Nei Duclós
Comprei passagem atrás do teu banco. Viajarei no teu
perfume.
Peguei você na corrida. Fui arrastado ao infinito.
Ficamos sós, eu e tu, depois do apocalipse. Resta-nos
recomeçar tudo. Sorte que tenho tuas curvas para inventar outro mundo.
O tempo todo conversando. De vez em quando mostro algo longe
e quando viras o rosto eu exerço a mão boba. Finges que não é contigo, tonta.
Não nos amamos. Isso não significa que não seja perigoso.
Ela fica
enrolando. Melhor assim. Cresce o novelo do agarro.
Se fosses indiferente, não passarias tanto batom antes de me
ver, tratante.
Não tente domar o urso. Entregue-se, gazela
Somos insuportáveis. Impossível ficar juntos. Mas bastam
alguns minutos e lá estamos a bater na janela um do outro.
Vai-se abril e o tempo nos apronta. Quando a eternidade virá
em socorro?
Fiquei à toa depois que aquele amor submergiu no
esquecimento. Alguém então apareceu comentando o tempo.
Ela não admite nenhuma espécie de conversa mole. Quando o
papo toma um rumo bom, fala algo irritante. Vou emigrar para o Norte.
Melhor não insistir. Vou para o cais. Há vagas para
veteranos. No primeiro navio, te abandono.
Acordas pensando bobagem, mas negas teu sonho. Como podes
ser assim, implicante?
Fiquei feliz por um momento. Farejaste de longe. E vieste
com teu andar de estrela cadente.
Sobe o balão de gás da minha esperança. Lá em cima capturo a
nuvem, teu corpo molhado de algodão doce.
Te entendo, desististe há tempos. Mas quem pode com esse
visgo ofertado em línguas?
Não há lugar para a poesia entre nós. O rosnar da espera
prestes a acabar não deixa.
Nenhuma dor é capaz de matar o olhar sôfrego em direção ao
novo amor que tenta fugir de nossas mãos viciadas no toque.
Ofereça para seu amor o verso que faço perdido de qualquer
chance.
No fim é só fantasia de um carnaval inexistente.
BRONCA
Passar o dia à toa é lamentável. Mas crime de verdade é
passar a noite em branco, sem você me dando bronca por ter chegado tarde.
Ela pôs meu beijo na gaveta que nunca abre. Um dia se
afogará no amor deixado no mofo.
Tua poesia é perfeita, mas seca. Vou jogá-la na água para
ver se sabe nadar.
Usas açúcar de outras plagas para enfeitar teu verso. Não
precisa. Sobra mel em tua bainha
Apenas decida o que é você e o que é adventício. Procure o
que bate contigo.
Admire e não inveje alguém que faz algo que você gostaria de
ter feito. Compartilhe e não roube o que surpreende e encanta você.
Você é o que imagina ser e o que os outros conseguem ver.
RETORNO – Imagem desta edição: Pernas, foto de German Lorca.