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17 de novembro de 2012

MEMÓRIAS DO CÁRCERE: PRIMEIRA LEITURA

 Nei Duclós



Vida não é texto que se costure, a não ser que você costure a vida como um texto. Em Memórias do Cárcere, Graciliano Ramos usa técnicas de ficção para contar a verdade. Uma delas é focar uma dúvida da percepção para iluminar o entorno, destacar um elemento protagonista para elucidar pormenores. Invoca-se, por exemplo, com dois vultos fixos vistos na madrugada da janela da sua cela. Não atina o que seja e usa a dúvida para ir narrando sua insônia, feita de migalhas e vivências. Outra técnica é dizer que não lembra de determinados detalhes enquanto outros se tornam abundantes.

Para tornar explícita a miséria social e política, afunda-se na baixa auto-estima, como se o personagem que cria – ele mesmo, a vítima de uma injustiça – seja o fruto da escassez que domina o país. A família que descreve – a esposa mesquinha e histérica, os filhos agitadores – tem perfil fictício, o que o deixa à vontade para reforçar o papel de uma situação doméstica opressiva, contra a qual a prisão acaba se oferecendo como uma bizarra solução. O drama se desenrola no varejo, com vingancinhas pessoais, pequenas traições nos gestos e palavras, ruas mal iluminadas, prédios sinistros, funções inúteis, cidadania zerada.

O narrador está no miolo de um drama que se expõe das bordas às vísceras, em que a rotina doméstica é substituída pela falta absoluta de sentido do encarceramento. Graciliano Ramos conta sua história compondo um mural literário inspirado na memória. É o tempo todo literatura, pois os fatos se unem pelo fio narrativo de uma improbabilidade, o mundo sendo definido pela visão amarga e ríspida de alguém que sobrevive à revelia.

Ainda estou no começo do livro. Quis compartilhar essas impressões, pois se deixo para o final da leitura posso perder muita coisa. Graciliano escreveu-o dez anos depois dos eventos narrados. Saiu da prisão e foi trabalhar no Ministério de Educação.


RETORNO - Neste post, algumas luzes sobre o drama de Graciliano.