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11 de agosto de 2011
PARAÍSO PERDIDO
Nei Duclós
Desde que acabou a moleza do Paraíso, somos obrigados a pegar no batente. Mas fica a saudade, o vestígio: sempre sonhamos em nos recolher a algum tipo de lugar edênico, para voltar ao bem bom. Nunca dá certo, claro. Não existe lugar intacto, pois por toda a parte carregamos a nós mesmos, fonte de todos os conflitos. Os descobridores no século 15 acharam que tinham encontrado esse mundo perdido, como mostra, de maneira magistral, a maior obra da erudição do Brasil, “Visões do Paraíso”, o livro obrigatório de Sergio Buarque de Holanda, em que cada capítulo equivale a um livro à parte.
O que deslumbrou os europeus foram os bons ares (uma expressão que serviu para os hermanos argentinos batizarem sua ofuscante capital), a generosidade da terra e as provas de que realmente se tratava do ninho bíblico, formador da humanidade a partir do primeiro casal. O maracujá com seus sinais crísticos estaria no rol dos candidatos ao fruto proibido, entre outras “evidências”. Da mesma forma que naquela época remota, continuamos nos enredando em especulações, mesmo com a feérica desconstrução de mitos, baseadas em investigações pesadas.
A mediunidade ainda não foi elevada à categoria de ciência, nem a literatura pode se arvorar a ser História, mas acredito que talvez os mistérios estejam decifrados na nossa frente e não nos damos conta. Toda vez que vou à praia, aqui em Florianópolis, admiro as construções arqueológicas, as pedras empilhadas, algumas do mesmo jeito que são vistas no interior da Inglaterra. Lá, os menires são isso mesmo, aqui não passam de pedras na praia. Somos avessos à História, que dirá a arqueologia, que busca o conhecimento ainda mais oculto. Mas talvez as causas, os motivos, estejam explícitos.
Uma lenda antiga dos indígenas brasileiros fala de um gigante que se prevaleceu de uma formosa humana e por isso foi castigado, transformando-se na Serra do Mar. As nossas montanhas são gigantes deitados e dentro das ruinas do passado, que são a própria paisagem, há te tudo. Já descobriram ouro, ferro, pedras preciosas, nióbio. São os tesouros ancestrais que continuam sendo pilhados, mais do que nas pirâmides do Egito. Lá, os acervos são ainda recentes. Os nossos, são multimilenares. Valas geométricas no Acre, monumentos perdidos na Amazônia, incluindo pirâmides cobertas de selva etc. estão à espera da curiosidade nacional.
Uma batalhadora da arqueologia alerta há anos para a destruição das Sete Cidades do Piauí, conjunto arqueológico valiosssimo e ainda não decifrado. Dão tiros em pinturas rupestres. Usam jipes envenenados para destruir os sambaquis aqui no litoral catarinense. Mas há também inúmeros estudiosos que procuram entender a complexidade da ocupação das terras brasileiras, as mais antigas do mundo, antes da chegada de Cabral. Estudam o que um dia foi encarado como Paraíso, mas que não passa de território hostil e amigável ao mesmo tempo, como qualquer outro. Onde se formaram as gentes que receberam os invasores, foram dizimados por eles e também se misturaram.
Tudo habita dentro de nós, em forma de linguagem.
RETORNO - 1. Crônica publicada no jornal Momento de Uruguaiana. 2. Imagem desta edição: um menir no litoral catarinense, um vestígio arqueológico, uma obra humana. No mundo inteiro, quando descobrem algo parecido, fazem o maior estardalhaço. Aqui não passa de pedra de praia. Ara, dizem.
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