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10 de julho de 2011

MODERNISMO: A DENÚNCIA VIROU MODELO


Nei Duclós

A Flip, festa literária em Paraty, celebrou o Modernismo, a atual religião oficial do regime que governa o Brasil, a ditadura de fato sob a capa da falsa democracia. O crítico e intelectual Antonio Candido, que acha Lula um modelo de antropofagista cultural, pois é capaz de reelaborar tudo o que escuta sem jamais clonar o que absorve, como disse no evento, é o grão-sacerdote dessa seita, que tem como diácono e Relações Públicas o dramaturgo e ator José Celso Martinez Correa, recentemente agraciado com uma fortuna de R$ 569 mil por ter enfrentado a ditadura, além dos cinco mil mensais a que tem direito na sua regia indenização. Não por acaso, José Dirceu, denunciado pela Procuradoria Geral da Justiça como chefe da gang do mensalão, e mourixaba do petismo oficial, acaba de ser nomeado patrono da Fundação Nemirovsky, detentora de um dos mais importantes acervos de arte moderna do país.

Os santos dessa religião, o Modernismo assimilado oficialmente pela ditadura, são o herói sem nenhum caráter e o comedor de carne humana, o antropófago (representado pelo quadro de Tarsila Amaral, Abaporu, que tem a imagem chupada –já que não foi citada a fonte – de uma foto de Edward West). Dois personagens que na época em que foram criados assumiam o perfil da denúncia, viraram modelos culturais. O herói sem nenhum caráter está em toda parte na corrupção que faz o sistema funcionar e no chamado pragmatismo político, que substituiu o “rouba mas faz” pelo simplesmente “rouba porque é assim é que se faz”.

E a antropofagia, que era uma proposta de reelaboração cultural de influências estrangeiras, é tomada ao pé da letra, pois se celebra o banquete de carne humana baseado na deglutição do bispo Sardinha (exemplo radical de Oswald de Andrade para se fazer entender) como se fosse a coisa em si. Vendo o morticínio e a carnificina nacionais na violência urbana e rural, no trânsito, nos assassinatos políticos, notamos que a metáfora encarnou na realidade sem a transcendência do conceito. Também não é por acaso que a grande proposta do Teatro Oficina, o festim bacante e dionisíaco da vida, faça parte das práticas do submundo do poder, como mostraram inúmeras denuncias.

Um dos vetores do Modernismo,foi o operarismo, espécie de sintonia com as lutas mundiais da classe operária mas que aqui acabou elegendo um falso trabalhador para implantar a atualização do sistema que favorece a indústria financeira internacional. Temos assim que conviver com o paradoxo em que a casca da esquerda está no bolso dos bancos e leva uma grana preta para exercer o papel de laranja da especulação. A oposição, que se deteriorou como direita, desmoralizada na brutalidade dos anos de chumbo, diluiu-se no tucanato de resultados e exerce comportamento endogenamente antropofágico, com lideranças que se entredevoram como se fossem personagens de uma peça oswaldiana do teatro Oficina.

O Modernismo brasileiro assim é a justificativa cultural de um regime que se alimenta de carne humana e processa o poder por meio de personalidades sem nenhum caráter. E também a fonte de deglutição de recursos públicos num país que sucateou o ensino e tornou milionários os apaniguados do poder com seus eleitos recorrentes, dos prêmios literários às curadorias suspeitas.

O Modernismo foi uma reação à macaquice do estrangeiro, uma forma de apontar caminhos para a nacionalidade num ambiente que se desvinculava das tradições seculares. Mas se transformou, via engessamento das consciências e comodismo político, num paradigma, num modelo de pensamento, comportamento e produto cultural. “Como ficou chato ser moderno”, escreveu uma vez Carlos Drummond de Andrade. Agora é pior: ficou perigoso. O Modernismo, do jeito que está, é excludente e permite a fritura decana de Monteiro Lobato e impede que novos protagonistas, opostos às certezas endossadas por decreto, emerjam no cenário cultural do país, entregue às moscas da predação e da barbárie. Trata-se de um ex-Modernismo, que se esconde no talento e coragem de gerações passadas para vibrar o malho da anti-cultura.


RETORNO - Imagem desta edição: Oswald de Andrade por Tarsila do Amaral.

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