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8 de junho de 2009
O QUE DEVE SER SUBSTITUÍDO
Nei Duclós
Soube que estão demolindo os viadutos e que no seu lugar áreas urbanas deterioradas ressurgem, livres dos monstrengos que por um tempo foram confundidos com progresso – parece que o Minhocão de São Paulo está na lista. Recentemente, um radioamador deu um furo internacional em todos os novos recursos da mídia no caso da Air France. Nada mais obsoleto do que a idéia de “progresso”. O erro é o mesmo que alimenta o preconceito contra a idade. O que era velho – bonde, trem, radioamador – não prestava. O chamado novo sim é que era uma maravilha.Essa besteira está fazendo água, pois o mundo não se divide entre velho e novo e sim entre o que é adequado e o que não funciona.
Por exemplo: os jornais impressos. O que não vale mais não é o fato de serem de papel, mas o de insistirem em serem a única mídia que conta, como aconteceu com o acidente da Air France. Todo mundo já sabia, comenta o ombudsman da Folha deste domingo, mas a manchete do jornal nada acrescentava o que a internet e o rádio divulgaram no dia anterior. Outro exemplo: bandas de rock. Até quando vão tirar as fotos fazendo cara de mau, em planos diferentes, olhando de maneira cool para a câmara, normalmente cruzando os braços? Até quando vão fazer aquelas piruetas com guitarras? O público já demonstra cansaço tentando bandas de rapazes bonzinhos, mas o esquema continua o mesmo.
Mais um exemplo. Programa de auditório. Diante da quantidade de atrações que a internet mostra, para que serve as merdas (nunca serviram) apresentadas nessas joças? Agora querem mostram vídeos, como se pudessem imitar o you tube. Ou fingem que navegam tocando em telas imaginárias, a clonar o internauta. As grades da TV aberta estão completamente defasadas. Se colocassem no ar os maravilhosos filmes dos anos 40 e 50, como faz a TCM, canal pago, haveria uma saída. Mas não precisa ser isso. Pode ser outra coisa. Mostrar uma banda que não seja metida a cool, por exemplo.
No fundo, os programas de auditório estão repetindo o Chacrinha. No Faustão, as chacretes estão chegando aos 40 anos. O pessoal que faz coreografia lá atrás firmou no emprego, garantido pelo monopólio, e ocupa o lugar das garotas de 20. Deveria acabar com esse esquema fajuto e inventar outra coisa. Um programa cultural de massa, que tal? Sem celebridades instantâneas e com gente da pesada falando, atuando, dançando, cantando, tocando? Ainda temos esses talentos no Brasil? Aos potes, de todas as gerações. Estão sumidas, muitos morrendo. É uma lástima. Você viu alguma vez o Zé Gomes em horário nobre? Jamais! Nem em horário nenhum.
O que deve ser substituído são as fórmulas inadequadas, não o que é velho. Uma idéia recente pode ser uma droga. É preciso somar tudo o que há e houve de bom em um século de indústria cultural. Vi hoje Sorry, wrong number (1948), de Anatole Litvak, com Burt Lancaster e Barbara Stanwyck (foto) baseado numa peça escrita para o rádio por Lucille Fletcher, considerada a melhor e mais importante peça radiofônica do mundo pelo Orson Welles, que era do ramo. Mulher inválida pega linha cruzada e ouve o plano do seu próprio assassinato. Filmado em tempo real, é de arrepiar. Depois foi imitado até mesmo pelo roteirista de Hitchcock, Frederick Knott, em Disque M para Matar. Peça de qualidade para radio, eis algo que não poderia ser deixado de lado.
Escritores profissionais produzindo para as empresas de comunicação, hábito americano que jamais imitamos. No Brasil, pegam os talentos para fazer bobagem. Eu fui anexado ao copy desde o primeiro emprego, como se corrigir o texto alheio fosse mais importante do que produzir textos para a própria mídia que me empregava. Tive que fazer tudo à revelia, paralelamente. Produzi muito e publiquei pouco, menos mal. Poupa os leitores de erros.
Mas agora produzi um trilhão de caracteres, que estão na rede. Quem quiser, acessa. Está disponível. Não esqueçam de dar o crédito. Sou mídia e nunca escrevi tanto. Também estou envolvido em projetos para produtos impressos. Sinal que há espaço para a criação, que deve romper as comportas do que é defasado. E filme noir é atual, de hoje. Assim como a rabeca de Zé Gomes. Eterna.
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