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5 de janeiro de 2012

APARÊNCIAS


Nei Duclós

Quando atingimos a longevidade, as pessoas parecem porções engarrafas de tempo. Ficam encantadoras no seu confinamento datado, iludidas de serem eternas enquanto vivem cercadas pela morte certa. Estranhamos que elas tenham cabelos isentos da vivência, o que nos parece um contra-senso. Ficam idênticas aos rostos dos recém nascidos e perdemos a pista da fase da vida em que se encontram.

Quando eu era criança, o adulto idealizado tinha por volta de 18 anos, que me parecia algo muito remoto. Era uma espécie de patamar consolidado de quem se desvencilhava da infância. A humanidade próxima, especialmente no colégio, se dividia entre o tempo que eu acumulava, aí pelos nove anos, e o meu dobro, os sujeitos barbudos que compartilhavam a mesma classe, pois naquela época a entrada na escola era tardia e fiz parte das primeiras gerações que freqüentavam as aulas no momento certo.

Esse limite depois se estendeu as 40, quando as pessoas ficavam idosas e não como são hoje nessa faixa, adolescentes. Não acho que os avanços da medicina e da saúde tenham contribuído para que as pessoas mudem seus paradigmas nessa área. Trata-se de atitudes culturais, biotipos fundados em gestos, hábitos, roupas e percepções. Todos se comportavam conforme determinado figurino atribuído ao registro de nascimento. Hoje, por exemplo, sabemos quando alguém é da Terceira Idade pelos tênis gigantescos e as roupas chinesas de grife falsa. Não porque sejam menos ou mais velhas dos que as criaturas de antigamente. São as mesmas, mas fantasiadas de jovens.

Foi para o ralo a sobriedade que a ancestralidade nos outorgava, e que era um contraponto necessário à derrocada física, pois estabelecia respeito quando a tentação era gritar “vai pra casa, velho!”, o que hoje é lugar comum. Sinto falta daquele tipo como o de Manuel Bandeira, que era o mesmo do meu tio Valdemar e que se resumia a uma formidável cara de cachorrão em terno surrado, de queixos proeminentes e tez morena. E que usavam óculos Ray-ban e ostentavam, na mocidade, bigodinho fino. E, nas mulheres, nas cinturas mais apertadas do que a responsabilidade mandava, pois aquilo certamente prejudicava toda a região abdominal. Sem falar no uso obrigatório de vestidos e saltos altos e também das inúmeras saias que farfalhavam ao andar, ou ao se desvestir.

Hoje tudo é jeans e camiseta, bermuda e chinelo. Noto nas aglomerações o grande mau gosto no vestir, entre os quais me incluo. Nâo acredito que sejam os compradores os culpados, mas a indústria, que fabrica esses troços. Calças hoje vivem caindo e parece que é moda ostentar o púbis, pelo menos vejo isso entre a mocidade, hábito execrável que não deveria ser estimulado. Há a substituição das antigas camisas de gola pelas atuais tatuagens, em que os dragões valem mais do que as velhas barbatanas.

Não podemos cair na tentação, diante desse quadro, de dizer que idade seja um estado de espírito. Não é. É um estágio da carne. Tudo cai e você vive tropeçando. Há insurgência de pessoas que malham sem parar achando que vão transparecer para os outros o que imaginam para si longe do espelho. Não nos enxergamos e essa é a tragédia do ego, sempre flagrado quanto mais luta para parecer outra coisa. A solução é deixar-se levar. Exercitar-se, cortar besteiras,vestir-se com prudência. E o resto fica a cargo da boa vontade dos contemporâneos.

“Como você está bem!” soa muito falso. Mas, dependendo de quem diz, “você hoje arrasou” pode valer por uma longa vida, mesmo que seja só gentileza ou puro interesse.


RETORNO - Imagem desta edição: Almoço em homenagem a Pablo Neruda. Presentes, da esquerda para direita: Astrogilso, João Condé, Lia Correia Dutra, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade.

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