Blog de Nei Duclós. Jornalismo. Poesia. Literatura. Televisão. Cinema. Crítica. Livros. Cultura. Política. Esportes. História.
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30 de junho de 2011
O PASSAGEIRO É ANÔNIMO
Nei Duclós
O passageiro é anônimo
anônimo, anônimo
passa pelos homens
passa pelos ônibus
Mas não passa pelos lobos
pelo fogo das barreiras
quando procuram seu nome
no fundo da bolsa
Com as mãos no pescoço
o passageiro se encontra
RETORNO - 1. Imagem desta edição: cena de Vanishing Point (1971). 2. Poema do livro No Meio da Rua (L&PM Editores, 1979)
29 de junho de 2011
OUTSIDER
Nei Duclós
Não me venha com passeata
com proposta, com pensata
churrasco a pão e vinagre
punhos revolucionários
doações com reportagem
religião de porta em porta
rock in rio ou rave rasta
auto-ajuda, ong falsa
baticum, pagode ou rap
vinho em casa de pé alto
abraços de campeonato
pés que pulam obstáculos
ou almoço de negócios
amizade de trabalho
promessas na happy hour
spa, resort ou pousada
Não me venha com chalaça
vídeo cult, seminário
guru criado em cartola
consultores de embalagem
Tributos ou homenagens
confissões nos altos papos
declarações em compotas
amores feitos de sobras
acenos de mão fechada
cruzeiros sobre sargaços
encontros em meio a tapas
gritos, socos e sopapos
gincanas beneficentes
bailes sem fraternidade
comida metida a besta
luau com lanterna mágica
Não fico fazendo volta
o sol é meu quando passa
o mar me deu um recado
mudei para a estrela Dalva
RETORNO - Imagem desta edição: Luar Sobre o Pampa, obra de Ricky Bols.
28 de junho de 2011
QUADRINHOS E BOBAGENS
Nei Duclós
Certa vez José Onofre foi definido por Luis Fernando Veríssimo como o melhor produto de Bagé em duas pernas. Lembro bem dessa crônica. Foi na Folha Tarde, em 1974 ou 75, na véspera de LFV tirar férias, quando deixaria JO como substituto. Há pouco tempo Onofre foi-se para sempre, deixando pistas da sua personalidade brilhante e contraditória. Escritor magnífico, frasista de mão cheia, intelectual como poucos, jornalista de destaque, foi lembrado como um sujeito complicado numa redação, território de vaidades e traições.
Um dos seus hábitos era achincalhar algum colega tido como erudito ao flagrá-lo lendo gibi, como aconteceu com Jotabê Medeiros, outro exemplar dessa geração de grandes jornalistas. Medeiros conta que, depois de feito o serviço, Onofre lhe arrebatava a revistinha e ia para sua sala se deliciar com as bobagens em quadrinhos. Uma de suas paixões eram as frases dos grandes romancistas policiais como Dashiell Hammett e Raymond Chandler. Gostava de aplicar frases de filmes de ação, como uma de “Os 12 condenados”. Diante de um prato feito no restaurante muito popular da Lapa de Baixo, onde trabalhávamos em São Paulo, disse, citando a frase do filme: “Já pisei nisso. Comer, é a primeira vez”.
No tempo em que tínhamos sólida formação, por aconselhamento de bons professores, ambiente escolar ou só por iniciativa autodidata, a cultura supérflua e descartável era uma das nossas predileções. Hoje, quando o lixo tomou conta de tudo e a qualidade literária foi para o ralo, perdeu a graça. Mas gostávamos demais de repetir as expressões de Tarzan, como “Bandolo matar”, ou as tiradas de Tonto, o índio do Zorro, como na célebre “nós quem, cara pálida?” quando a dupla viu-se cercada de apaches e o mocinho branco achava que ambos estavam ralados.
Cultura também é bobagem, principalmente se for engraçada e compartilhada sem pose, já que esse parece ser o objetivo da asneira, romper com o circulo vicioso da seriedade chata e muitas vezes falsa. Em Blumenau, quando fazíamos o Jornal de Santa Catarina, tínhamos a companhia de Virson Holderbaum, que criava tipos hilários e os interpretava. Um deles era um agente funerário alemão chamado Herr Lubow, de cara impassível , que se curvava diante dos familiares da vítimas e dizia em tom carregado: “Pêêêsames!” isso dito numa cidade fechada, no inverno, era uma forma de afastarmos as nuvens. Outro grande personagem seu era um general chamado Ostil Vanderlei. “Ostil com O”, explicava.
Essa verve era fruto da leitura compulsiva de gibis, imagino. Desde a antiga Billiken argentina, passando pelo faroeste do Cavaleiro Negro, e curtindo as aventuras do Batman, Capitão Marvel e do Marvel Jr., também navegávamos em Bolinha, Tio Patinhas, Pinduca etc. Disputávamos a tapa as revistas e às vezes algum gatuno nos assaltava na fila do cinema, onde íamos trocar preciosidades. Confiscavam até os trocados. Meu irmão deitava na sopa: “Leva dois cruzeiros para a entrada e seis para os batedores de carteira”!, dizia, rindo da minha ingenuidade de mostrar grana e quadrinhos diante de petizes de olho espichado para nossos tesouros.
RETORNO - 1. Crônica publicada no jornal Momento de Uruguaiana. 2.Imagem desta edição: Tonto e Zorro (ou Lone Ranger, que sei eu), cercados, num traço mais recente, de Don Newton.
27 de junho de 2011
PALAVRAS DE JACK, O MARUJO
"Excelente vinho, encorpado, coeso, frutível, com toque suave de madeira nobre. Onde você conseguiu?" Na sua adega, disse Jack o Marujo
"Tem um sujeito que não sai lá de casa", disse o executivo recém casado. "Convide a mulher dele para jantar", disse Jack o Marujo.
Você não vai na festa dos 30 anos da sua turma da Marinha? perguntei para Jack o Marujo."Não tenho com quem deixar minha barriga",disse ele
Jack o Marujo aconselha a lavoura para quem insiste em falar de pesca. "O país é uma merda",diz. "Talvez por isso seja fértil"
"O sr. já amou alguma vez?" perguntou a estagiária. "Sim, mas nunca tive uma recaída", disse Jack o Marujo
Quando decidiu ser marinheiro? perguntou o guri."Quando soube que metade de um peixe poderia ter seios", disse Jack o Marujo, fã de sereias
Que catinga, disse a senhora do vestido florido. Não é sujeira, é macheza, não tem como tirar, disse Jack,o Marujo de olho no colar de ouro
Minha barba vai te machucar, disse Jack, o Marujo, para a sereia. Nada em você me machuca,respondeu a sereia
Ninguém consegue me definir, disse a arquiteta. És flor, mas teu perfume só a ti e a quem amas diz respeito, arriscou Jack, o Marujo
Qual meu problema então? perguntou o grumete. "És um vírtual serial fucker", disse Jack o Marujo. "Precisas abandonar esse hábito"
O sr. leva uma vida saudável, come peixe todo dia, disse a professora. "Não inventaram ainda a picanha submarina", disse Jack o Marujo
"O sr. tuitou alguma vez?" perguntou o estudante. Já, mas não traguei, respondeu Jack o Marujo
"De repente o sr. deixou de declarar. O sr. vive de quê agora?" perguntou o fiscal da Receita."Mato por correspondência" disse Jack o Marujo
"Sim, estou me contradizendo. Portanto, cale-se." (Jack o Marujo)
Se alguém exclamar para Jack, o Marujo "mas como você engordou!" ele responde:"É porque comi a véia e ainda não digeri". Mas ele diz armado
Na Capitania dos Portos, Jack, o Marujo olhou bem nos olhos do atendente e avisou: "Quer ser meu inimigo? Me chame de meu caro"
Jack, o Marujo, arpoou uma baleia branca e foi preso.Nome?perguntou o policial. Call me Ishmael, disse Jack. Ishmael de quê?disse o escrivão
Na época braba, Jack, o Marujo cuidou de alguns prisioneiros."Vou matá-los desta vez",disse,ao ser apresentado às novas autoridades do porto
Jack, o Marujo levou um grupo de consultores de auto-ajuda para um passeio em alto mar. Voltou só, assobiando. Grupo? Que grupo?
