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22 de dezembro de 2011
MISTUREI AS ESTAÇÕES
Nei Duclós
Reli teu bilhete na contra luz. Um inseto atrapalhou a ciranda das frases. Embaralhei tudo, recomecei. Era tua emoção, meu maior presente
Faz tempo que não dizes nada. É uma eternidade esses cinco minutos.
Levei as frases do teu bilhete para conhecer as redondezas. Elas gostaram do mirante, onde nos beijamos. A mais animada era a eu te amo
O poema veste o terno azul diamante do soneto para cruzar a rua. Os estranhos lhe entregam pepitas que tilintam em seus bolsos de linho
Para me agradar dizes que corres perigo. Eu faço aquela pose de faroeste
Fazemos tudo meio apressados porque temos encontro às dez. Chegamos esbaforidos no mesmo instante e caímos num riso tão perfeito que parece choro
Vou dar um tempo, me disse. Para quem? perguntei. Para mim, falou. Então somos dois
Não entendi, você também vai dar um tempo para você? ela perguntou. Não, para você, respondi
Foi-se o dia. Guardo sua lembrança como um pequeno fogo na beira do mar. Não ilumina os navios, mas inspira os que estão no convés, atracados
Misturei as estações. Coloquei primavera no verão e outono no inverno. Assim floresceste fora da temporada e o amor deu frutos na tempestade
Misturei as estações. Te chamei de amor quando não devia. Te tirei para dançar depois do baile.Te joguei bilhetes ilegíveis.Apareci no sonho
Misturei as estações. Tropecei na cerimônia. Bebi demais no aniversário. Xinguei os passarinhos. Mas fui perdoado pelo arco-iris
Misturei as estações. Invadi a reunião no momento xis.Desisti do projeto ainda no começo.Te ofereci carona depois de perder a chave do carro
Misturei as estações. Me declarei no primeiro minuto. Persegui teus filmes favoritos. Perdi a noção das horas sob a neve diante da tua janela
Misturei as estações.Abri o bico na hora errada.Calei-me quando devia falar.Não compareci ao encontro porque me atrapalhei. Perdoa, coração?
Não quero te aborrecer com minhas histórias. Vamos dançar?
Lembrança é a seleção de um cena pelo filtro do tempo.Perdemos o principal,que pertence não à memória, mas ao mistério. Sombra que pulsa luz
Teu cabelo ia até a cintura. Estavas de costas. Os pássaros emudeceram na tua passagem. O momento gravou uma pintura
Lembro o que sobrou da névoa. Troco personagens. Observo o que não vi. Mas no poema tudo sai certo.A verdade é tão natural quanto as árvores
Viciei em ti, ela me disse. Não vá embora senão posso desaparecer. Para teu sumiço tenho um remédio, falei. Um beijo sem nenhuma piedade
RETORNO - Imagem desta edição: Hale Berry
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