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1 de abril de 2009

O TRABALHISMO E A POLÍTICA DAS ALIANÇAS


Nei Duclós

Hoje, Primeiro de Abril de 2009, é o aniversário de 45 anos do regime que nos governa, instaurado em 1964. É uma ditadura de camaleões, que usam todos os disfarces, mas deixam o rabo de fora: seu ódio, sua permanente campanha contra o trabalhismo. Um novo livro da professora Maria Luiza Tucci Carneiro, por exemplo, tenta desmoralizar o fato de Oswaldo Aranha ter uma estátua em Israel e ter sido indicado para o prêmio Nobel da Paz no final dos anos 40. Sua obsessão é provar que Aranha, Getúlio e os governo trabalhista de 1937 a 1945, era anti-semita. Sua prova? O fato de Aranha ter negado visto a milhares de emigrados judeus.

Só em 1940, o chanceler Aranha conseguiu liberar 1.800 vistos para judeus. Ele lutava contra as forças de ultra-direita instaladas na Polícia e em alguns ministérios, como o de Francisco Campos. Trata-se, portanto, de uma prova de araque, que passa por cima das contradições do Estado Novo, um regime instaurado graças a um contra-golpe que evitou que a porção nazista das Forças Armadas, da Política e da Polícia (que estava fortalecida depois da quartelada da Intentona Comunista, em 1935) tomasse o poder. As forças da ultra-direita, em plena era Hitler, estavam fortalecidas e ao serem derrotadas em 1937 não foram neutralizadas totalmente (tanto é que em 1938 os integralistas tentaram tomar o poder a tiro). Participaram do governo perseguindo inclusive o chanceler Oswaldo Aranha, que segundo seu grande biógrafo, Stanley Hilton, queixou-se a Getúlio Vargas da atitude invasiva do chefe policial Felinto Muller (que participou de 1964 e tornou-se seu líder no Congresso) inclusive contra a própria família.

Essa tensão dialética, que faz parte da natureza da História, é deixada de lado pelos que querem caluniar a Era Vargas. Aranha venceu a parada quando Getúlio Vargas fez sua mais importante aliança ao assinar o acordo com os Aliados na II Guerra. O fato de estar sendo pressionado por forças poderosas para o nazismo é encarado como sua “simpatia” a Hitler. Quem foi empurrado miseravelmente para o nazismo foi o país argentino, que forneceu insumos para a Alemanha e depois acolheu grandes carrascos que fugiram da Justiça.

As alianças fazem, portanto, parte do trabalhismo. A Revolução de 1930 foi uma árdua composição de forças antagônicas: militares e civis, Minas e Rio Grande do Sul, conservadores e radicais, legalistas e revolucionários, elite e povo. Duas personalidades são fundamentais para entender essa difícil sintonia que desaguou no movimento vitorioso: o próprio Oswaldo Aranha, nascido em Alegrete de um ramo familiar que viera de São Paulo, e Virgilio de Melo Franco, de tradicional família mineira (assassinado por um empregado em 1948) autor do mais revelador livro sobre essa guerra: Outubro, 1930, de leitura imprescindível.

Virgilio conta com detalhes e farta documentação, como foi difícil fazer acontecer a revolução, pois Getúlio, ao contrário do que dizem seus detratores, não era um dúbio instável e matreiro, mas sim um estadista de grande responsabilidade, que deixou claro aos organizadores da revolta o conceito de que não haveria volta e que a briga era para valer. Não se tratava de uma aventura nem Getúlio tinha vocação para o exílio. Era vencer ou morrer. E foi essa radicalidade que instrumentou Virgílio e Aranha para o embate. Claro que logo depois da revolução encarregaram-se de criar o mito da esperteza getulista, com Barbosa Lima sobrinho e seu livro “A verdade sobre revolução de outubro” à frente. Apesar da má vontade de Barbosa Lima Sobrinho, o livro é bom e merece ser lido.

O gênio político de Vargas compunha forças antagônicas em favor de um bem sucedido projeto de Brasil – que foi destruído a partir de 1964 e é por isso que vivemos nas ruínas de um país, bata olhar em torno. Isso foi confundido, de propósito, com manha, matreirice, esperteza. Seus sucessivos governos (Governo Provisório de 30 a 33, Governo Constituinte de 34 a 37, Estado Novo , de 37 a 45, e a presidência sob a Constituinte de 46, de 1950 a 54), todos a favor do povo brasileiro, foram definidos como populismo e é por isso que inventaram Jânio Quadros, que seria um Getúlio providenciado pela direita (e não é outro o motivo de Jânio escandir as sílabas imitando o sotaque gaúcho).

Depois de 45, Getúlio fundou o PTB e o PSD, para que as alianças ao trabalhismo funcionassem. O PTB trabalharia no centro, onde se situa o trabalhismo, que é a implantação da harmonia entre capital e trabalho por meio de um governo de país soberano, e à esquerda, pegando socialistas e comunistas. O PSD iria do centro para porções mais conservadoras. Era um processo político e eleitoral imbatível. Juscelino era o PSD com um vice trabalhista. Depois dele viria Jango, depois Brizola. O trabalhismo só seria parado a tiro, como realmente foi.

Um dos motivos da derrota do trabalhismo em 1964 foram as alianças mal resolvidas, entre Jango e alguns militares que o rodeavam, com patentes militares subalternas, com os próprio comunistas que radicalizaram irresponsavelmente o processo levando a presidência junto. Outra aliança mal resolvida vinh de mais longe. O golpe foi, ntre muitas outras coisas, uma vingança de Ademar de Barros, governador paulista, que tinha dado seu apoio em 50 a Getúlio em troca de sua candidatura em 1955. Os trabalhistas preferiram JK. Por isso Adhemar, em 1964, era o mais radical líder civil do golpe de estado.

Um dos motivos da derrota do trabalhismo pós Anistia foi exatamente a política de alianças. Brizola, pressionado pela ditadura, que seqüestrou sua sigla, apelou para quadros políticos fora do trabalhismo e colecionou uma gang de inimigos e defecções da mais pobre estirpe. O trabalhismo assim ficou só, à mercê da sanha assassina dos que o devoraram e hoje o exibem como um troféu no Ministério do Trabalho, onde essa personalidade fake do Carlos Luppi faz o triste papel de coveiro do trabalhismo numa época de sucateamento, na prática, dos direitos do trabalhador.

O trabalhismo precisa abandonar sua política de alianças mal sucedidas, deixar de amealhar quadros vindos de outras forças, como é o caso de Cristóvão Buarque, o candidato vindo do PT que cantou sua derrota antes da votação e que acha que a educação é panacéia (sabemos que não é; nada se faz na educação sem uma mudança radical na política econômica).

Para ressuscitar, o trabalhismo deve apostar nos seus quadros: os veteranos não contaminados pela espúria política de alianças e a jovem militância, que está com gana de fazer acontecer. Só fortalecido internamente o trabalhismo poderá voltar a fazer alianças. Fraco como está, todos se servem e ainda debocham.

RETORNO - Imagem desta edição: Getúlio Vargas e Oswaldo Aranha, segundo a revista Life, em 1939 (foto copiada do espaço do Orkut do trabalhista Eduardo de Lucca). O Brasil tinha prestígio e era paparicado como grande nação.

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