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10 de novembro de 2010
RIO DO EXAGERO
Nei Duclós (*)
O Rio é puro exagero, sobra em tudo. A vocação para o excesso se manifesta não apenas nas imagens, mas também nas palavras, quando ousamos abordar um lugar que não cabe na nossa percepção. Isso nos permite dizer que a paisagem do Rio não é obra do acaso. É, antes, uma arquitetura concebida para a cidade que nela nasceu. Uma inspiração misteriosa desenhou com antecedência o abraço singular entre a natureza e o universo urbano. Como se a Criação fosse disposta de maneira precisa, pautada pela comunhão da montanha com o monumento, da baía com o aterro.
Bairros próximos e distantes trazem ainda esse pacto de nascença. É quando o granito inspira o alicerce, a praia convida o porto, o sol conversa na calçada, a brisa namora o esforço e tudo deságua num momento especial, como em tarde luminosa ao som de Tom Jobim. Ou manhãs animadas pelo ritmo dos passos, como num samba de Candeia. Ou ainda crepúsculos definitivos, como se cada entardecer fosse a última pincelada na secreta arte de encerrar o dia.
Esse abraço entre cidade e ambiente obedece a uma tradição árdua, de uma História de grandes feitos, hoje esquecidos diante dos desafios do paraíso. Foi preciso uma dura adaptação diante da ousadia dos pioneiros. O coração balançou entre tantas etnias e nacionalidades, mas no fim a opção foi a entrega a um povo que inclui todas as cores.
Foi uma decisão a favor da busca pela perfeição. A tradição evoluiu para a modernidade, assim como a contemplação abriga hoje a ação e o movimento. Ser sede das Olimpíadas em 2016 é um sintoma dessa herança que gira em torno da esperança. A paz é a chance de vitória quando as ameaças parecem eternas.
O patrimônio do Rio segura o futuro como o Corcovado ampara o Redentor em seu vértice. Trata-se do registro de uma transcendência, capturada desde cedo entre nós, pelos viajantes que conheceram a obra já definida. Como aconteceu com o bom pastor anglicano R. Walsh, que percorreu o país a pé e em lombo de mula e escreveu Notícias do Brasil (1828-1829).
Quando estava cruzando a Serra dos Órgãos, entre picos altos e esguios como minaretes turcos, ele viu a planície ornada de vilas, que se estendia até a beira da água, onde começava a linda baía escoltada por ilhas e navios de todas as partes do mundo. Além, era a cidade que ia da onda até os morros, com encostas cheias de chácaras e no alto, igrejas e conventos. Mais para o fundo, o Pão de Açúcar e o Corcovado e por fim, ao longe, as águas azuis do Atlântico, estendendo-se pelo espaço infinito até se perderem no azul do céu.
Essa é a visão de um estrangeiro, que soube descrever a exuberância de um lugar que rompe todos os limites. Do samba ao rap, do poema ao romance, da pintura à performance, do banho de mar ao trabalho, o Rio é um canal de vivências intensificadas. É um convite permanente para o exercício da arte e para os talentos da mente e do corpo. Há nele a certeza de estar pronto desde o início da Criação.
Por isso mantém a forma. E nos leva para o exagero, que é, no fundo, a essência da Cidade Maravilhosa.
RETORNO - (*)Texto publicado originalmente na revista Legado, da editora Letras & Lucros, da minha amiga Mara Luquet
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