Páginas

28 de fevereiro de 2011

UM DUELO DE AMOR ENTRE DUAS GUITARRAS



Outro texto de 1978, desta vez inserido na seção Toca Discos, que era repartido entre alguns jornalistas, como Dirceu Soares, na época titular da crítica musical da Ilustrada. Foi graças à generosidade de Dirceu Soares que entrei de banda no cardápio, pois ele me confessou que era avesso ao rock e sugeriu que eu cobrisse essa área. Mas não fiquei apenas nas guitarras e na música internacional e isso aos poucos a pesquisa vai mostrar. É bastante coisa.


Folha de S. Paulo, Ilustrada 7.06. 1978 – Seção Toca Discos

NEI DUCLÓS

Na avalanche de música repetitiva que alimenta a programação "sofistiqué" das emissoras FM, poucos lançamentos se destacam entre a mediocridade geral. O Brasil, coitado, apesar de ser, atualmente, um dos lugares mais criativos do mundo, para onde convergem os olhos gulosos dos músicos saturados do massacre comercial que assola os ouvidos de todos os povos, continua importando, numa quantidade difícil de suportar, as coisas mais hediondas nascidas da fome do lucro e da repressão cultural. Felizmente, surgem de vez em quando lançamentos como "Post Memorium ", um álbum em homenagem ao grande mestre do blues, Freddie King, acompanhado por um dos mais competentes guitarristas da música pop, Eric Clapton.

Discípulo de Muddy Waters e Lightnin' Hopkins, Freddie King só foi "apresentado oficialmente" às platéias de rock a partir de 1972, quando seu toque mágico na guitarra começou a influenciar pra valer a música pop. Dele diz Eric Clapton, numa pequena declaração de amor transcrita no contracapa do disco: "Ele me falou tudo o que eu precisava saber... quando fazer ou não um breque.. quando mostrar ou não a sua mão e o mais Importante de tudo... como fazer amor com uma guitarra". Com solos inesquecíveis e uma grande euforia que transparece em lodo o L.P. a beleza da musica feita por Freddie e Clapton nos toma de assalto principalmente na embaladíssima Sugar Sweet. Mas não há momentos pobres ou equivocados neste lançamento e todas as faixas merecem ser escutadas a esta altura, dois anos depois da morte de King e quase com devoção: Pack it Up Shake Your Bootle, Tain't Nobody's Business If I Do, Woman Blues e Farther Up the Road. Lançamento: Phonogram.

O segredo, talvez, dos verdadeiros criadores, ê a fidelidade - ou melhor, a paixão por manifestações musicais enraizadas no povo, como o blue e o jazz. Sem envernizar a criação, sem torná-la superficial, sem pretender um impacto prazeroso, gente como Freddie King ou Frank Zappa conseguem redimir a tristeza social desta época com amor, ironia, alegria e competência. Frank Zappa, por exemplo, resolveu transformar num álbum duplo - "Zappa in New York" — agora lançado pela Warner Eletric Atlantic, seus três shows feitos em 1976, em Nova York, assistidos por quase 30 miI pessoas.

Como John Mayall, Zappa sabe formar grandes bandas, como a deste LP, onde se sobressai a equipe de sopro formada pelo trumpetista Randy Becker, o sax tenor Mike Brecker e o clarinetista Ronnie Cuber, que arrasam a platéia — duelando com as guitarras de Zappa e de Ray White — principalmente na longa e estimulante "'The Purple Lagoon" (16 minutos e 20 segundos de maravilhas). A faixa mais quente, entretanto. é "Big Leg Mamma", terceira do lado A, uma das mais tocadas nos concertos novaiorquinos de Zappa. A única ressalva que se pode fazer a esse super-álbum duplo é a narração"sofisticada" de Don Pardo, que toma inutilmente preciosos minutos que bem poderiam ser preenchidos pela banda.

Entramos agora no terreno da monotonia e do veneno musical, desse que machuca os ouvidos, desculpem, surdos - e nos provoca a vontade de partir para o campo onde ainda existam cabras e flautas. É uma tristeza, por exemplo, o que aconteceu com os Bee Gees, um conjunto razoável que chegou a nos dar alguma coisa audível nesses vinte anos de insistência. O álbum duplo "Saturday Night Fever", trilha sonora do filme do mesmo nome traduzido por "Os embalos de sábado á noite" - é chato, pesado, burro. E multicolorido. Travestidos de "Beatles da Era Discotheque", os Bee Gees enterram-se fragorosamente como criadores, aparecendo ao lado de outras mediocridades do gênero, como os grupos Tavares, The Tramps e outras incompetências. Não comprem, eles Já estão ricos. Lançamento: Phonogram.

O enterro mais flagrante, entretanto, é o do músico argentino Astor Plazzola, que já nos venderam como vanguarda. Num lançamento da RCE Fermata. Piazzola tem a coragem de cometer um disco intitulado "Mundial 78", com musicas de nomes sugestivos como Mundial 78, Marcacion, Penal, Gambeta (drible), Golazo, Corner e Campeon. Ouvir para crer: Piazzola toca sempre as mesmas coisas, repetindo suas idéias que Já foram boas e agora descambam fragorosamente pela linha de fundo. Prefiro Garufa.


RETORNO - Neste post, Clapton e King em Up the Road pelo you tube.

Nenhum comentário:

Postar um comentário