Deus criou o homem, depois a mulher, para lhe fazer companhia. E de longe trouxe Jack, o Marujo, que veio para estragar a festa
Ninguém mais oferece Bíblias para Jack, o Marujo. “Não me fale em Deus se você tem curvas” disse ele para uma carola. Lamentável
O que acha dessa divisão entre winners e loosers?perguntei para Jack o Marujo. "No Brasil não funciona. Não temos winners", disse ele
Jack o Marujo lê frases impactantes em livro de anti-autoajuda: "Sentimento é a impaciência do espírito nos intervalos do sexo"
Qual o título do teu livro de anti-autoajuda? perguntei para Jack o Marujo. "Você é Culpado Mas Ninguém Tem Nada Com Isso", respondeu ele
RETORNO - Imagem desta edição: a impressionante entrada em cena de Charles Laughton, no início de Hobson´s Choice (1954), de David Lean
24 de junho de 2011
ESTAÇÕES DO AMOR E DA MEMÓRIA
Nei Duclós
Levei pouca coisa. Uma flâmula do colégio.Um livro emprestado. Dois cadernos em espiral meio preenchidos. E teu retrato, sépia de tanto amor
No fundo, não levamos nada, apenas um coração e algumas palavras
Já era hora, disse o anjo. Olhei para trás pela última vez. Lá estava meu tambor, ainda intacto, aceitando o som que lhe fazia o vento
Não tem valor o que me dizes, avisou o mensageiro dos plenos poderes. Deixe de despedidas e volte para o que te pertence e não nos interessa
O navio te espera até o último aviso. Depois levanta âncora, onde se dependuram duendes, que cruzam o mar em busca de sereias
E porque o sr. vai se mudar? perguntou a vizinha. Foi a Lua, respondi. Reclamou que não conseguia se ver mais no espelho riscado do meu sono
“O pessoal do conserto está aí", me disseram. Mostrei então problema: poemas vazavam do sótão e as palavras se acumulavam no corredor
"E o que o sr. vai fazer com estas memórias?" perguntou o encarregado da mudança. "Deixa na calçada", respondi. "Há de ter alguém que leve"
São apenas pássaros, disse o pai para meus ouvidos assustados. O pior ainda está por vir, quando o Tempo estender um lençol sobre as árvores
Depois de desfilar, tirei o uniforme e fui ver a beira barrenta do rio. Lá fiquei por toda a eternidade
DE MÃOS DADAS
Treinamos o andar de mãos dadas, antes de estrearmos na manhã de inverno. Fizemos bonito, você de manta vermelha e um sorriso escancarado
Era o amor e eu achei que seria assim o tempo inteiro. Mas vieram os intervalos, quando saímos por qualquer motivo e esquecemos de voltar
Agora você não pode adiar mais, disse ela. Cansei de amar sem companhia. Pegue o próximo trem, que vou inaugurar só para a tua viagem
RETORNO - Imagem desta edição: cena de Oito e Meio, de Fellini.
NOTÍCIAS DE DIDI
Com três anos e meio de atraso, soube que Nidia Ribeiro morreu em novembro de 2007, aos 59 anos, segundo depoimento do viúvo, o ator e comediante Agildo Ribeiro. Didi Chiarelo, como era chamada quando solteira, foi a mais bela criatura da minha geração, em Uruguaiana. Tornou-se bailarina do Teatro Municipal do Rio e dali foi para o Balé do João Carlos Berardo, da TV Globo, quando conheceu o futuro marido, com quem foi casada por 35 anos. Agildo vinha de outros casamentos. Era 17 anos mais velho. Não tiveram filhos.
“Namoramos, nos apaixonamos”, conta Agildo. “É o ser humano mais completo que já vi na vida. Antes de morrer, em 79, minha mãe disse que já podia ir embora em paz porque eu estava com a mulher certa. Minha vida se resume a antes da Didi e depois da Didi. Eu era um louco que dinamitava dinheiro sem a menor pena. Ensinou-me a economizar, a investir. Tudo o que tenho hoje foi graças a ela. Casamos depois de 17 anos de namoro. E, para escolher a data do casamento, tivemos um lampejo marxista: foi no dia 27 de novembro de 1989, data em que se lembravam os 54 anos da Intentona Comunista.”
O ator é filho do tenente Agildo Barata,que despontou para a vida pública na Revolução de 1930, quando dividiu com Juarez Távora a glória da vitória no Nordeste. Mais tarde foi preso de pijama na revolução de 1932, que fora desencadeada no dia 5 de julho, por Julio de Mesquita, antes da data marcada, dia 17. Agildo Ribeiro nasceu em abril de 1932, quando o pai estava na conspirata e não queria filhos naquela altura. Barata também participou da quartelada de 1935, apelidada pelos militares de Intentona, o golpe de estado contra um governo eleito por Assembléia Constituinte..
Didi era filha de Antonio Chiarelo, líder dos bancários e do partido socialista nos anos 50, quando se uniu aos trabalhistas para ganhar força de urna. Chiarelo foi um dos melhores prefeitos que Uruguaiana teve, junto com o Iris Valls, dois brilhantes administradores. Esses antecedentes políticos familiares devem ter influído na aproximação do casal.
Apesar de bela, inteligente, talentosa, Didi tinha sumido do mapa. Dela há pouquíssimas fotos na internet, assim mesmo sempre acompanhada do marido. E Didi teve notoriedade, pois nos anos 70 era um dos destaques da apresentação do Fantástico. Era a mais bela loura daquele balé global, que a todos encantava. Como pode uma jóia dessas passar a vida anonimamente e morrer como seu viúvo descreve? “Morreu de câncer no pulmão, por causa do cigarro”, disse Agildo para a revista Quem. Houve também um agravante de subnutrição, provocada pelo uísque, segundo Agildo.
Em Uruguaiana, no esplendor da sua mocidade, Didi despertava aquilo que chamam de paixonite juvenil e todos sabem que é o primeiro amor, jamais esquecido, mesmo não correspondido. Era um mito que Agildo, que interpretava o professor de Mitologia, guardou a sete chaves. Foi-se em silêncio, como um pote de mel ardente que se derrama aos poucos e se espraia na memória como um pássaro de luz. Soube de sua morte no último dia 12 de junho, um domingo.
RETORNO - 1. Crônica publicada no jornal Momento de Uruguaiana. 2. Imagem desta edição: obra de Degas.
22 de junho de 2011
CHICO E GARDEL: MANO A MANO
Fiquei invocado com as coincidências entre duas canções, a Mano a Mano ( de Gardel e José Razzano / Celedonio Flores) e Quem Te Viu Quem Te Vê, de Chico Buarque. São completamente diferentes na melodia e na letra, mas tem pontos em comum no mote, no assunto, na narrativa e no desfecho. Nas duas, um narrador ressentido fala para uma mulher que foi um dia dele e que usufruiu do dinheiro e do prestígio depois de abandoná-lo. No desfecho, o mesmo deboche, mas em situações diversas. Na canção argentina, a mulher está na pior financeiramente, na brasileira ela continua por cima, mas certamente saudosa do que foi um dia. Em ambas, o narrador deita e rola ao fingir solidariedade à mulher que o traiu.
A seguir, coloco as duas letras com estrofes alternadas. As duas tem seis estrofes cada uma, sendo que na argentina são de cinco versos e na brasileira de quatro.
Rechiflao en mi tristeza, te evoco y veo que has sido
de mi pobre vida paria sólo una buena mujer
tu presencia de bacana puso calor en mi nido
fuiste buena, consecuente, y yo sé que me has querido
como no quisiste a nadie, como no podrás querer.
Você era a mais bonita das cabrochas dessa ala
Você era a favorita onde eu era mestre-sala
Hoje a gente nem se fala mas a festa continua
Suas noites são de gala, nosso samba ainda é na rua
Se dio el juego de remanye cuando vos, pobre percanta,
gambeteabas la pobreza en la casa de pensión:
hoy sos toda una bacana, la vida te ríe y canta,
los morlacos del otario los tirás a la marchanta
como juega el gato maula con el misero ratón.
Hoje o samba saiu, lá lalaiá, procurando você
Quem te viu, quem te vê
Quem não a conhece não pode mais ver pra crer
Quem jamais esquece não pode reconhecer
Hoy tenés el mate lleno de infelices ilusiones
te engrupieron los otarios, las amigas, el gavión
la milonga entre magnates con sus locas tentaciones
donde triunfan y claudican milongueras pretensiones
se te ha entrado muy adentro en el pobre corazón.
Quando o samba começava você era a mais brilhante
E se a gente se cansava você só seguia a diante
Hoje a gente anda distante do calor do seu gingado
Você só dá chá dançante onde eu não sou convidado
Nada debo agradecerte, mano a mano hemos quedado,
no me importa lo que has hecho, lo que hacés ni lo que harás;
los favores recibidos creo habértelos pagado
y si alguna deuda chica sin querer se había olvidado
en la cuenta del otario que tenés se la cargás.
O meu samba assim marcava na cadência os seus passos
O meu sonho se embalava no carinho dos seus braços
Hoje de teimoso eu passo bem em frente ao seu portão
Pra lembrar que sobra espaço no barraco e no cordão
Mientras tanto, que tus triunfos, pobres triunfos pasajeros,
sean una larga fila de riquezas y placer;
que el bacán que te acamala tenga pesos duraderos
que te abrás en las paradas con cafishios milongueros
y que digan los muchachos: "Es una buena mujer".
Todo ano eu lhe fazia uma cabrocha de alta classe
De dourado eu lhe vestia pra que o povo admirasse
Eu não sei bem com certeza porque foi que um belo dia
Quem brincava de princesa acostumou na fantasia
Y mañana cuando seas deslocado mueble viejo
y no tengas esperanzas en el pobre corazón
si precisás una ayuda, si te hace falta un consejo
acordate de este amigo que ha de jugarse el pellejo
p'ayudarte en lo que pueda cuando llegue la ocasión.
Hoje eu vou sambar na pista, você vai de galeria
Quero que você me assista na mais fina companhia
Se você sentir saudade por favor não dê na vista
Bate palma com vontade, faz de conta que é turista
21 de junho de 2011
ALMA NO MIOLO DO DESERTO
Nei Duclós
Alma no miolo do deserto
corpo exposto, pedra miúda
fio do pó no pulmão sem sopro
exangue arbusto de agulhas
Cães empoleirados nas estopas
restos de comida e outros lixos
brutos reunidos para o almoço
combinam o Tempo bater sino
Ficaste só, e todos estão mortos
gritos de quintais e cais de acenos
submergem na cadeia dos minutos
Tens apenas o coração, eis o teu rosto
como flor temporã deixando rastro
relógio barato, mas que funciona
RETORNO - Imagem desta edição: Monica Vitti em Deserto Rosso, de Antonioni.
