Nei Duclós
Os recursos massivos da informação nos livram de historiar
os eventos que estão na cara de todos. O que nos cabe é ocupar um espaço de análise
desvinculado dos olhos voltados para o passado e enxergar livremente o que está
acontecendo nas ruas do país, na maior manifestação de todos os tempos entre
nós. Para o dicionário Houaiss, revolução é um "movimento de revolta contra um
poder estabelecido, e que visa promover mudanças profundas nas instituições
políticas, econômicas, culturais e morais". Bingo.
Militantes de partidos que tentam sequestrar o movimento
hasteando suas bandeiras – como fizeram em outras ocasiões, como das Diretas Já, em que a multidão que pedia eleições foi forrada de vermelho – diziam que
democracia é deixar também que eles carreguem seus signos. Foram impedidos para
que fosse preservado o perfil e a essência do movimento que é simultâneo,
apartidário, diverso, amplo e focado em reivnidicações básicas da população em
áreas sensíveis como gestão pública, saúde, educação, transporte e segurança.
Ao contrário das passeatas tradicionais, que percorriam
caminhos determinados e representavam nichos específicos de públicos – como estudantes,
esquerda etc. – a Revolução de Junho de 2013 tem as características da
internet: não tem foco definido e ocorre em vários pontos e de maneira
crescente, envolvendo capitais e cidades médias e pequenas em praticamente
todos os estados. Não está restrito, portanto, e expressa a vontade de mudança
da maioria. Não por acaso, a frase mais citada é “Verás que um povo teu não
foge a luta”, de Osório Duque Estrada em seu seminal poema fundador,no Hino
Nacional.
Não há palavras de ordem ditadas por lideranças, já que cada
pessoa pode expressar sua frase, como numa rede social. Comparo os cartazes postados
individualmente como tuits, posts ao ar livre, expostos à visitação pública e
esfregados na cara das instituições e seus governantes. Isso é realmente novo e
é um dos itens que diferencia este movimento de outros do passado. A soma de
mensagens focando os problemas nacionais, expressos de forma pacífica, se
contrapõe aos grupos de desestabilização que agiram em quase todas as manifestações,
ameaçando todo o clima original e dando munição para os críticos.
A reação se fará sentir em breve, pois Junho de 2013 provou
que o povo não está dividido em nichos, como quer a publicidade, a política e a
mídia. O povo é uno e indivisível e ao mesmo tempo, dialéticamente manifestado
pelas inúmeras vontades individuais, combinados num foco principal de transformação
do país. Enquanto lideres de nichos jogam centenas de milhares nas ruas para
celebrar gêneros, religiões ou paixões esportivas, Junho de 2013 tem um rosto
só, e ao mesmo tempo multifacetado pela fidelização à liberdade individual.
Só esse perfil dialético já dá ao movimento um lugar na
História do país. Poderá ser traído, como os outros foram. Poderá sofrer
retaliações, como certamente terá. Poderá gerar lideranças falsas, como
aconteceu. Mas a semana em que o país parou para ver-se identificado em massas
heterogêneas e ao mesmo tempo unidas pelo propósito de desfigurar a caratonha
de mentiras que nos governam em muitos estamentos, fica como um divisor de
águas.
Foi o tempo em que voltamos de novo a ser um país soberano.
RETORNO - Imagem: Andre Ramon Flenik/Arquivo Pessoal.
RETORNO - Imagem: Andre Ramon Flenik/Arquivo Pessoal.