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21 de fevereiro de 2012

ENTREGA


Nei Duclós


Diga sim para mim. Estou exausto do não.

A estrela do mar deitada na praia é a representação perfeita da tua entrega, que ainda não aconteceu. Esperas que eu chegue na maré cheia.

Alguém tirou meus sapatos no escuro. Não vi quem era. Só me dei conta na manhã seguinte. Tinhas voltado, invisível.

O laço da tua perna na minha, teu cheiro no meu ombro, o lábio todo solto,a respiração doce: quem disse que dormimos? No céu tudo é sonho.

É só fantasia, disse o coração partido. É tudo o que eu tenho, respondeu o espírito.

Não se perca de mim, eu disse. Deixe para fugir outro dia. Hoje me acompanhe no crepúsculo. Vamos aguardar Vésper assumir o trono.

Exauri o amor, raspei o fundo do tacho. Restou você, meu oculto poço artesiano.

Nenhum desamor vale esse sofrimento. Esqueça a maldade. Junte-se a nós, coração silencioso depois da tempestade.

Não pense que vai fazer de mim gato e sapato. Sou capaz de coisa pior. Já bati o recorde de respiração presa. Foi quando viajaste.

Não sei o que é pior. Te convencer que te amo ou me convencer que não me queres.

Contigo à tarde corro, à noite morro, de manhã socorro. Ressaca de amor no forro. Nosso corpo torra. Se for embora, bato o carro.

Não sou solidário nem firmei contrato com tuas recordações. Não lembro de ti, peste.

Mulher é jardim: cavar, suar, revolver, regar, florir, colher. É flor: pétala,cor, espinho, cacho,espiral, cheiro, pólen. Trabalho pesado. Basta oferecer, preguiçoso.

Não és boa em metáforas. É tudo preto no branco. Por isso esse amor não deslancha. Atolou no verbo.

Tento ser malvado só para te agradar. Mas reclamas. Por isso sou bom, por falta de opção.

Estive assim de conseguir o que queria. Mas aí fui fazer não sei o que.

Cometo os mesmos erros do século passado. É uma questão de princípios

Eu não tenho experiência. Não sou laboratório.

Contigo à tarde corro, à noite morro, de manhã socorro. Ressaca de amor no forro. Nosso corpo torra. Se for embora, bato o carro.

Já esqueci, pode voltar. Quando te vir de braço com alguém, juro vou passar por cima disso. Não vai doer nada.

Para que brigar? Vamos acertar os ponteiros. Eu fico com o dos minutos. É maior, tem mais alcance.

Você gosta mas somos estranhos. Eu gosto porque ficamos próximos. Quem explica essa ponte que a palavra tece entre temporais?



RETORNO – Imagem desta edição: obra de Hans Dahl.

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