20 de junho de 2011
ECONOMIA: OPOSIÇÃO À LÓGICA PERVERSA
Volto ao tema da indústria financeira e a ditadura que ela impõe ao mundo, alimentando-se da economia realmente existente para gerar uma espuma de grana virtual que suga o suor das nações. Sua perversidade está clara quando prega o corte em serviços essenciais para honrar a desonra, ou seja, os juros extorsivos das dívidas. A corrupção, nesse ambiente, torna-se elemento essencial para que o sistema funcione, pois é preciso que se desvie a verba dos impostos e das riquezas para a especulação. Isso esvazia o caixa da sobrevivência e engorda o dinheiro que some pelo ralo (o bolso dos megaespertalhões). No Twitter, ataquei o assunto em algumas frases que reproduzo a seguir.
Economia de uma nação deveria ser um sistema que protegesse a cidadania, a saúde e a educação e punisse a especulação, e não o contrário
A sobrevivência de um país é soberana e deve se impor ao lucro sem freios,à dinheirama virtual,ao rombo das finanças públicas e à corrupção
Credores da Grécia são bancos franceses e alemães.Chefes de estado da França e Alemanha dão declarações. Os banqueiros jamais são convocados
A lógica da especulação, da indústria financeira que transforma dívida em receita, usa argumentos da economia real. Puro embuste.
A Grécia não precisa pegar bilhões de euros para tapar seu rombo. Jamais conseguirá. Nem cortando em saúde e educação vai solucionar a crise
Bancos deveriam ser entidades profissionais competentes de serviços públicos imunes à manipulação da especulação ou do Estado
Deve-se enquadrar os bancos e destruir a indústria financeira que abre rombos nas finanças públicas e depois exige cortes na educação/saúde
A inadimplência dos países tem a ver com o desvio, pela corrupção, do orçamento público para a multiplicação irresponsável dos lucros
Toda vez que um país entrasse em estado de inadimplência, banqueiros deveriam comparecer à delegacia mais próxima para dar declarações
Com juros extorsivos, banco anexa empresas endividadas e se transforma em holding corporativo. Um escândalo da economia encarado como normal
Depois da classe média e dos aposentados, foi a vez da classe C entrar no círculo da inadimplência,graças ao crédito podre.O país está na mão
A chamada classe C está endividida e cai na inadimplência. É o fim da "ascensão" social via crédito podre. Um suborno político funesto
Com o país na mão, endividado até a décima geração, a indústria financeira deita e rola.Sucateia indústria, gera miséria e leva grana embora
Em favor do lucro fácil, ganho na maciota com a decretação de juros bandidos, propõe-se o corte em serviços essenciais. Lógica de quadrilha
Imobilizar metade das nossas reservas em titulos do Tesouro americano, que não rendem nada, é para garantir o pagamento dos juros da dívida
Divisa é dólar consignado:governo retém moeda estrangeira para pagar serviços da dívida de US$ 1,8 tri. E "investe" metade no Tesouro gringo
Aí vem o Bonner dizer que o Brasil é credor dos EUA,o governo que o Brasil empresta ao FMI. E analistas fazem cara de produção de pensamento
Esse dinheiro é da ditadura financeira,gerenciado pelo FMI.O Brasil é um laranja.Não "empresta" ao FMI nem é "credor" dos EUA
A unidade financeira do Brasil não é o real, é a dívida, nossa verdadeira moeda. Quanto você deve define sua classe social
Dívida americana: Brasil põe grana no Tesouro dos EUA,que rende 2% ano. Perde US$ 26 bi/ano.Custo do dinheiro é de 11,5%
Ou seja: o Brasil remunera regiamente o dinheiro especulativo americano aqui dentro e joga dinheiro no ralo lá nos EUA, por "segurança"
Na lógica do JN e da maquiagem econômica, Brasil é "credor" da divida americana. Empatamos metade das reservas em titulos do tesouro gringo!
Somos colônia da ditadura financeira internacional pois estamos engessados na lógica perversa da especulação
Mas é tocante ver o casal do JN, a cavaleiro num país "credor" fazer tsk tsk para a Grécia, onde o povo peita o poder da ditadura financeira
RETORNO - Imagem desta edição: manifestações dos gregos em fente ao Parlamento. tirei daqui.
18 de junho de 2011
MINHA ALEGRIA É TUA PELE LISA
Nei Duclós
Minha alegria é tua pele lisa
deslizar nela arranca gritos
de um prazer que estava ao desabrigo
Tropecei em muita carne morta e triste
antes de pôr a mão no teu seio
e minha doce água envolver-te
Um poema, por mais belo, não chega
onde aportamos, nus em pelo
com fogo nos olhos e línguas livres
a sentir o gosto salgado do amor
Por isso calo num gemido
e te derrubo com meus braços finos
RETORNO - 1. Poema do meu livro Outubro (IEL-A Nação, 1975). 2. Imagem desta edição: Marilyn in bed, foto de Milton Greene.
OLHAR DE FRENTE
Nei Duclós
Não há deserto num olhar de frente
nem vento que misture a espuma
basta o cabelo emoldurando o espelho
e um rosto claro como o sol na duna
Você, horizonte, posição incerta
refém de estrela. Quando há mistério
um rosto vale a pena. Superfície
que o mergulho busca o flerte
Mar, além do ser: menor, ao teu redor
O mar, a teu dispor. Melhor assim, te ver
no avesso, sem esperança do começo
Tudo se costura num soneto, esqueço
a foto que jamais me deste. Reconheço
o aceno sem sossego. Só falta o beijo
RETORNO - Imagem desta edição: obra de Magritte.
17 de junho de 2011
O SINO DA ESTAÇÃO
Nei Duclós
Mais um serão poético no twitter gerou os post-poemas a seguir, que giram em torno de uma despedida, do amor que não se concretiza, do eclipse, entre outros vestígios . Para complementar, alguns conceitos pelo avesso sobre ética e jornalismo.
Agora se conforme, disse o anjo. Volte para seu corpo. Ainda há tempo de fazer as pazes com o Destino
Poderia ter insistido, amor perdido. Mas desisti cedo demais, quando ainda podia mudar a direção das velas e preparar a recepção no cais
Pronto, passou. O dia virou a página. Desembarcamos no exílio, bem no início da madrugada. Uma fogueira vela a noite, como um fantasma
Fique, falei. Mas ela escutou apenas o sino da estação, que se sobrepôs ao meu pedido
Adeus, me disse. E subiu no ônibus, sem desgrudar os olhos. Ficou assim, muda, pendurada no amor que compartilhamos e que se foi para sempre
Quando o relógio junta ponteiros, a poesia corre atrás de quem foge e não deixa pistas. Só fica esse sapato jogado fora, sem pé que sirva
Um cometa cruza o espaço do poema. Atrai o verso com sua elipse. Depois some, levando a alma de quem ama
Nada faz sentido, amor distante. É bom que estejamos separados por mar e continentes. Próximos, fugiríamos. Longe, somos indissolúveis
Acumulo o que não possuo. Me desfaço do que me falta. Vou atrás do que jamais se entrega. Desisto quando encontro. Depois, recomeço
Perto da meia noite, voltava para a casa na rua abandonada. Uma luz bateu no muro, com o ruído de alma de outro mundo. Corri, mas era tarde
Fomos nos despedir da cidade.Estávamos no outono.Pássaros migrantes fugiam para o sul.Íamos em outra direção, para onde apontavam os navios
Poesia é verbo que se fez nuvem. E é tão espessa que dá para cortar em pedaços como um algodão de estrelas
Já estivemos aqui e voltaremos. Fomos vento, depois pedra. Até que a criação nos tocou com seu amor violento
Ontem, o eclipse, máscara de barro que preparou o esplendor de hoje. E a Terra deve ser o seu espelho
Falar de amor é demagogia quando exercê-lo é uma impossibilidade. Sonhamos o amor na cama feita do desencontro
A Lua é caprichosa. Usa um biombo, as nuvens, para se trocar e aparecer lampeira, toda maquiada de luz
As nuvens deram uma folga e o eclipse apareceu. Tiraram uma tampa da Lua! É tal e qual uma laranja cortada
Fechei para balanço. Oscilo entre o grão e a nuvem, numa redoma que atende pelo nome de Lua cheia
ANTI-CONCEITOS
Amor é um metal semi-precioso só encontrado em morros de granito situados nos contrafortes da Serra Geral
Princípios são brinquedos de plástico acumulados em sarjetas depois das enxurradas
Idealismo é um jogo de botão que os astronautas inventaram quando os primeiros acidentes no cosmo viraram rotina
Ideologia é uma espécie de massa feita com féculas de beterraba selvagem, só encontrada em encostas dos Apeninos
Respeitar opinião é uma espécie de ida ao shopping onde só vendem quinquilharias
Trocar idéias é uma ficção escrita em papiros descobertos nas escavações do alto Nilo no século XIX, e mais tarde abandonados
Discutir propostas é um torneio medieval exercido por povos que mais tarde foram anexados aos pântanos da Baixa Eslobóvia
Quando alguém fala contigo virando a cara para o lado é porque está economizando olhar para coisas mais importantes
Link em shopping em data festiva não é cobertura jornalística, é departamento comercial
Notícia é reportagem. Má notícia é diagnóstico médico
Notícia é jornalismo. Boa notícia é propaganda
Matéria humana é a que sente pena dos animais
Jornalismo investigativo é a reportagem escrita pelos escrivães
Jornalismo literário é quando o jornalista lança mais livros do que os autores que reporta
Jornalismo opinativo é quando a sua opinião coincide com a do dono do jornal
15 de junho de 2011
O DISCURSO DE RUPTURA NO CINEMA
Nei Duclós
A sociedade do espetáculo vende o que prega, não o que pratica. Amor, princípios, ética, honestidade,solidariedade devem se sobrepor ao pragmatismo, à morte, ao ódio, à vingança, à ganância, que são a rotina da vida real. Vimos como a publicidade falava em saúde vendendo gordura artificial e energia com energéticos artificiais colocados nos produtos alimentícios. No cinema o espectador é mais exigente e é preciso gerar uma dramaturgia que leve a um desfecho favorável. Leva-se em conta que a vida é assim mesmo, complicada e contra o coração humano, mas isso pode mudar, pelo menos no pacote de boa vontade exposto no mercado do entretenimento.
