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28 de fevereiro de 2011
O PASTICHE DO REI: O OSCAR COMO UM ATENTADO
Privilegiar com os principais prêmios na noite do Oscar o filme O Discurso do Rei é entronizar a mediocridade de uma narrativa que coloca a fonoaudiologia como decisiva para a participação britânica na II Guerra. Dizem que a rainha Elizabeth ficou ”tocada” ao ver seu paizinho gago lutando contra as próprias limitações para conseguir falar diante da nação que entrava no conflito mundial. Talvez a rainha tenha perdido a noção do perigo, pois não se trata de uma tentativa de humanizar a realeza, mas a de desconstruir o papel da Grã-Bretanha na matança de 1939 a 1945.
Feito pelos próprios britânicos, a produção no entanto faz parte da indústria global do espetáculo, terra cultural arrasada onde os sem grandeza dão as cartas sobre figuras históricas principalmente, para que tudo vire tabula rasa e assim eles possam pontificar. Não por acaso Holywood adorou o serviço sujo do filme. É que o espetáculo tem como protagonista ele mesmo e mais vale um discurso na mão do que uma política vencedora na diplomacia e na ação militar. Guerra é complicado demais para repassar o recado de uma necessária superficialidade histórica para o consumo, então vale a formatação de uma fala dita com competência, em que os hiatos da gagueira são usados a favor do emissor. Sim, política é linguagem, mas não uma aula de dicção ou uma sessão psiquiátrica tradicional em que a vítima (o rei, interpretado por Colin Firth, na foto acima) conta dos seus medos aos cinco anos de idade para um professor empírico fazer o papel de um Freud de chapelão.
Como todos sabem, Hollywood inventou a tese de que John Wayne ganhou todas as batalhas, o que aconteceu mais tarde com Sylvester Stallone, que venceu no Vietnã a flechadas e gritos de boca torta. Tirar os comunistas da jogada foi fácil: bastou enterrar a grande batalha de tanques de Kursk, que quebrou Hitler ao meio, para que vencesse a teoria de os americanos entrarem em Paris para comer as franceses e assim vencer sozinhos a carnificina. Mas o que fazer com Londres e seu heroísmo?
O filme é a resposta. O pior Churchill do cinema, o careteiro harrypottista Timothy Spall, é o retrato desta comédia de costumes, em que o rei George VI enfrenta apenas sua gagueira e os traumas da infância e não uma guerra. O pacote anti-britânico é completo. A história diz com todos os frames que o irmão Eduardo casou com uma vagabunda e traidora, a duplamente divorciada Wallis Simpson, que transava com um corretor de imóveis e recebia flores diárias do embaixador alemão, o que reforça as teorias da época. Coloca o mesmo Eduardo,que foi rei por breve tempo antes de abdicar, como um idiota dominado pela mulher. E faz de Albert, o rei durante a guerra, um babaca chorão e trêmulo, nas mãos de um fonoaudiólogo australiano e sem diploma (interpretado pelo excelente Geoffrey Rush, que faz um plebeu rude, capaz de arrancar a voz que o rei precisa, por meio de truques e estocadas). O filme sugere também, indiretamente, que Albert foi conivente com a conspirata que forçou seu irmão a abdicar.
A idéia é “desconstruir” a grandeza da participação britânica, que enfrentou com heroísmo a ameaça de Hitler. Os americanos, depois que os franceses se recusaram a participar da palhaçada do Iraque, cuidaram de acabar com a França em todos os sentidos. Mas há tempos fazem isso. No cinema tradicional, Paris é terra de putas, uma espécie de Cuba pré-Castro civilizada, onde as americanas vão dar e os americanos vão transar com as mulheres fáceis de seus desafetos. Agora um diretor medíocre como Tom Hooper, formatado em seriados de TV, vem trazer a varinha de condão do bruxismo best-seller para fazer de um reinado o carrossel apropriado à nossa era, em que ninguém pode aspirar ao épico ou à grandeza, pois isso faria muito mal aos que dominam o mundo e transformam todas as nações em macaquinhos amestrados.
O filme é fascista, pois coloca o rei britânico fascinado pela facilidade da discurseira de Hitler. E define a coroa britânica como uma firma de saltimbancos, com uma família que se transformou na pior espécie de pessoa, a de atores que precisam desempenhar no palco o papel de manipuladores de massas imbecis. Muito bom para o aplauso fácil e o prêmio dado com más intenções. Enquanto isso, os Irmãos Cohen com seu magnífico "Bravura Indômita" e o filme "A Rede Social" amargaram um exílio medonho na noite do Oscar.
Besteira reclamar disso, dirão, pois o Oscar é assim mesmo. Dá licença de achar ruim? No ano passado, quando premiaram Jeff Bridges e Sandra Bullock, vibrei. Sempre espero que o Oscar acerte. Não que se comporte conforme expectativas pessoais, mas que nos convença de que é sério. Não é? Ah, bom.
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