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9 de junho de 2009

POR UM TRIZ


Nei Duclós(*)

Triz vem de thrix, cabelo, segundo a etmologia de Antenor Nascentes citada pelo dicionário Caldas Aulete. Foi difícil encontrar o significado num dicionário que tem cinco volumes, cada um com mil páginas e com as referências da ordem alfabética completamente desmaiadas na lombada. É preciso levantar peso para chegar ao destino. Seria mais fácil ir direto na internet e descobrir a mesma coisa sem fazer força.

Como ganhei de presente a preciosidade impressa e antiga, a toda hora me envolvo com ela, certo de que me dará uma resposta melhor. Mas a rede, a cada dia, amplia seu alcance e acervo, deixando toda a papelada por um triz, ou seja, segurada por um fio de cabelo. O problema do fim das bibliotecas será nossa dependência total a um mistério, a eletricidade. E se no futuro essa mágica que faz o computador funcionar ficar também por um triz?

É o que acontece conosco a maior parte da vida. Por um quase nada jogamos tudo fora. Por um triz nossa vida corre risco, o que origina a clássica expressão “risco de vida”, já que a morte, sendo definitiva, não oferece nenhum risco. O que está por pouco são nossas finanças, nossa profissão, a viagem, a amizade, o amor. Tudo se balança no abismo preso por fios invisíveis, caprichosos, que oferecem resistência quando menos esperamos ou se partem no auge de alguma coisa boa.

A bola que raspa pelo lado de fora da trave no segundo final do campeonato e decide carreiras, fortunas ou paixões. O casal que deixou de embarcar no voo fatídico. O momento anterior a uma abordagem importante, gasto numa indecisão qualquer, e que serviu para perdermos para sempre a oportunidade de fazer o contato salvador.

Foi por uma ninharia que não lançamos o olhar na direção salvadora, que não tivemos aquele lampejo de iluminar a face oculta da Lua. Por um triz não conseguimos publicar na hora certa o livro torturado pela gaveta, conquistar o amor longamente cultivado em silêncio e que deixou a sorte passar. Por um triz deixamos de ser a glória que sonhamos e viramos esse pó de armário no canto, quando só anjos pálidos e Deus em pessoa veem, abismados, o quanto somos precários e por isso tão encantadores.

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada dia nove de junho de 2009 no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem deste post: Rendas, foto de Ida Duclós.

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