Temos, em conseqüência, sempre um ponto de mutação entre o mal hegemônico e o bem que emerge graças a algum evento extraordinário que tira o protagonista da rotina. Os bons sentimentos então se impõem à avassaladora presença do dinheiro e do prestígio. A bondade rompe a rede maligna por meio de uma fala decisiva, o discurso de ruptura no cinema.
A origem é nobre, não o que foi feito dela. O discurso de ruptura no cinema foi inventado por Charles Chaplin no final de O Grande Ditador (1940). Não conheço antecedentes, mas se existem, não tira o mérito do gênio que elevou essa solução cinematográfica ao esplendor. Todos conhecem a história. O ditador da Tasmânia é convidado a discursar para as massas e nesse momento supremo, decisivo, em que todos estão prestando atenção numa única pessoa, que vai definir seu status de poder, algo se quebra. Lembrei de Chaplin ao tentar costurar os vários discursos de ruptura em filmes variados e quem sempre abordam a mesma situação: é quando o orador fala a verdade e contraria assim os próprios interesses em favor de algo maior.
Há exemplos de sobra, vou só elencar alguns. No filme Kate & Leopold (2001), Meg Ryan é a executiva que enfim chega ao topo, é anunciada como chefe do escritório da sua corporação em Nova York. Ele começa seu discurso de maneira tradicional, dizendo como é bem sucedida ao fazer o que todos querem, mas aos poucos cai em si e fala que deve deixar tudo em favor de um princípio, uma grande paixão. Matt Damon no recente Os Agentes do Destino (The Adjustment Bureau, 2011) é um jovem candidato a senador que conhece uma mulher num banheiro, é fisgado por ela e na hora de discursar depois da derrota eleitoral diz que esteve mentindo o tempo todo. E o mega bem sucedido funcionário de uma empresa que é paga para demitir pessoas, interpretado por George Clooney em Amor sem Escalas (2009) faz o mesmo: abre mão da posição para confessar sua renúncia do cargo em favor de um grande amor.
O general americano da II Grande Guerra interpretado por George C. Scott no filme de 1970, Patton (papel que lhe deu merecidamente o Oscar) é obrigado a fazer um discurso pedindo desculpas por ter ofendido um soldado. Ele acaba se desculpando , mas não abre mão de sua verve e faz todo mundo cair na gargalhada no início da fala. Ele rompe com o esperado dizendo que estava ali para dizer o quanto era um grande filho da puta. Diz a verdade e mostra como estava contrariado em ter que pedir perdão por algo que ele achava justo (bateu num combatente que fugiu do front por ter sentido medo).
Quando enfim consegue vencer os facínoras que vieram lhe matar e aterrorizar a cidade na hora em que se retirava do seu papel de Xerife, Gary Cooper em High Noon (Matar ou Morrer, 1952) tem seu instante de transgressão. Não faz um discurso, mas olha par todos os que o abandonaram e joga a estrela de lata na areia. É o corte mudo em palavras, mas contundente no gesto e na imagem inesquecível.
Depois do macartismo, que eliminou a crítica verdadeira do cinema americano e abriu a guarda para as barbaridades que temos hoje, o discurso de ruptura no cinema diluiu-se em comédias românticas ou filmes falsos sobre política. Nunca mais tivemos um momento grandioso como o de Gregory Peck no final de O Sol É Para Todos (1962, To Kill a Mockingbird), em que ele faz o papel do advogado que livra da pena de morte um trabalhador inocente, negro. Peck termina sua fala, vence na parada e espera todos saírem do recinto. Só ficam, no mezanino,confinados, a família e toda a comunidade de negros da pequena cidade. O filho do advogado está com eles e permanece sentado enquanto o pai se retira lentamente. Ao que a senhora, mãe do acusado enfim liberto, adverte: “Fique de pé, menino, que o seu pai está passando”.
RETORNO - Imagem desta edição: Matt Damon em Os Agentes do Destino.
14 de junho de 2011
IMAGENS SOLENES
Nei Duclós
O grande impacto visual da mocidade foi uma sessão de Os Dez Mandamentos, de Cecil B. de Mille, no novo cinema Corbacho, que tinha feito uma reforma e estendido o mezanino até o teto, com poltronas logo abaixo do facho de luz da projeção. “Aqui é suave” disse alguém, para expressar a emoção e o deslumbramento das novas instalações, diante de um filmaço em cinemascope. O filme era tão comprido que imagino nunca ter saído dele e ainda estou lá, com amigos e as possíveis namoradas vistas de longe. Havia um intervalo para o guaraná, mas voltamos e permanecemos para todo o sempre, vendo o mar Vermelho se abrir e Charlton Heston descendo do Sinai transfigurado pela revelação das leis divinas. “Ele era o Moisés”, nos dizia o Gilberto Gick, sacando profundamente o ator que se transfigura no ofício e encarna o personagem de verdade.
As imagens tinham grandeza. Eram como um altar-mor permanente, com esculturas sagradas. Cenas bíblicas, como as de Fulvio Pennachi na nossa catedral Santana, nos levava para o alto. O toscano Pennachi ambientou Jerusalém na sua Italia perdida e foi assim que vemos Nossa Senhora no parto deitada numa cama rodeada de parentes, em casa com varandas que dão para campos de oliveiras, entre outras preciosidades. Tínhamos formação na solenidade visual . Os faroestes ou filmes de aventuras ou mesmo os grande musicais e comédias românticas nos repassavam esse esplendor para os olhos, pois políticos, religiosos, educadores, a tradição, a família queriam nos ver de olhos bem abertos para o fato grandioso de existirmos num mundo que girava em torno de uma estrela e navegava pelo espaço vestindo azul, como notou o primeiro astronauta, que também adicionou novas imagens espetaculares à nossa vida.
Mesmo folheando uma revista tínhamos a visão desse excesso. Tudo sobrava. As atrizes maravilhosas, com seu gênero bem definido pela volúpia das formas que encantavam nosso olhar, as fotos de cidades gigantescas, opostas à fronteira onde vivíamos. Mas Uruguaiana também não ficava atrás. Os arcos da ponte, o rio nas cheias, os campos infinitos, as torres da Igreja, as ruas e calçadas largas, eram os elementos desse acervo que nos pegava pela emoção de enxergar muito acima e além do que nos cercava. E se isso nos faltasse de alguma forma, bastava olhar para o céu estrelado, em qualquer estação, a grande lua amarela do verão, as rápidas luzes dos satélites cruzando enigmaticamente as constelações. E o por-de-sol nas águas do Uruguai. Além, é claro, dos amores de nossa vida que passavam na calçada pisando em nuvens e nos mantinham sob o jugo do amor jamais correspondido.
Hoje vejo a hegemonia das imagens vadias, tudo atirado de qualquer forma, as cenas repetidas dos filmes, a chatice dos apelos, a mesquinharia das danças. Perdemos essa noção de grandeza que nos encantava. Pelo menos para quem era foi garoto naquela época, e tudo parecia permeado pela esperança e pela transcendência.
RETORNO - 1. Crônica publicada no jornal Momento de Uruguaiana. 2.Imagem desta edição: "Carmen - Coat by Pierre Cardin - 1957". Tirei daqui.
13 de junho de 2011
DUAS IMPLICÂNCIAS NO TWITTER
Fiz algumas frases no twitter implicando com essas duas coisas. Uma : palavras como podcast, que viram moda de uma hora para outra e todos saem dizendo como se conhecessem desde criancinha e ficam te olhando para detectar alguma estranheza, o que é prova inconteste da tua incompetência. Outra são vizinhos. Neste post verão porquê.
PODCAST
Encaro o convite "ouça o podcast" como uma ofensa pessoal
"A podcast is a series of digital media files that are released episodically and often downloaded through web syndication".Viram?
Agora já sei. Podcast é uma série de arquivos digitais que released episodically and often downloaded through web syndication. Moleza
Você se comporte senão eu chamo um podcast!
Descobri o que é um podcast! É um "non-streamed webcast". Fácil
Nada como um podcast atrás do outro
Toda vez que um podcast se aproxima da Ursa Maior há uma explosão de supernovas nos confins da Via Lactea
Podcasts dão em tablets assim como manjericão no estrume
Robôs aplaudem assim: tablets, tablets, tablets
Manhê, saiu um podcast na minha pele...
