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28 de julho de 2009

VIAGEM À LUA


Nei Duclós

Lembro quando, há 40 anos, decidimos viajar para a Lua. Foi difícil. Estávamos grudados num movimento estudantil ferido de morte pelo AI-5, perdidos numa universidade de professores cassados, emergentes numa profissão que mal engatinhava. Sem recursos, como poderíamos vestir nossa roupa de astronauta, pegar carona num foguete, navegar num módulo até a cratera no deserto, dizer a frase inesquecível e ainda voltar?

Isso tomou tempo. A ideia era viajar em pleno ano letivo, para expressar nossa insubordinação contra a violência do Estado e as pressões das panelinhas políticas, que existiam mesmo entre garotos leitores de uma pesada artilharia de textos. Mas julho chegou de repente e tivemos de ir assim mesmo, como se fôssemos estudantes bem comportados, a aproveitar as férias para conhecer outros mundos.

Para chegar à plataforma de lançamento, fomos obrigados, primeiro, a vender os livros mimeografados em gráficas marginais para parentes preocupados. Nosso aspecto, alimentado pela ousadia e o susto, tomava a cor pálida dos selenitas. Depois, pegamos caronas em grandes scanias, que levaram muitos dias para chegar ao destino. Na véspera do evento, tínhamos conseguido embarcar num automóvel dirigido por carioca da gema. Foi quando treinamos o patuá rebelde da malandragem, que poderia servir de passaporte no território selvagem a ser conquistado. Enquanto caía a noite e Neil Armstrong e seus companheiros chegavam lá, estávamos ainda aprofundados na desventura da dúvida em estrada interminável.

Só no dia seguinte, quando a luz da Zona Sul explodiu na saída do túnel, soubemos que tínhamos chegado tarde. Pior: estávamos ainda no Rio de Janeiro e não no Cabo Canaveral. Mas queríamos ir para o alto. Subimos então os degraus rotos do Morro do Pinto. Lá, um morador que nos convidou para uma cerveja na birosca mais próxima elencou seus argumentos contra a evidência do feito americano. Vimos como as versões nascem junto com os fatos.

Vindos do inverno sulino, inauguramos nossa proximidade com as regiões tórridas do país nos livrando das roupas espaciais: coturnos, pulôveres, campeiras e mantas, substituídas por trapinhos de turista gringo. Frios polares seguidos de altas temperaturas foi a única evidência de que tínhamos enfim chegado na Lua.

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 28 de julho de 2009, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. A imagem é da Nasa.

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