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9 de fevereiro de 2012
THE HELP E THE FLOWERS OF WAR: O CLICHÊ FUNCIONA
Nei Duclós
Dois filmes diferentes – The Flowers of War, do bom Yimou Zhang e The Help, da estreante Tate Taylor, ambos de 2011 - se identificam no uso do clichê, recurso quase obrigatório na narrativa da indústria cinematográfica, que depende do sucesso para sustentar sua caríssima produção. O clichê funciona e por isso é tão usado. Yimou Zhang, que já nos deus grandes filmes quando não estava a serviço do império predador chinês e do lucro americano, oferece a clássica situação do sujeito meio bruto e desqualificado que se humaniza ao assumir um papel heróico, o de salvar meninas adolescentes de um convento em Nanking na guerra contra o Japão nos anos 30. Já vimos isso em vários filmes, inumeráveis, desde a época em que Robert Mitchum salvava Debora Kerr nos confins do Pacífico em Heaven Knows, Mr. Allison (1957).
Ymou mostra como os japoneses são malvadíssimos e os chineses essas flores que se cheiram, desde o soldado que se sacrifica até as prostitutas que adquirem virtude ao se entregarem para o inimigo e assim salvarem vidas. A China tocou o puteiro da carnificina no Tibet e em outros lugares, mas no seu cinema são essas preciosidades milenares que todos conhecem. O filme escorrega para o dramalhão com cenas arrastadas de choro diante da presença nefasta dos inimigos, destacando as qualidades de caráter dos protagonistas. Christian Bale, como sempre, convence no papel do maquiador profissional e falso padre. Ator de talento e gana, carrega o filme, com ajuda de excelentes coadjuvantes, como a bela o Ni Ni no papel da prostituta Yu Mo.
Em The Help, todas as mulheres brancas do Mississipi dos anos 60 são horrorosas megeras falsas e coquetes que torturam suas exemplares, sábias e magníficas empregadas domésticas negras – ou afro-americanas, como quer o vocabulário politicamente correta. Só se salva a aspirante a escritora e jornalista Skeeter Phelan interpretada por Emma Stone. Viola Davis no papel da empregada Aibileen Clark e Octavia Spencer como Minny Jackson detonam protagonizando as fontes de uma história de crueldade e que vira best-seller. O filme é uma espécie de Casa Grande e Senzala americana, pois os gringos enfim admitem que foram criados por suas escravas domésticas, como sempre soubemos por aqui desde Gilberto Freyre.
Por que o clichê funciona? Porque é preciso marcar no espectador as balizas da história para que não haja confusão. Várias vezes noto, em filmes de emergentes, o problema de saber exatamente quem estava fazendo o que, por falta exatamente dos recursos consagrados do cinema. Devem ser usados, mas não podem contaminar totalmente a narrativa como nessas duas obras. Somos levados à emoção plantada, tão evidente e explícita que chega a ser desdramática, pois sabemos que produção e a direção estão dizendo: agora chorem, trouxas. Só um grande texto e uma grande interpretação poderão salvar o clichê, como acontece na antológica despedida de George Clooney da mulher em coma em os Descendentes, de 2011 e já abordado aqui.
Há uma cena especial em Flores da Guerra, graças ao script. Vou te levar para casa depois que tudo isso acabar, diz o americano. Meu corpo não vai mais me pertencer a partir de amanhã quando eu for distrair os japoneses, diz a prostituta. Leve-me para casa agora. E começa a cena de amor e sexo. Maravilhoso. Mas o resto são o sangue espirrando por todo lado (cenas sensacionais de guerra), adolescentes sendo estupradas brutalmente e momentos poéticos sussurrados. Clichês que fazem do filme um bom espetáculo, mas não sobrevivem a um olhar mais exigente.
The Help escolhe um foco raro no cinema americano, o da vida doméstica sendo protagonista da cidadania (normalmente é a vida exterior que determina as ações e os sentimentos). Inova quando destaca as babás negras e seu universo crítico e sofrido. Poderia ser um grande filme se evitasse ser tão marcado em suas intenções de manipulação do espectador. É difícil sugerir sem mostrar com clareza. Isso quem sabe fazer são os gênios da Sétima Arte, que não existem mais. Má notícia para os comerciantes: nós não esquecemos e fomos formados pelos mestres. Seremos sempre assim duros na hora de ver, com parâmetros de infinita competência, que colocam no chinelo o que se faz em massa hoje.
RETORNO - Imagens desta edição: na foto de cima, Christian Bale e Ni Ni em "The Flowers of War"; na de baixo Emma Stone, Viola Davis e Octavia Spencer em "The Help" (no Brasil, Caminhos Cruzados).
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