Chega de demagogia. Precisamos de saúde, educação,segurança, podcast
Best-sellers: O Podcast de Kabul - O Podcast e o Executivo - Podcast para Elefantes - O Pequeno Podcast - Obrigado por Podcastar
VIZINHOS
Quem vai morar no espaço ao lado aqui no Paraíso? perguntou a boa alma. Ninguém, respondeu o anjo. O paraíso não tem vizinhos
"Que barulho infernal! Quem são essas almas penadas?" perguntou Dante. "São vizinhos", respondeu o Guia
Vizinho que toca tua campainha, em qualquer ocasião, é o cânone do pesadelo
Vizinho é aquele que passa de calção o dia inteiro na frente de casa e ainda pergunta se você trabalha
Vizinho é aquele que inova no som: coloca algo que mistura música mexicana com cançonetas toscas alemãs com sotaque de caminhoneiro
Vizinho é aquele que coincide a entrada e a saída do carro e quando você recebe visitas liga uma moto serra
Vizinho é aquele que escuta tuas conversas e as reproduz no próprio ambiente, se apropriando da autoria
Vizinho é aquele que berra o dia inteiro, põe som alto e quando sai deixa o cachorro ganindo
O cachorro do vizinho foi abandonado dentro da garagem e agora não está mais ganindo, está colocando o estômago para as nuvens
O volume do som do vizinho é indecente sob qualquer aspecto e merece no mínimo uns dez anos de cadeia
RETORNO - Imagem desta edição: radiola. Tirei daqui.
ALGUMAS CITAÇÕES IMPORTANTES
Fiz um rápido apanhado de citações de alguns autores sobre o que escrevo aqui ou publico na imprensa impressa. Vai na sequência:
MARIO QUINTANA: A METALINGUAGEM NUMA ENGANADORA SIMPLICIDADE, de João Batista de Lima, professor da Universidade de Fortaleza e da Universidade Federal do Ceará
Esse percurso feito por Quintana da palavra ao verso, para chegar ao metapoema, transcorre aparentemente tão sutil, tão simples que só se pode traduzir nessa expressão: “é uma simplicidade enganadora.” O menino por trás da janela, como o poeta se auto-define, pode ser um poeta por trás da janela com todo o domínio da imagem que se descortina mas sem poder de ordenação. Portanto essa simplicidade de Quintana, esse alheamento às normas impostas pelos estilos de época, tornou-se singular na sua obra. Daí a conclusão de Nei Duclós de que: “Ele sobreviveu aos passadistas escandalizados com o verso livre, aos modernistas que vaiavam o soneto, aos concretistas alérgicos ao discurso, aos épicos que odiavam o lirismo, aos românticos chocados com a crueza. Enfrentou também os engajados que confundiam ironia com alienação, os pretensos cosmopolitas que o acusavam de provincianismo, além dos entendidos que procuraram segurar o anjo pelas asas, quando tentaram enquadrá-lo num xadrez historicista, estruturalista, marxista, reacionário ou simplesmente pedante”. (1992:11).
DUCLÓS, N. O flagelo do Senhor. Jornal Zero Hora, Porto Alegre, 25 jul. 1992.
RETRATOS FALADOS: a transfiguração do jornalista no imaginário popular em Nelson Rodrigues, por Juliane Maria Mathiole da Silva (Aluna do Curso de Comunicação Social).Monografia apresentada à Banca Examinadora na disicplina Projetos Experimentais.UFJF FACOM 2. sem. 2002
O que se cobra de um bom profissional é o senso crítico, a capacidade de observação, a sabedoria de distinguir o importante do eventual, a capacidade de ligar fatos e saber ouvir, atuando de forma objetiva, clara e imparcial, escutando todos os lados. E, além disso, ser humilde, como comenta Nei Duclós: O jornalista não é, realmente, aquele que sabe, é o que procura saber. Não está a cargo, do jornalista, vulgarizar a linguagem, torná-la acessível artificialmente. Ele precisa arrancar da fonte a chave do enigma. Para isso precisa perguntar, precisa ter humildade para assumir que não sabe
DUCLÓS, Nei. Quem tem área é futebol. 2002. Redação sem máscara – textos de memórias sobre jornalismo. Disponível aqui.
100 ANOS DE PROPAGANDA EM SANTOS, de Cinara Augusto e Marco Antonio Batan, publicitários há mais de 30 anos. Doutores em Ciências da Comunicação (USP).
Conversando no bar (Saudades dos aviões da Panair), de Milton Nascimento e Fernando Brandt, na magistral interpretação de Elis Regina em 1974, foi criada dez anos depois do golpe de 64 e tornou a extinção da Panair símbolo nacional da prepotência militar, para não deixar esquecer esse tempo, conforme Nei Duclós (18.05.2009). A música/letra tem tudo a ver com Santos, referindo-se à Panair e aos bondes, absolutamente integrantes da identidade santista, ainda que não conste tenha sido essa a intenção dos autores mineiros.
Duclós (18.05.2009), poeta e jornalista, faz a leitura da letra de Brandt, enfatizando que ela trata poeticamente da ditadura:
“Lá vinha o bonde no sobe e desce ladeira”. Os bondes não poluíam, eram uma maravilha urbana. A ditadura cuidou de destruir tudo, embalada pelo precedente aberto pelo JK, que sucateou toda a linha férrea brasileira num acordo de gaveta com os gringos, para ficarmos totalmente dependentes da gasolina e do óleo diesel. “E o motorneiro parava a orquestra um minuto./ Para me contar casos da campanha da Itália/”. O motorneiro tinha a manha de parar o bonde (a “orquestra” era o barulho do veículo) para conversar com os passageiros. O que ele conversava? Sobre a campanha da Itália. Qual foi ela? A da FEB – Força Expedicionária Brasileira, criada por Getúlio Vargas para combater o nazi-fascismo na Europa. Havia uma linhagem da memória: o veterano de guerra contava histórias para o menino na viagem de bonde. Isso chama-se civilização brasileira. “E de um tiro que ele não levou/levei um susto imenso nas asas da Pan Air”. O tiro que ele não levou significa que sobreviveu. É parecido com o grande peixe que escapou: a aventura é contada por meio do drama, do suspense, despertando a curiosidade. O fato relembrado é quase uma anedota. O humor grudado à dor. E o verbo “levar” aqui serve para fazer a ligação da cena do bonde com a do avião. O susto do veterano diante da morte, que repassa ao menino, levanta vôo nas asas da mítica companhia, a que representa o Brasil assassinado. É hora do garoto se assustar. O susto que ele - e o resto do país - levou. “Descobri que as coisas mudam e que o mundo é pequeno nas asas da Pan Air” (...)
DUCLÓS, Nei. Blog. A fala oculta. Disponível em http://bit.ly/ltp6Rq
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO - SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO/ PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE /UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE/ MATERIAL DIDÁTICO /OAC/ PROFESSORA SILMARA HAMMERSCHMIDT/ 1.2 ÁREA: MATEMÁTICA/ NÚCLEO REGIONAL: PATO BRANCO
Identificação do Conteúdo: Matemática Ensino Fundamental/ Conteúdo Específico: Ponto, reta e plano
A Geometria do jogo (Esportes)
Nei Duclós
Produção jornalística de autoria do poeta, jornalista e escritor Nei Duclós. Ele escreve sobre a relação entre o jogo de futebol e a geometria. Relata a influência e aplicabilidade dos conceitos geométricos para determinar os limites do campo, as regras, as estratégias de jogo, os passes dos jogadores de futebol. Leitura agradável e que desperta a atenção pelas comparações, definições e aproximações do conteúdo abstrato com fatos concretos do dia-a-dia. Sugestão para trabalho interdisciplinar com as disciplinas de Português, Educação Física e Artes.(Publicado no site de Nei Duclós. 28 de Maio de 2005.)
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ/ CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTESPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS/ GIULIANO HARTMANN/ VIDA FLUÍDA E ESCRITA PERVERSA: A QUESTÃO IDENTITÁRIA EM A CÉU ABERTO DE JOÃO GILBERTO NOLL/ MARINGÁ 2011
Seus personagens são assim construídos por uma perspectiva minimalista, ausência de ornamentos e um enfoque fechado nos efeitos descritivos desses mínimos cotidianos que são incorporados ao ato de narrar. Nessa perspectiva, Nei Duclós (2004), ao comentar Hotel Atlântico, reitera que “Noll revela-se contra os conceitos gerados pelo hábito, pelas certezas ou até mesmo pela preguiça. Não quer ser enquadrado como escritor intimista, mesmo reconhecendo suas preocupações com a subjetividade” (DUCLÓS, 2004).
DUCLÓS, Nei. Orelha. In: NOLL, João Gilberto. Hotel Atlântico. São Paulo: Francis, 2004.
CURSO: LABORATÓRIO DE JORNALISMO IMPRESSO 2 (CESNORS/UFSM)
Texto usado: O que é reportagem?
