Nei Duclós
Nem tente fugir do amor. É impossível. É como se a Terra
deixasse de girar.
Fizemos uma tenda sob o caos do dia. Ríamos do mel que
escorria.
Teu corpo sob medida, da cabeça aos pés do carinho.
Passei pela última vez aqui para pegar os versos que
esqueci, disse ele. Não sei onde coloquei, disse ela.
Você é muito autocentrado, disse ela. Eu? disse ele.
O amor está esperando. Já demoraste demais em frente do
espelho.
Tinha algumas poemas para te mostrar, mas vou guardar. Estás
ocupada lendo o noticiário.
Se não te emociono mais vou emigrar. Pedirei cidadania em
Júpiter.
A mudança foi feita, disse o encarregado. Mas sobrou um
navio só de poesia. O que faço com ele? Levante a âncora e solte no horizonte,
falei.
Pára, ela pediu. Como você consegue? É simples, respondi.
Basta morrer disso.
Hoje está calor. Dentro de mim também.
Quando nada há para escrever, é aí que se manifesta o texto
que dormia na parte mais funda das tuas roupas indomáveis.
Atendimento automático do amor. Digite seu código. Se quiser
DR digite 1, beijos 2, suspiros 3 ou aguarde um(a) do(a)s nosso(a)s atendentes.
Não abuse.
Existimos apenas neste espaço, ela disse. Basta desligar
para o amor ir junto. Discordo, falei. Quando religamos a lâmpada continua lá,
acesa.
Um muro azul de nuvens guarda a linha das montanhas no
crepúsculo do outono. É bom estar contigo por qualquer motivo.
Esqueci onde íamos. Acho que há horas já chegamos, quando
começamos a nos entender.
É vasto o horizonte feito de um único escândalo: tua
presença impregnando tudo, do arbusto à mais escondida estrela.
Nada é minúsculo neste enredo que nos toma. Cada detalhe é
um acontecimento.
Tudo isso para celebrar tua volta. Mesmo que finjas tua
vontade numa gentileza exasperante.
Vou me comportar para que não fujas. Te beijarei à traição,
quando não estiveres vendo. E de longe, para que não faça vento.
Falas comigo por minhas palavras. Assim não vale, enigma.