Nei Duclós
Não admitimos o amor que nos consome. É como brasa viva nos
escombros.
Todo lugar é de adeus quando não te abriga.
Costuras concentrada tua roupa de domingo. Não há mais fio,
mas o que sentes preenche a matéria prima teu sonho.
Estávamos distraídos. De repente, o amor passou pelo canal
como um navio fantasma.
Nos encontramos por outras vias. Mas o fato é que
compartilhamos, por alguns momentos, a mesma trilha. Não vimos como ela floriu
assim do nada?
Poderíamos no amar, enquanto isso. Talvez o acaso seja o
Cupido.
Quando voas de mim, meu coração se abandona como um corpo no
abismo.
Conheço o vazio. É um lugar lotado pela tua ausência.
Passei o dia sem saber se estavas na ativa, perto dos meus
olhos quando fico à deriva.
Fomos ao rio no crepúsculo. Mergulhamos juntos e saímos na
outra margem da eternidade.
Manchas solares impedem o entendimento. O calorão embota a
sintonia. Melhor deixar passar o desconforto da estrela.
Ficas rindo da minha solidão. Achas bem feito. Esperas que
eu seque para só então deixar um recado de fruta molhada.
O tempo acumulado na areia. O mar além da existência. O eco
na concha de mergulhos. Somos uma espiral vinda do fundo.
Não desista de mim. Estive num mergulho. Vi corais do início
do mundo. Voltei com uma riqueza intangível. Volte a me convidar para um
silêncio a dois no pier.
Estás ocupada na hora de colher os versos? disse ele. Versos?
disse ela.
Que desaforo, disse
ele. Deixaste os poemas no sereno! Reclamaram do calor, disse ela. Pus para
pegar a fresca.
Deste um tempo nos poemas. Te dedicaste às crianças e aos
mendigos, que precisam mais da tua doçura. Mas sentimos saudade, eu e a poesia.
Quando voltares, não haverá poemas. Pus tudo no sótão. Estás
me devendo.