“EU EXISTO PELO NOME QUE TE DEI”: ANA C. POR BERNARDO CARVALHO. Tese de André Luís de Araújo apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras – Estudos Literários, da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Doutor em Estudos Literários. Faculdade de Letras da UFMG. 2009
Nesse Elogio da Sombra, segundo Nei Duclós, não é a treva que ofusca a obra, mas um outro sol, imaginário antes, real agora, quando tudo vira linguagem. Inclusive o que não pode ser alcançado pelo poema, apenas sugerido, como os volumes condenados para sempre ao alto das prateleiras. Ao desistir de tudo, o escritor emerge como personagem, abandonando os leitores à própria sorte. Não foge, mas se encontra. Não trava, desanda. Não morre, eterniza-se. Aproveita para fazer seu inventário, que passa por Heráclito, Zeus, Buenos Aires, Joyce, Israel, o pampa, identificando-se com a matéria-prima que o envolveu o tempo todo. Nele, transparece a loucura; não o desatino dos doidos, mas a ardente lucidez da sabedoria.
UM GRITO PARADO NO AR - sobre o livro Vlado, de Paulo Markun na revista Senhor
CULTURA ESCOLAR MIGRAÇÕES E CIDADANIA
Actas do VII Congresso LUSOBRASILEIRO de História da Educação Junho 2008, Porto: Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação (Universidade do Porto) . O tempo e suas memórias: imagens e escritos da formação docente no Instituto de Educação de Campos dos Goytacazes / RJBrasil. Angela Maria Sanges de Alvarenga Rosa, Regina Márcia Gomes Crespo, Valéria Maria Neto Crespo Oliveira Lima. SECT/FAETEC/ISEPAM.
O texto diz o seguinte no ítem "O rio e sua cidade dialogando com o magistério: O diálogo é caminho para construção; é dialogando com o que se passa que a historia em curso vai sendo ressignificada. É com as palavras de Nei Duclós (apud Sanches, 2005. p.34), que o rio diz: Não passo em vão, não estou aqui para olhar o desfile, vim ver a multidão, vim encontrar os meus amigos, acertar uma ponte com minha geração. "
JOSÉ CASTELO. Numa resenha publicada no dia primeiro de fevereiro de 2002 no jornal O Estado de São Paulo, sobre o livro "Cartas a um jovem poeta", de Rilke, que vem acompanhada por um prefácio meu, o grande ensaista literário escreveu o seguinte no seu texto intitulado "Obra de Rilke é presságio literário: " A imagem escolhida pelo prefaciador desta edição das Cartas a um Jovem Poeta, Nei Duclós, é certeira: sua leitura, hoje, pode ser tomada como uma mensagem premonitória - e dissonante - que Rainer Maria Rilke despachou aos poetas do século seguinte. "É como se Rilke nos esperasse no futuro", Duclós escreve, "não para cobrar a conta, mas com sua iluminação eternamente disponível para uma vida mais completa".
RETORNO - Imagem desta edição: uma das bibliotecas da USP. Tirei daqui.
12 de junho de 2011
NAMORO NO PORTÃO
Nei Duclós
Ainda existem portões e não se trata de nostalgia. O casario domina o território da nação, apesar das imagens de megalópoles feéricas e a onipresente síndrome dos edifícios. E por mais que se fale em mudança de costumes, a unidade familiar é hegemônica, com seus encaminhamentos tradicionais. Tenho visto casais grudados na fronteira entre a casa e a rua e não noto nada de diferente do tempo em que também participei desse jogo de cena, em que os corpos e mentes ensaiam uma sintonia, sob a guarda de olhos atentos.
O que mudou um pouco foram as roupas. Não usávamos bonés e as meninas privilegiavam os vestidos e não as calças compridas. Diminuiu a diferença nas aparências, por força dessa uniformização ditada pelo ganho de escala da indústria de tecidos e roupas. Enquanto as passarelas exibem peças de arte, em modelos propositadamente mínimos (para que se destaque a obra), que são mais para serem vistas do que usadas, sobra por todo canto a indumentária chapada em suas leis rígidas: tênis, camiseta, casaco, blusa.
Não mais o farfalhar de saias, os joelhos unidos no caminhar em tubos justos, plissês encimando meias brancas até a uma altura tentadora. Ou mesmo cintos que estrangulavam cinturas, espalhando, em conseqüência, as curvas que navegavam ao ritmo de animadas melodias, só ouvidas pela admiração datada, a que pega fogo nos verdes anos principalmente. Também ficaram de fora, para os rapazes, as bainhas italianas, a emprestar charme ali pelo nível do tornozelo, as golas pontudas, os casacos de lã acompanhados às vezes por um lenço displicente imitando uma flor no peito ansioso.
Mas não importa. A moda serve para marcar o tempo e quando desaparece sabemos que fazia parte da pele e, se voltar, jamais será a mesma, pois os biotipos humanos mudam e talvez seja por isso que Humphrey Bogart não tenha substituto, nem Ingrid Bergman possa ser vista numa dobra de esquina. Mesmo assim, o que vale é o beijo roubado, o pega-pega onde a prudência estimula a emoção e cada gesto é um aviso no caminho tortuoso em direção ao amor.
Pois, para que haja namoro no portão, daquele tradicional, é preciso, primeiro, haver mais limite do que atração. O portão é a representação dessa confluência entre a vontade e a permissão. O namoro fica sendo então um exercício de paciência, uma trilha complicada, uma gentileza entre as partes, esse passo além do flerte, que aproxima mas ainda mantém distância. Não seria simplesmente a farta avenida que promete liberdade, mas de fato entrega horizontes curtos. Um caminho difícil tem a promessa de paisagens mais amplas quando enfim se chega ao topo.
E o topo, para quem amargou o inverno ao relento, seria o sofá comum de uma sala acolhedora. É quando o portão enfim se abre para as apresentações do entorno: irmão, irmã, pai, mãe, tia, avó, cachorrinho. As mãos dadas já são oficiais. Os beijos em público, tolerados. E os interrogatórios, insistentes. Um namorado firme precisa ter um arsenal de respostas para o caso de investigação acima de suas forças. Era assim antigamente e deve continuar sendo, ainda mais que as suspeitas, a violência, as armadilhas se multiplicaram. O que era apenas sugestão virou realidade.
O namoro se conjuga fora dos domínios do verbo ficar, que é mais antigo do que andar a pé, pois o grude instantâneo e sem conseqüências sempre se infiltrou nas festas da moçada. Talvez não esteja mais direcionado diretamente e de maneira exagerada para o casamento. Diante da escassez de relações humanas duradouras e respeitosas, um acordo que se quer monogâmico e que ultrapasse o momento inicial do toque, sempre é bem-vindo. Um casal é mais tranqüilo do que uma turma, mesmo que muitos casais se enturmem para fazer algo fora dos olhares temerosos.
Uma ligação a dois ser reconhecida pela comunidade etária dos envolvidos é sempre uma vantagem para quem anda a esmo pelas ruas ou noites, preenchendo o tempo com experiências que nem sempre acabam bem. O encontro no portão é o sinal mais evidente de que algo há entre o garoto que saiu da sua casa em direção ao bairro da pretendente, e da moça que aguarda a chegada do forasteiro que pretende roubar-lhe o coração. Mesmo que digam que isso é coisa do passado. Não é. Quando vejo uma cena dessas, acredito que nem tudo está perdido.
RETORNO - Crônica publicada na revista Donna DC, do Diário Catarinense, de 8/9 setembro de 2007 e já reproduzido aqui. Pela data de hoje, 12 de junho, resolvi fazer um revival, o que é extremamente raro no Diário da Fonte. A imagem desta edição tirei daqui.
COFRE
Nei Duclós
Amor não se manifesta
É cofre em remota estrela
Amor não diz a que veio
É chá de imprestável erva
Amor se casa em segredo
E parte sem que amanheça
Tem armadilhas de caça
Em mil quartos de despejo
Não celebra nem reitera
É quebra de juramento
Manda cartas da cadeia
Sai pela porta da frente
Amor, quem pode com ele
De carona no poema?
Amor, palavra que esconde
Os arranhões da refrega
Amor, que jamais responde
Quando, perdido, se entrega
RETORNO - Imagem desta edição: Carta de Amor, obra de Vermeer.
11 de junho de 2011
AMOR DE VÉSPERA
Nei Duclós
E se fosse teu aniversário
sem que eu soubesse?
Um bafo vadio apaga
a última janela
no inverno precoce
que exige japonas
enquanto as memórias
do verão recente vira
rosas em cova de neve
E haveria bolo entregue
no subúrbio, uma van
lotada de frios, refletindo
sobras, ruínas de edifícios
e passantes na trilha
de badulaques
em galpões desertos
E fosse chuva na fera
do teu rosto em festa
Não faria sentido parabéns
na praça antes que o amor
batesse de frente
como carroça num trem
Sem o rolo que veio depois
na tocaia do trovão
em rua de granizo
quando a colheita
azeitou armadilhas
E sem saber de nada
fosse o dia do abraço
de ir a ti por um acaso
Tu, posta nas nuvens
em queda como brilho
de pele batizada de mar
E meu sopro na vela
ignorada, não escrita,
nesse nada que nos dita
Data do encontro
véspera de primavera
de esperas, desenlaces
desfechos, guias, farras
em tardes sem validade
pois só importa o visgo
e as pistas do nosso faro
Alguns fatos, som no bairro
e minhas mãos em teu vestido
RETORNO - Imagem desta edição: Bailarina, de Degas.
10 de junho de 2011
CASABLANCA
Nei Duclós
Só o amor resgata tua essência
dispersa no exílio deste bar.
Só um rosto é capaz da violência
de mudar teus hábitos, e despertar
Paris invadida pelo som de um anjo.
No piano, o passaporte para o dia
submerso no ódio e a morte lenta.
