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7 de janeiro de 2013

O QUE PEGA EM LINCOLN



Nei Duclós

Era crucial, para a paz com os estados do Sul, depois de longa carnificina que matou 600 mil pessoas na década de 1860, aprovar a 13ª Emenda da Constituição americana, a que proibia a servidão exceto para criminosos condenados, em todo território da nação e em lugares sob sua jurisdição. Daniel Day Lewis, no papel de Lincoln, no filme dirigido por Steven Spielberg e roteiro de Toni Kushner, explica para seus aliados o motivo desse foco: sem a escravidão, os proprietários do sul, com a paz, não poderia revindicar a posse de seu antigo patrimônio, os escravos. E se ela se mantivesse, a União não poderia interferir nessa reivindicação, que ainda estava assegurada por lei. Fim da escravidão, a paz poderia ser negociada com imensa vantagem.

Ninguém entendia a pressa do presidente na votação. Todos achavam que a guerra estava ganha e era preciso apenas assinar a paz. Mas Lincoln via na frente.  Ele já tinha declarado livres os escravos que lutavam ao seu lado naquela guerra, mas era apenas uma espécie de medida provisória, que não tinha força de lei permanente. Era um privilégio do estadista em tempos de guerra. Ele podia fazer enquanto o conflito existisse. Com o armistício, esses privilégios desapareceriam. A não ser que fosse aprovada a emenda.

Spielberg, um artista contemporâneo que se contrapõe à imensa quantidade de medíocres que pululam em todos os nichos, nos mostra didaticamente como foi urgente, dramática, suja, violenta essa votação, com seus antecedentes brutais. Sim, houve suborno. Um número determinado de democratas, que em principio se opunham à emenda (os republicanos fechavam cem por cento com o presidente) poderia garantir a vitória. Esse grupo tinha perdido as eleições e se encontrava em fim de mandato. Lincoln mandou dois lobistas (com perdão do anacronismo) distribuir cargos na futura legislação, já que houvera reeleição. “Tenho imenso poder, consigam esses votos”, disse o presidente, num acesso de fúria, a toda sua equipe.

O filme é de bastidores da política. Lento, denso, brilhante, sem concessões a bons sentimentos, mas fiel ao espírito de justiça e à ética necessária para manter a nação de pé. Pragmatismo político aliado ao carisma de um predestinado. Os tetos baixos, as posições a cavaleiro sobre os interlocutores, a espinha curvada, a cartola alta fazem da postura do personagem principal um gigante entre anões, um escolhido entre os desiguais. “Não acredito em igualdade de todas as coisas e pessoas”, diz o deputado interpretado por Tommy Lee Jones, “mas em igualdade perante a lei”. Esse era o ponto. Driblava o argumento racista de que a emenda colocava brancos e negros como seres iguais, já que ela cuidava da isonomia legal. 

Além de Lewis e Jones, Sally Field, no papel da sra. Lincoln, merece Oscar. A perda do filho, o medo que o primogênito se alistasse (o que acaba acontecendo), a dor, o luto, as dificuldades pontuam os diálogos da mulher que se sentia comum ao lado de alguém especial. Uma dramaturgia poderosa que faz deste filme um clássico sobre o drama humano da política, em que o envelhecimento rápido do líder declara a guerra do tempo contra uma criatura que consegue alcançar a eternidade.

Cineasta de primeira linha, entre os melhores da nossa época, Spielberg se dedica à costura do imaginário da nação, como fizeram os cineastas importantes da América, como John Ford e Frank Capra. É emocionante compartilhar essa obra que possui o tom de um livro que se lê para conhecer um pouco da História que gerou nossa época. Exemplo para nós, que costumamos desprezar nossos personagens e guerras, sem atentar para a importância de refletir, na Sétima Arte, o espírito da nação, fonte de inspiração da cidadania.

Temos pelo que lutar, um país. Isso é que Spielberg mostra neste filme , desde já, inesquecível.