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30 de abril de 2012

SEM QUERER


Nei Duclós

Trafeguei na meia volta que tens por dentro. Onde permaneço.

Não devia gostar de ti. Mas é como uma cair da tarde, emocionas sem querer.

Estava contigo até agora há pouco. Mas desconectamos.

O que tens para mim? Uma promessa de beijo? É um bom começo, passageira.

Ficas no sofá, tentação. E eu sem poder te tocar, fingindo que não te quero só para te agradar.

Deixaste de ser um enigma. Te pus na busca e cliquei na primeira ocorrência.

De repente a noite fechou a cortina do crepúsculo. O pior é que não veio com estrelas.

Em algum lugar remoto, há Lua. Ela esconde a poesia.

Uso imagens antigas. São como roupas que desencavamos no início do frio. Lembra o coração quando existia.

Fica comigo. Acompanhe os minutos com gemidos.

Teu sumo não alimenta, encrenca.

Fiz só para ti. Escutas isso de todos. Mas só eu tenho registro.

É fácil voltar. Difícil é permanecer.

Não me aqueço, não me esfrio, não começo, não termino. Junto com você, indecisa, entre a aula e o recreio.

Nunca direi que cansei de alguma coisa. Estou sempre a mil, graças a ti, incêndio.

Como num navio, em lados opostos do convés, me debruço ora a Leste ora à Lua cheia. Balanço entre as curvas do teu segredo.

Seios quase escondidos, vestido preto. Cabelo vermelho, olho de lince. Ninguém te escapa, reticências.

Você chegou há pouco, migrante. Leu meus sinais meio de lado. Pousou em meu ombro doído. Sinto que nos daremos bem, bonita.

Falta pouco, apenas a distância de um beijo. Mas sei que é um mar que me separa do teu desejo.

Venha na tarde fria dizer que és minha

Estraguei tudo. É da minha natureza. Tomara que você não se arrependa.


RETORNO – Imagem desta edição: Marylin Monroe.

29 de abril de 2012

CHAVE


Nei Duclós

Do planeta gelo tens a chave
onde me confinas, alma rude
do carinho que dou és ataúde
devolves paralelas e quadrados  

Se fosse apenas a secura
de um coração que não reage
mas é corrente sem futuro
pacto de solidão para viagem

Deveria escapar dessa armadilha
que acaba de vez com minha saúde
mas fico na esperança da aspirina

O mais duro é que te comprazes
em dizer não quando digo abre
Perdes a chance de ser só doçura


RETORNO – Imagem desta edição:  Bette Davis.





FLOR AUSENTE


Nei Duclós

Não tenho outro jeito senão te querer, flor ausente do amanhecer.

A rede caiu bem no meio do verso. O que diria, se estivesses perto?

O amor sem motivo é um mistério para ti. Não para quem te ama, colibri.

Te apegas ao que parece ser amor, teus objetos de carinho. Mas o amor está no inverno, não no cobertor.

Agradeces o amor que não entendes. Isso nunca te entendi.

Porque demora te desesperas. Tenha pressa apenas de ser o que te faz inteira.

Fui acordado pelo espelho. Lá eu vi tua imagem, beleza em sonho.

Passei por aqui, a noite me aconselha. Ela fala pelo silêncio, jóia do Tempo.

Não sei o que pretendes. Melhor dizer logo ou então me deixe.

Você finge que dorme enquanto coloco o quarto de pernas para o ar. Só acordas com um beijo, que nego por precaução. Se cedo, acabo ficando o dia todo embaixo do lençol.

Estou de saída, disse ela. Sou para onde vais, disse ele.


FAZ DE CONTA

Sei que estás ocupada, mas faz de conta que é domingo à tarde.

Quando toca o telefone nunca é você, mas a emergência diante do meu enfarte.

Quando não me respondes volto para debaixo da cama.

Quando estás on line meu coração navega.

Meia noite agora! O tempo, maçã partida ao meio.


PANTANEIRA

Deixo para vocês a glória da estátua e dos livros de capa dura. Eu aprendo com a pétala da flor pantaneira, duro algumas horas.


RETORNO – Imagem desta edição:  Keeley Hazell.

VALOR


Nei Duclós

 
Quanto custa
um beijo?

A Via Láctea
se o amor está
no começo

O Universo
quando não tem
mais jeito


RETORNO -  Imagem desta edição: George Peppard e Audrey Hepburn em Breakfast at Tiffany´s.

28 de abril de 2012

CHUVA


Nei Duclós

Não posso morrer num dia de chuva
nuvem que desliga o sol de outra vida
chapéu de feltro e grossos veludos
com sapatos molhados e mantas frias

Cruzar o umbral, dependendo do clima
pode ser uma boa ou a porta de um túnel
eu preciso da luz da campanha florida
na meia estação de um passeio de escuna

Só assim estarei no caminho da sorte
para o fim do arco-íris, onde fica o tesouro
saber o que tempo aprontou à minha volta

Lá verei o que guarda o sóbrio destino
eleito por altos poderes das sílabas
talvez um poema que me ressuscite


RETORNO – Imagem desta edição: Humphrey Bogart e Ingrid Bergman em Casablanca.

PÓLVORA


Nei Duclós

Não tenho piedade, coração solitário
meu trato contigo não inclui recato
faço o serviço, jogamos no mato
de comum acordo, couro de gata

Preferes assim, flor confiscada
evitas a dor, tentadora do hábito
em vez do rodízio, rotina de valsa
enlaças o tango, rasgo de aposta

Propões desacato e eu me convenço
só que no fundo conheço tua lábia
é pura armadilha em cima do escravo

És dona do mundo e nada te importa
sabes que sou o mel que devotas
dentro de ti, inventora da pólvora


RETORNO – Imagem desta edição: Liv Tyler.

27 de abril de 2012

AREIA


Nei Duclós

Do Leste veio o sol devolvendo abril
no início da estação que está no fim
amor que começou e amarga o exílio
sabor que se perdeu antes de mim

O céu capricha azul depois da chuva
borracha sobre a dor, separação
corpos que secaram ainda úmidos
palavra recém dita e sem perdão

Devia te deixar fazer o escrito
prometido no verão do verbo aflito
e não pedir em vão teu desperdício

Agora colho o grão de uma colheita
lonjura em comunhão com a ventania
pareço um paredão chorando areia


RETORNO – Imagem desta edição:  Marlene Dietrich.