Ela voltou para devolver a vida.
Os tiros não importam: a gabardine
é sempre intacta sob a chuva
Mas recompor-se é uma dor marítima
que afoga também a última chance.
O blefe final é tua vingança
da vida que o amor torna impossível
9 de junho de 2011
UMA TRAGÉDIA CORPORATIVA
O discurso corporativo de "vanguarda" imposto ao Brasil a partir dos anos 90 foi a base para sucatear o perfil empresarial do país, hoje entregue aos monopólios, fruto da fusão de bancos e grande corporações, e à venda em massa de unidades produtivas para os estrangeiros. A série de crises implantadas pelo terror financeiro, que acabaram sucateando a moeda, substituída por uma unidade de tunga internacional, o real, transformou o mundo corporativo numa espuma cheia de bolhas que se desfazem no ar. O que é o comércio brasileiro hoje senão um balcão de negócios para a venda de porcarias chinesas? O que vale não é a empresa, os funcionários, ou a produção, mas apenas o lucro da especulação, já que tudo foi transformado em insumo da indústria financeira.
Nesta série de intervenções, falo um pouco sobre essa tragédia, que postei no twitter na manhã deste 9 de junho de 2011.
A indústria financeira, ditadura mundial, passou borracha em indústrias nacionais e transformou tudo num bolo fecal de dinheiro virtual
Não se trata de comunismo, já que o governo é dos banqueiros e empreiteiras. Nem de capitalismo,já que o poder é dos monopólios
Os tentáculos não são ideológicos, são da indústria financeira internacional,que superconcentra renda e acaba com a concorrência
Capitalismo é concorrencial, não monopolista. Comunismo é monopólio do Estado, não dos bancos. Portanto, o inimigo é outro
Teoria corporativa de vanguarda é a que nega a empresa em função de sua posição no mercado especulativo financeiro. Em vez de produção,juros
A indústria milionária de eventos corporativos com seus temas recorrentes e palestrantes notórios é o mofo de brotou da destruição
Lideranças empresariais,de olho em cargos políticos,são coniventes quando não autores do quadro geral de sucateamento.Mas culpam o "povinho"
Como podem os brasileiros ocuparem as vagas que o país oferece se não há mais ensino e as empresas optaram por políticas irresponsáveis?
O fato é que destruíram os vínculos profissionais pautados pela competência e abriram a guarda para a demagogia do comportamento
Terceirização, fim dos niveis hierarquicos, sucateamento de direitos trabalhistas influem na destruição da mão-de-obra brasileira
Discurso fajuto importado de "revoluções"corporativas do Oriente capitalista fragiliza a empresa brasileira até seu completo desaparecimento
O oportunismo sem limites e a falta de escrúpulos foram transformados em teoria empresarial. Batizaram de ética
"Somos uma família" diz o fazendeiro para seu gado de corte, digo, o empresário para seus colaboradores
São muito pró-ativos, ou seja, canalhas juramentados com papel passado e diploma de bandido na parede, exposto com orgulho
"Meu objetivo é te derrubar" ou "quero tomar o seu lugar" são frases que ouvi explicitamente de colegas. Ninguém me contou, é fato
Já me refugiei um lugares que ninguém queria. Quando consegui algo, choveram os oportunistas com a cara lambida de "tu por aqui?"
Funciona assim. Te jogam de escanteio, mas você consegue recolocar a bola no miolo da área. Aí sempre tem um árbitro que anula a jogada
Fiz grande amizades na vida corporativa. Mas foram raras. No geral é um massacre coletivo, um urro na selva
Quando falam em mercado de trabalho com as caras maquiadas na televisão sempre me parece um filme de terror ambientado numa cidade pacata
Happy hour é o momento ideal para conseguir informações que possam derrubar os colegas no dia seguinte
O derrubador profissional é o mais próximo da vítima. É quem a leva para casa no último dia de trabalho. Acena e voa com seu carro vermelho
Nas reuniões corporativas, todos são inocentes. Na prática, todos rosnam e rangem os dentes. É confundido com sorrisos
O discurso ético nas reuniões corporativas serve para encobrir as rasteiras nos colegas que se destacam
Virou lei esse troço de culpar a hierarquia. E é tudo mentira, apenas um álibi para o carreirismo, mas em nova roupagem
No ensino, temos alunos analfabetos "oprimidos". No trabalho, incompetentes insurgentes. Na política, revolucionários milionários
Quando surge alguma dúvida, a equipe pergunta para as paredes, o catchorrinho e o entregador de pizza. Mas não para o chefe. É muita colher
Numa equipe tem o que concorda sempre, a que tenta te seduzir, o que te contraria em tudo e o que boceja toda vez que você fala. Há exceções
É um alívio não depender nem de chefes nem de equipes/gangs. Trabalhar com liberdade, interagindo com os pares. Só assim funciona
Um chefe soma experiência e tem autoridade no ambiente de trabalho.Não se trata de privilégio. Mas é disso que o acusam
Um bom chefe é testado até a insânia pela equipe para provar que é uma pessoa ética. Mas sempre encontram um furo e o derrubam
Sempre fiz parte de equipes, nunca ocupava cargos de chefia. Quando chegou minha vez, tive que lidar com ferozes liderados derrubadores
Sem níveis hierarquicos intermediários, as equipes deitam e rolam na rotina das guilhotinas. Tudo pelo social
Quando inventaram de destruir cargos de chefia liberaram a caça ao chefe. É fácil derrubar. É frágil o funcionário identificado com o patrão
A equipe derruba o chefe para colocar no lugar alguém da equipe, confiável. Trata-se de distribuição de renda com espírito de quadrilha
Equipes fritam seus chefes. Acontece a toda hora. O derrubismo militante impera, mas não se fala nisso, só de chefes maus e prepotentes
Dê consultoria só quando tiver informação privilegiada. É o que aprendemos ultimamente
Não invente de dar consultoria sobre o que você domina. Sempre tem alguém que sabe muito mais. Melhor sair da reta
As notícias não vão além da manchete. No título estão todas as informações que acabam sendo repetidas no texto. É de uma pobreza terminal
Vou fugir para o Rio, diziam os criminosos dos filmes de Hollywood de antigamente. A fala foi atualizada: a capital agora é Brasília
RETORNO - Imagem desta edição: obra de Giorgio de Chirico
DESMEDIDA
7 de junho de 2011
A ARTE DO DESENCONTRO
Em dia de chuva, no twitter, o trabalho com as palavras se reveste de capotes, mantas, bonés de lã. O resultado é um pouco sobre a capacidade que temos de gerar desencontros. De quebra, alguma poesia, que esta, felizmente, nunca nos abandona, por mais frio que faça. E um vôo de pássaro na política.
"A gente precisa se encontrar" é o jargão de pessoas que se evitam e são flagradas pelo acaso
Se você joga conversa fora, alguém pega e traz de volta
"É o que eu estava dizendo" significa: eu não tinha nada para falar, mas você me entregou de bandeja algo que agora me pertence
O silêncio compulsivo, ou a mania de falar ao mesmo tempo, ou ainda desconsiderar a fala alheia são fruto da indiferença em relação ao Outro
Um truque poderoso é falar durante duas horas num evento e depois ocupar mais dua horas apresentando o palestrante seguinte
Pessoas adoram te transformar em coadjuvante por meio de truques na interlocução. "Então", dizem, continuando a fala "interrompida" por você
Você diz algo oposto ao que a pessoa pensa. "Não é mesmo"? diz ela, fingindo que tinha dito antes exatamente aquilo que negava
"Vou sim" dito várias vezes nos fast-encontros/despedidas significa "nem morto que eu vou"
"Mas você está bem MESMO?" significa: aquele lance em que você dançou continua na mesma, mas eu vou fingir que você superou
Publicidade é a capacidade que temos de mentir para nós mesmos. Formata uma realidade virtual onde passamos a residir, tropeçando nos fatos
VERO VERBO
Palavras não sentem nada. São desalmadas. Capture-as enquanto dormem
A palavra lágrima não chora. Não adianta escrevê-la para transmitir alguma dor.
Quando nos tiram tudo, inventamos que pedrinhas comuns são ametistas
JOGO BRUTO
Perdemos tempo querendo interferir no jogo bruto da política. É o mesmo que interromper uma reunião da gang propondo a primeira comunhão
Política é para quem não tem escrúpulos. A ética atrapalha os negócios da coisa pública. Por isso nunca seremos prefeitos. Digo, perfeitos
Opinião pública é quando um interesse poderoso contrariado se manifesta. O resto é ruído da plebe, nós. Não conta
RETORNO - Imagem desta edição: tirei daqui.
5 de junho de 2011
TRÊS TRILHOS DA ESTAÇÃO
Nei Duclós
I - FRIO
Inverno
é quando os anjos
esquecem de buscar lenha
Vento congelado são cordas de um violão
que o inverno toca na janela de um trem
antes de entrar no túnel.
Aos poucos a manhã avança com raios rasos de sol,
que deixam sobreviver nas sombras
o resto de frio da madrugada.
Alguém pincelou o azul de nuvens esparsas
para provar que o céu é um forro espesso
que serve de teto para o domingo de junho
O céu azul deste domingo de junho
é um forro espesso
de infinitos
Sombra gelada, sol de casaco,
vento forte no tufo de bambus na rua dos fundos.
Sábado claro e as palavras aglomeradas num canto, à espera
II- DOR
Morremos lá naquele abismo.
