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2 de abril de 2009

O ESCÂNDALO DA CARNE


O filme Garapa, de José Padilha, mostra a fome do povo, no país que exporta proteínas, sendo mascarada por água com açúcar. Causou engulhos no Festival de Berlim, onde foi apresentado fora de concurso. A Alemanha é uma das nossas principais consumidoras da carne que produzimos por aqui. Com a crise internacional, a exportação diminuiu brutalmente. Foram vendidos menos 42% em relação ao início do ano passado. O resultado é demissões em massa. Milhares de trabalhadores foram para a rua no interior de São Paulo e Mato Grosso do Sul. Ao mesmo tempo, o preço da carne baixou em média uns 10 por cento nos supermercados.

Isso sim é que deveria dar engulhos. Como que países ricos, politicamente corretos, cheios de boas intenções, sustentam um comércio ilegal desses, em que são usadas nossas extensões de pastagens, a tradição da pecuária e a excelência do que aqui produzirmos para tornar coradas as faces estrangeiras, enquanto o amarelo-miséria é cevado por toda a nação? Como pode a proteína ser exportada quando o povo morre de subnutrição? Como pode ser encarado como normal o fato de que agora o filé mignon custa a metade, já que a União Européia e os eslavos pararam de comprar um pouco da melhor peça do boi?

Parei de comer carne há tempos. Só de vez em quando tenho uma recaída, mas me arrependo. Churrasco, nem pensar. Já estou criado. Mas a massa gigantesca de crianças e adultos em petição de miséria precisam comer o que o Brasil produz.”Ué, vai dar esmolas?” perguntarão. “Como eles terão condições de comprar?” Claro que existe condições, se encararmos o ganho de escala. Em vez de empurrar carne de segunda ou clandestina (nos vários abates ilegais tolerados pela corrupção) esse produto de primeira que cai no bucho dos gringos deveria ser distribuído a preço subsidiado por todo o país. Custaria menos do que arcar com as conseqüências da fome. O governo deveria se encarregar de criar uma rede de distribuição decente, que atingisse toda a população. Em meio ano veríamos os resultados.

Tenho para mim que os empresários de alimentos não gostam mesmo dos brasileiros. Eles preferem encher a carcaça de árabes com nosso frango, que falta à mesa e é substituído por garapa, com a nossa carne, que tiraria da maldição absoluta milhões de pessoas encarceradas pela fome. Com tanta terra e fartura, a fome no Brasil é produzida, de propósito. Eles fomentam a fome porque assim desejam. Grandes empresários e políticos se dedicam a provocar a fome na população, enquanto engordam as estatísticas perversas que falam em divisas e provocam consternação nos jornalistas vendidos, os que se acostumaram a rir do churrasquinho de gato no caminho para o trabalho e a se locupletar nas casas de luxo dos restaurantes especializados.

Picanha maturada, já provou? É invenção argentina. Ele colocam a carne no leite e deixam amolecer. Depois servem pequenas porções em grandes pratos brancos. Cobram os tubos. Os jornalistas adoram. Dá sensação de poder. Enquanto isso, a população consome, quando consegue, a carne de zebu duro que vem de Minas, enquanto o gado europeu do Sul vai para o Exterior. Fui criado no meio dos rebanhos. Açougue em Uruguaiana tinha perfume de carne fresca. No lado argentino então era covardia. A melhor carne do mundo. Em São Paulo, por décadas tive que consumir os bifes duros dos zebus, búfalos, que sei eu.

Mas pelo menos é melhor do que consumir água açucarada. No fundo, quem provoca a fome se acha de sangue azul. Acha que merece vender em dólar. Tem orgulho do seu negócio. Diz que é bom para o Brasil, que o país se desenvolve, que isso e aquilo. “Veja só, o estrangeiro não compra, gera desemprego, o povo sofre”. Bando de cretinos. Não demitam ninguém, dirijam a produção para o mercado interno, baixem os preços. Ganhem em escala. Isso aconteceria num governo de Brasil soberano. Numa ditadura, essa é a situação.

RETORNO – 1. Imagem desta edição: cena de “Garapa”, de José Padilha.

EXTRA: SOBRE AS ELIMINATÓRIAS

1. Quer dizer então agora que a Argentina, por ter levado seis a um da Bolívia, nunca prestou? A seleção é um bando de cretinos, jamais jogaram nada, o Maradona é um fracasso e merecem o repúdio de toda a população de lá? Ou será que o tropeço será lembrado apenas como um mau momento da seleção, de tantas vitórias? Pergunto isso porque toda vez que o Brasil joga mal a tendência é fazer tabula rasa de tudo, achando que somos os vira-latas já enterrados sucessivament em cinco campeonatos mundiais.

2. Escândalo é uma platéia de dezenas de milhares de pessoas e uma audiência de milhões ter de esperar até as dez da noite pelo jogo. A população vem em segundo plano. O destaque é para os energúmenos do Big Brother, que se roçaram bastante cantando o hino do desfrute, o tal da "festa do apê" (que divide a glória com o "vai rolar a festa"). A Globo coloca todo mundo na grade.

3. Borghetinho é muito querido no Rio Grande do Sul, espécie de unanimidade, mas fiquei desconfortável, para dizer o mínimo, com suas interpretações dos hinos do Peru e do Brasil na sua sanfona. Apesar do muito que já tocou e gravou, interpretando música tradicional gaúcha e também a vanguarda que bebe nas águas de Astor Piazzolla, eu continuo preferindo o João Damásio, de Uruguaiana, e seu eterno tema, o Suco-suco. Aliás, quem contaria para nós as histórias do João Damásio? Esqueci todas.

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