicando qualquer ameaça ao sistema de colheita total dos recursos públicos, enquanto o país é entregue à carnificina, ao apodrecimento de sua estrutura e aos projetos cretinos que servem apenas para amealhar mais dinheiro para os bolsos das inúmeras máfias.

Mas esse esquema é desmascarado, faz água e a nação se insurge numa surpreendente revolução em junho de 2013, totalmente desvirtuada pela violência aparelhada e pela percepção midiática imposta anti-povo. É preciso colocar as barbas cheias de sangue de molho. Para isso serve o regime semi-aberto de alguns notórios ladrões de dinheiro público, sem que se arranhe o sistema, que assim se fortalece. Outra providência foi a exumação do corpo do presidente João Goulart, um rebento manipulável da atual ditadura que procura vampirizar o trabalhismo extinto via memória distorcida, já que os próprios responsáveis pelo assassinato trabalhista usam agora o cadáver para inocular um pouco de energia ao aparato contaminado da reeleição. Urnas eletrônicas suspeitas, marketing milionário, seleção de comparsas para as candidaturas completam o jogo maldito da nação amordaçada.

A base para a exumação do trabalhismo é adulá-lo no atacado (a política partidária) e continuar destruindo-o no varejo (na mídia e no sistema educacional. Figuras tornadas importantes pelo desaparecimento de grandes pensadores se encarregam do serviço. Eles sustentam várias calúnias disseminadas em versões mentirosas dos fatos históricos. Uma delas é que a Era Vargas foi apenas ditadura. Não foi. Houve uma eleição pela primeira vez pelo voto direto e voto feminino em 1933 para uma Assembleia Constituinte que por sua vez elegeu Vargas presidente. A data das eleições foi definido em abril de 1932, meses antes portanto da guerra paulista de julho de 1932.

É mentira portanto que a chamada revolução constitucionalista – que foi apenas retaliação pela perda do poder regional paulista à revolução de 1930 - tenha promovido as eleições livres e diretas, já que elas já tinha m sido definidas pelo governo provisório. O truque é sempre o anacronismo, ver o passado com os olhos do presente. A derrota paulista é viosta como prenúncio de 1937, passando assim por cima pelo verdadeiro motivo que foi a quartelada comunista de 1935, quando oficiais do exército e da força pública do Nordeste se insurgiram contra o governo legítimo constituinte. O golpe reforçou a extrema direita que quase tomou o poder. Exacerbou as posições políticas e favoreeceu o autoritarismo. Mas a direita foi impedida pelo Estado Novo, apoiado pela porção nacionalista das Forças Armadas e que consolidou as leis trabalhistas, implantou a siderurgia nacional, apoiou os Aliados na Segunda Guerra e lutou de armas na mão contra o nazifascismo na Europa.

A calúnia identifica Vargas com o fascismo, omitindo que os países fascistas mantinham relações normais com o mundo todo antes da guerra. Como se só o Brasil tivesse essas relações normais com a Alemanha e a Italia! O filho de Mussolini foi recebido com honras em Nova York e o ministro inglês  Chamberlain foi negociar com Hitler logo antes da guerra. Mas só o Vargas era culpado, claro. O presidente brasileiro soube impor a vontade nacional soberana ao negociar a siderurgia em troca do apoio e postou-se no lado correto. Ao mesmo tempo, zero a dívida externa. No final da guerra, éramos credores dos países vitoriosos. Mas nada disso serve de argumento. O importante é caluniar Getúlio, colocando seu nome sempre ao lado da palavra ditador, mesmo tendo ganho as eleições presidenciais livres e diretas de 1950 de lavada, com 48% dos votos.

O truque é colar a imagem da atual ditadura civil ao trabalhismo via restos mortais de Jango, agora que Brizola está bem morto e enterrado, tendo perdido a ultima batalha da sua vida sem jamais ter chegado à presidência. Era preciso impedir a volta do trabalhismo. Melhor servir-se do cadáver, como fazem agora. 


RETORNO - Imagem desta edição: cerimônia para Jango. Foto: Guilherme Mazui / Agencia RBS.