E hoje a vida é apenas um acerto de contas,
antes de partir de vez
Vida em balanço: o riso
olha o rosto
na lágrima
A bondade nasce do desespero.
É o portal extremo
para a misericórdia do Divino.
III- SONHO
Venha, disse o sonho. Mude de pele por alguns instantes
e entre nessa cidade absurda, que só existe em gravuras.
Pule o muro da Lua cheia
RETORNO - Imagem desta edição: obra de Ricky Bols.
4 de junho de 2011
DARCY RIBEIRO: LUTA CORPORAL
Nei Duclós (*)
O futuro cacique de uma tribo da Amazônia sai menino de sua aldeia e vai para o seminário, onde o contato com os padres lhe tira a fibra de guerreiro: fraco e contraditório, ele jamais poderá ser o tuxana da tribo mairum, tão esperado por seus irmãos, que o viam como uma esperança de salvação do extermínio. Essa tragédia – como procura demonstrar o antropólogo Darcy Ribeiro neste seu primeiro romance, Maíra (Civilização Brasileira, 1976) – não seria um acidente provocado pelo erro da política colonialista, mas sim o resultado natural da colonização, que procura apenas tirar os índios do caminho.
As provas da violência contra o índio são minuciosamente levantadas e analisadas pelo autor, num relato profundo e apaixonado que faz do livro um dos romances brasileiros mais importantes dos últimos anos, tanto pela urgência do tema como pelo enfoque: o drama mairum é visto de dentro, por alguém que mostra a verdadeira natureza dos índios e a dimensão real da sua cultural. A filosofia dos mairuns é visceral e fisiológica, e sua sabedoria não vem da mortificação, mas da glorificação do corpo e da noção do seu significado dentro do universo. Os costumes indígenas, tão ridicularizados pelos brancos, em vez de serem apresentados como manifestações bizarras e atrasadas, estão profundamente identificados com as manifestações da natureza.
Alma seca – O romance, escrito no mesmo ritmo dessa cultura marginalizada e mágica, é também uma viagem através do corpo. Isaías – personagem central e futuro tuxaua -, ao perder sua identidade e sua fé na vida, ao secar sua alma no seminário, fica com o corpo precocemente envelhecido. A perda da sua alma na civilização branca equivale à perda do seu corpo – mantendo relações sexuais com todos os homens da tribo, transforma-se em mixiroxã, uma espécie de sacerdotisa do amor. Na mitologia indígena, a luta entre Maira-Coraci, o sol e Maira-Ambir, seu pai, o Deus Criador, é também uma luta corporal, pois o filho rouba partes do corpo do pai para dar aos homens.
Do ponto de vista do civilizado, com suas religiões de desprezo ao corpo, a criação do mundo narrada pelos mairuns – e divulgado por Darcy Ribeiro ao longo do livro, em capítulos curtos – é profundamente imoral: o filho de Deus é apenas o seu arroto, e sua luta contra o Deus Pai é feita com todos os recursos do corpo, como a habilidade manual e a força, além da famosa manha indígena. Numa luta contra uma entidade do Criador, Maira vence com a ajuda do seu irmão Micura-Laci, a lua, que solta gases fecais contra o nariz dessa entidade. E a superioridade de Maira-Coraci é tanta que seu pai se transforma em Maira-Manon, o Deus-Defunto, que rege o mundo dos mortos.
Fim dos Tempos – Por isso, a subversão colonizadora manifesta-se principalmente no corpo, o elemento básico da civilização indígena. A deterioração física dos mairuns, na visão de Darcy Ribeiro, representará o sinal evidente desse fim-dos-tempos na mata, que coincide com o fim da ação pastoral dos padres católicos na tribo. Pois os mairuns, já totalmente dominados (e dizimados), deixam de ser a preocupação principal da missão religiosa por decisão de um senador empenhado em fazer a distribuição das terras e empresários. O político determina que os religiosos passem a distribuir a palavra de Deus entre os Epexãs, índios arredios e violentos, que poderiam confundir o gado das grandes fazendas como uma nova caça.
Apesar da crítica contundente, Darcy Ribeiro não cai apenas num necrológio. Para ele, o que realmente importa não é a morte dos mairuns, já condenados às doenças da civilização e aos limites da sua aldeia, por sinal muito mal cuidada por um homem da Funai. O importante seria a luz que essa tragédia revela – os índios dão uma chave para a salvação, que é a convivência com a natureza. Pois, na verdade, é o mundo destruído (simbolizado por Alma) quem procura auxílio indígena, querendo entender a fórmula de viver feliz. E este livro excepcional de Darcy Ribeiro oferece uma maneira de se entender tal fórmula, tão simples quanto dificílima de alcançar.
RETORNO –1. (*)Resenha sobre MAIRA, de Darcy Ribeiro, Civilização Brasileira, publicada na revista Veja em 20 de outubro de 1976. 2. Na foto maior: o jovem Darcy Ribeiro junto aos indios brasileiros, início de uma saga do antropólogo, professor, escritor, político e gênio do Brasil soberano.
3 de junho de 2011
TAINHA DOS MILAGRES
Nei Duclós
tainha chega no horário
no frio surpresa de maio
no cardume pré-datado
compromisso de noivado
bodas na rede de naylon
rebentos postos no prazo
tainha cumpre o acórdão
de supremos magistrados
em fóruns além dos mares
traz um relógio no bojo
um marca-passo na escama
um sobreaviso no morro
tainha presa ao destino
de correntes intestinas
inundando forno e brasa
camisa-de-força viva
no pescador submisso
às canoas do divino
tainha que chega e some
com a chave do mistério
peixe, ou apenas milagre?
só o vigia diz que sabe
da certeza inesperada
quando adivinha a viagem
RETORNO - Imagem desta edição: foto de Ida Duclós. Tirei daqui.
2 de junho de 2011
HISTÓRIA, A PAIXÃO SECRETA
Nei Duclós
Quando entrei para a Faculdade de História da USP notei que essa ciência humana é a paixão secreta de todas as pessoas estudiosas. Comecei a me interessar de fato por ela em 1980, quando apareceu na redação da Ilustrada, na Folha de S. Paulo, o livro Lusardo, o ùltimo Caudilho, de Glauco Carneiro . Mais tarde tive a oportunidade de agradecer ao autor por esse livro maravilhoso, que é uma História do Brasil da primeira metade do século 20.
Comecei a perseguir os assuntos a partir da bibliografia de Glauco, que foi grande repórter da revista O Cruzeiro e escolhido pessoalmente por Batista Lusardo, já que tinha acertado em cheio numa reportagem antológica sobre ele na revista. O livro é a evolução de uma reportagem, que se transforma em História e usa os recursos da Literatura. Essa leitura de décadas me levou de volta aos bancos escolares, pois anos de trabalho em redações tinham sugado todo meu conhecimento que conseguira reunir. Foi minha melhor decisão. Na faculdade, aprendi metodologia, como estudar a partir de documentos. Nada mais valioso para a profissão e a vida.
Foi quando me convenci que o repórter, redator, editor, precisa mesmo é de uma faculdade clássica, como Filosofia, Direito, Economia, Ciências Sociais, História e depois uma especialização em jornalismo como pós graduação. Com acesso aos autores fundamentais, diminuímos a capacidade de errar, pois um dos desafios da profissão é dispor de muito espaço e pouco acervo teórico. Não a teoria inútil de ostentação, mas a que vale a pena, a que mostra caminhos e revela o que está aparentemente indecifrado. O complemento do ofício, além da prática exaustiva, é a leitura de grandes reportagens em forma de livros.
É moda hoje nas mídias sociais as listas sobre tudo. Uma delas é com títulos do jornalismo. Minha seleção inclui Lutando na Espanha, de George Orwell, que é o depoimento de um autor engajado na guerra civil de 1936 a 1939; Dez Dias que Abalaram o Mundo, de John Reed, um impressionante relato sobre a Rússia revolucionária de 1917; Rota 66 e Nicarágua: a Revolução as Crianças, de Caco Barcelos, dois exemplares do que melhor se fez no Brasil nessa área; Minha Razão de Viver, de Augusto Nunes, uma biografia do fundador da Ultima Hora, Samuel Wainer, absolutamente obrigatória; o próprio Lusardo, O Último Caudilho, de Glauco Carneiro; Paris é Uma Festa, de Ernst Hemingway, o livro definitivo sobre a mítica cidade do início do século 20; Pesadelo Refrigerado, de Henry Miller, a visão crua dos EUA numa viagem de carro do autor maldito e radical; entre outros.
Mas eu queria mesmo era falar sobre Alexander Kerenski, brilhante advogado e orador que foi Primeiro Ministro do Governo Provisório da revolução de Fevereiro de 1917, derrubado pelos seus aliados, os bolcheviques em outubro daquele ano. Kerenski teve uma longa vida (1881-1970) e morreu no exílio nos EUA, para onde foi depois da invasão nazista na França, sua primeira opção depois de sair do poder. Os ortodoxos não quiseram sepultá-lo por ser maçon. Foi então foi enterrado em Londres. Kerenski escreveu uma autobiografia, jamais traduzida. Só a História, nossa paixão secreta, poderá resgatá-lo.
RETORNO - 1. Crônica publicada no jornal Momento de Uruguaiana. 2. Imagem desta edição: a rampa do prédio da História e Geografia da USP, milhares de vezes palmilhada por vários anos. Tirei daqui.