Nei Duclós
Acordei derretido por ti. O pouco que me dás é todo o meu
sustento.
Amanhece de maneira difusa, sob o império das nuvens. Maio
prepara junho e o ano entra em prontidão.
O frio úmido se instala no muro. Que não atinja o coração.
Minhas pernas pedem tua massagem, mas foste saudar os
espíritos do campo. Sabes que estamos de passagem. Só eu aguardo na estação,
iludido de eternidade.
Já compus a mesma canção, mas em outro tempo. Revisito o
verbo para ver se é isso mesmo. Tão
intenso o sentimento que mesmo repetido, é inédito.
Fui te incomodar, apenas por capricho. Estavas ocupada
alimentando os passarinhos. Espantei as asas com meus gritos. Queria que fosses
só minha naquela manhã.
Mas isto não é um poema! disse o crítico. Poesia deixo para
você, respondi. Eu me contento com a musa.
A claridade expressa o teu sorriso, quando acordas tentando
me localizar entre a lã e o linho. Lá estou eu, o sortudo.
Me jogas o travesseiro porque preciso sair. Troco tua manha
por um beijo. Quando voltar, quero te rever, arteira.
A bela reparte-se em muitos olhares. Mas num só se costura.
Queria ser o único a te querer. Mas a Lua não cabe numa só
solidão.
Teu abandono não é crueldade, é destino. Nasci para te amar
sem esperança.
O amor é um caderno lotado, escrito até nas margens.
Guardado numa gaveta, junto com os retratos.
Fui incapaz de colocar em palavras o que pulava em mim
quando te amei sem medida.
Não falaste mais comigo. Imaginei que tinhas viajado, mesmo
te vendo todos os dias no meio daquelas pessoas.
O poema desceu das alturas para te socorrer, princesa. Ouviu
teu gemido, ferida de amor não correspondido. Estancou a dor e te deu motivos
para acordar mais cedo. Foi quando te vi, batida pelo vento Leste.
Lembra que acertei quando enfim fiz o melhor mergulho? Foi
quando cheguei ao ponto, sereia.
RETORNO – Imagem desta edição: Jennifer Aniston.