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14 de maio de 2009

A LÓGICA DO ESTUPRO


Nei Duclós

A vítima merece e gosta, eis a lógica do estupro, tão exercida hoje nestes tempos “democráticos”. Apanhou em casa? Quem mandou casar com o cara e não denunciar no primeiro tabefe. Não se leva em conta o laço emocional que trava a razão, a questão da sobrevivência, especialmente quando há criança na jogada, entre outros fatores. O político rouba, não presta? Você votou nele, a culpa é sua. Sabemos que não é assim. Primeiro, porque a fraude campeia. Lembro de uma campanha em São Paulo anos atrás. Determinado candidato (soube pela chamada Rádio Peão, muita ativa nos corredores) teria recebido uma oferta de 15 mil votos de um cabo eleitoral.

Inúmeras denúncias sobre tungas variadas caíram no vazio. Recentemente, no Orkut, falou-se muito na mega-operação de fraudes nas eleições presidenciais de 1989, aquela que colocou o Lula no segundo turno para perder de Collor. Tudo pode acontecer num curral, numa urna eletrônica. Voto é coisa séria, define quem vai botar a mão no butim. Então, os donos do butim cuidam para se preservar e colocar toda a culpa no eleitor.

Segundo, as pessoas votam no discurso, pois é só o que existe antes da eleição, não na prática, que se desenvolve depois, de costas para o público. Terceiro, vota-se muito no hábito, que é aquele Pedro Simon de tantas batalhas, ou o velho Severino que providencia cesta básica. Quarto, você arrisca na novidade, que por força do sistema político engessado acaba desaguando em decepção, como aconteceu com a viuvez coletiva em relação ao Fernando Gabeira e sua opção preferencial pelas passagens.

Há também o aspecto conceitual, pouco percebido. Depois de votado, o eleito não representa quem votou nele, mas sim suas próprias ações dentro do regime político. O eleitor não pode arrostar o que é dito (“estou me lixando para a opinião pública”) ou feito (toda a família viajando para a Europa de graça). Em tese, uma nova eleição remendaria o erro. Mas não é o que acontece. Todas as vagas estão preenchidas pela força bruta ou o oportunismo dos manipuladores de votos. E há o esquema geral. Lembro de um candidato a deputado em São Paulo que não foi eleito apesar dos seus 65 mil votos, pois não pertencia a um partido com cacife, enquanto um cacique do PMDB se reelegeu com apenas 35 mil votos. Ora, quem tem mais voto deveria levar, independente de partido.

Mas argumentar contra idéia fixa é perda de tempo. O fundamentalismo é como o drogado: só pensa naquilo. O povo é besta, ponto. Vota em massa no Clodovil e em outros Cacarecos. A insubordinação elegeu Clodovil, não a consciência política ou a imbecilidade coletiva. Enredado por diversas armadilhas, tendo caído em milhares de contos do vigário, o eleitor brasileiro também quer fazer demonstração de força, provar que sabe lidar com artimanhas, por isso elege rinoceronte ou estilista.

O fato é que em toda lógica de estupro existe covardia intelectual e racismo. Colocar a culpa no povo é somar argumentos à ditadura.

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