Blog de Nei Duclós. Jornalismo. Poesia. Literatura. Televisão. Cinema. Crítica. Livros. Cultura. Política. Esportes. História.
Páginas
▼
13 de maio de 2009
FALLEN IDOL: O MOSAICO GENIAL DE CAROL REED
Nei Duclós
No ano em que eu nasci, 1948, era assim que se fazia cinema: no filme Fallen Idol, dirigido por Carol Reed (1906-1976) com roteiro de Graham Greene, o policial tira o aviãozinho de papel da mão do garoto, que tinha caído ao recuperar o brinquedo preso num enfeite; depois, do alto da escada (onde possivelmente a vítima tinha pulado para a morte) o joga lá embaixo, no vestíbulo, onde estão os inspetores, o detetive, os diplomatas e o suspeito, o mordomo Baines, interpretado por Sir Ralph Richardson, o ator britânico que antes de entrar para o cinema já era uma lenda do melhor teatro do mundo. O brinquedo faz uma evolução e pousa no mosaico do piso de mármore da embaixada onde aconteceu um assassinato, o da esposa do mordomo.
Cai bem nos pés de Jack Hawkins, ainda moço naquela época, bem antes de marcar forte presença em outra obra-prima, Lawrence da Arábia, de David Lean, em que faz um general indiferente, bruto e corrupto. Hawkins desfaz a forma do aviãozinho e descobre que o papel é do telegrama que incrimina o suspeito. O garoto resolvera brincar com ele, depois que o telegrama avisara a Baines que sua esposa não viria para casa naquele dia. Mas Baines tinha mentido. Escondera o fato de que estava com a amante. Dissera que o jantar a três (ele, a amante e o menino) incluía a esposa ausente. O detetive interroga então o mordomo, que cai em contradição.
Isso já não é mais suspense, é terror feito a partir de elementos simples, que compõem uma pintura em preto e branco insuperável, onde a qualidade, a textura da imagem, a coreografia dos atores, a postura de cada um, o clima pesado de desconfiança e pânico fazem de Fallen Idol uma prova de que o cinema atingiu há tempos seu esplendor e de lá para cá só vem decaindo. Ninguém fez nada parecido com o que vemos na tela. A grande embaixada como ambiente de uma orfandade, o do menino que sente saudades da mãe e vê o pai ausentar-se mais uma vez; de uma traição, a do marido que namora a funcionária; de um amor, o da mulher que tenta fugir do homem que a atrai e com ele mantém encontros furtivos em cafés escondidos em becos; de indiferença, das empregadas que falam mal de todos. A grande casa é o território estrangeiro dentro de Londres que se vê envolvida por um escândalo e a política tenta driblar a todo custo.
O cenário limpo, iluminado, de uma cidade imperial e pacata, de uma mansão a cavaleiro de um parque, revela a tragédia pessoal dos protagonistas, tudo sussurrado em diálogos perfeitos, gestos contidos, pequenas espionagens, segredos que não duram uma tarde. Tudo vai num crescendo até chegar às cenas de explosões de luzes (na brincadeira de esconde-esconde), no acidente que mata a mulher e na investigação meticulosa, obsessiva, certeira dos policiais. Um sufoco do começo ao fim num filme encantador. É inteligente demais para ser verdade. Mas é um fato. E está aí para ser visto. Por que não colocam essas obras ao alcance de todos? Porque há bandidos no poder.
Está vendo muito blockbuster? É porque existem gangsters no poder, é por isso. Quem programa "American Pie 5" no horário nobre da Tela Quente é porque fugiu da prisão perpétua, onde deveria cumprir pena de crime hediondo. Sim, estou falando contigo, programador da Rede Globo, bundão. Você está cheio de histórias para contar, justificativas a apresentar, evidências a expor, lógicas a suplantar qualquer argumento ao contrário. Você fala em nome do povo, não é mesmo? Ou então diz que cumpre ordens, é isso? É disso que o povo gosta não é? Pois teus dias estão contados. Pagarás caro por colocar adolescentes escrotos americanos pelados vomitando na cara de todo mundo e olhando um para o pau dos outros. Verás, puto. Estás solto porque os manda-chuvas são piores do que você.
Sir Carol Reed fez não apenas três reconhecidas obras-primas, como Fallen Idol, The Third Man (1949) e Nosso Homem em Havana (1959). Fez também o inesquecível Trapézio, de 1956, com Burt Lancaster e Tony Curtis. E fez Agonia e Êxtase (1965), com Rex Harrison e Charlton Heston. Tem também Outcast of the Islands, de 1952, baseado em romance de Joseph Conrad, que eu ainda não vi. É um dos grande mestres do cinema. No presídio em que serão colocados os atuais programadores de filmes das TVs, as 31 obras de Carol Reed passarão todos os dias. Os caras vão ter que decorar cada fala, cada imagem. Vocês verão.
RETORNO - Imagem desta edição: cena de Fallen Idol. Richardson está no centro,ao fundo, de terno preto. Jack Hawkins, ao seu lado, de perfil, se sustenta no corrimão da escada.
Belo ensaio, Poeta!
ResponderExcluir