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11 de julho de 2011
MÍDIAS SOCIAIS: O DESAFIO TEÓRICO
Nei Duclós
Tudo ficou obsoleto ou passível de reavaliação e atualização depois que a cidadania ganhou status de mídia, especialmente os conceitos sobre cultura, as análises sobre superestrutura, o cânone teórico que permeia a produção acadêmica até o início deste século. Qualquer livro que se leia sobre ideologia ou cultura esbarra no grande caos teórico sugerido pelas mídias sociais, que é ao mesmo tempo arena de debate, expressão múltipla de individualidades, acervo cultural coletivo, instrumento poderoso de marketing, entre outras coisas. Enterra inclusive a vagareza da sintonia entre a produção intelectual e a velocidade das transformações impostas pelos recursos digitais em rede.
O conceito de cultura popular,por exemplo, já tinha ido para o beleléu com a massificação da TV (basta ver o fenômeno sertanojo). Hoje, com novos agentes se manifestando nas mídias sociais, que ampliam geometricamente sua expansão e seu alcance, não existe mais a pirâmide social das idéias, que se entrecruzam e se modificam no embate das mensagens e nas interações midiáticas emergentes. Seria forçar a barra do que está acontecendo? Acredito que não. Não devemos apenas nos deslumbrar com a capacidade de mobilização em insurgências políticas, como acontece desde o golpe de estado do Irã nas suas ultimas eleições, que provocou reação em massa reportada e estimulada pelas mídias sociais. O buraco é mais em cima.
É preciso ficar atento aos saltos proporcionados pela conversa coletiva, em que não apenas frases curtas estão em pauta, mas principalmente os links, que remetem os milhões de autores à diversidade cultural de todos os tempos, já que o universo digital hoje é a nova biblioteca de Alexandria, que não nos ouçam os duendes do fogo e da destruição. Pego um exemplo. Há um vasto contingente humano fixado em música erudita ou na obra de Michel Foucault, por exemplo (não diga que não, basta consultar a rede). A exposição dessas preferências provoca reações e retornos que acabam modificando a percepção original . Se para melhor ou pior, não importa. O que vale é intensa carga de relativização sobre o que entendemos por cultura e isso é anexado naturalmente no imaginário e na realidade (que se confundem) do mundo de hoje.
Vejo com tristeza as manifestações contra as mídias sociais e mesmo a internet por parte de quem está com a vida ganha, notoriedades que atingiram a celebridade nos limites analógicos e que esperneiam diante da concorrência gerada pela computação integrada. Enquanto as redes tradicionais de televisão e da comunicação em geral se esforçam para definir a vilania da internet – para assim poder, via leis, engessá-la e colocá-la no cabresto – algumas celebridades se entregam a um lúgubre canto de cisne, apontando a desfaçatez e a agressividade como hegemônicas na rede. A internet tem de tudo e não pode se reduzida a um papel tosco, de coadjuvante ou de marginal.
Há também seriedade na abordagem por parte de muitos nichos de estudiosos, tanto da comunicação como de outras áreas. Há sempre a ronda do marketing puro e simples, querendo impor a publicidade em todas as manifestações das mídias sociais, como se a cidadania tivesse como destino o consumismo puro e simples, em que o cliente não é gente, mas faturamento. Mas há resistência, ainda pequena, mas determinante. Há muito valor exposto na vitrina mundial dos bits e é preciso abordá-lo com a isenção contaminada pela paixão, que levaou tantos estudiosos, no passado, a gerar um grande acervo de revelações.
Não se trata de transformar o que foi escrito no passado como se fosse inútil, ao contrário. Muitos autores encontraram seu ambiente natural na rede, como aconteceu com Caio Fernando Abreu, Manuel de Barros, Mario Quintana ou Clarice Lispector, exageros de postagens à parte. Muitos teóricos encontram também na realidade virtual um campo de concretização de profecias, como se tivessem previsto a transformação radical que iríamos experimentar.
A verdade é que nada surpreende a humanidade e tudo convive simultaneamente. Precisamos apenas trabalhar com o que temos e não criar obstáculos à compreensão, se encher de cuidados inúteis e esperar não sei o quê. Há urgência, mas é necessário profundidade. E há também a vontade de anunciar, em plano geral, o que pode pegar firme no que está acontecendo, como tentamos fazer aqui.
RETORNO - Imagem desta edição: entrada do Museu Van Gogh, em Amsterdam. Foto de Daniel Duclós.
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