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31 de janeiro de 2009

O BRASIL É O MICHAEL JACKSON


Ao proteger o produto nacional, proibindo que se use aço estrangeiro em obras de infra-estrutura americana, o presidente Obama se transformou no Getúlio Vargas. Os gringos tiraram a escada da globalização e deixaram Lula falando sozinho, de pincel na mão em Belém, no Fórum Social Mundial (que agora ganha farta cobertura, ao contrário do tempo em que era realizado em Porto Alegre na época tucana, ou seja, quando a Globo servia ao PSDB e o PT fingia ser do movimento). É de chorar ver o presidente brasileiro criticar o protecionismo dos EUA, que sempre serem foram protecionistas e inocularam o virus da abertura das fronteiras nos países que invadem e sugam.

O Brasil privatizou tudo. Pior: implantou, até mesmo no que resta de serviço público, as certezas dos negócios particulares. Deixamos de lado tudo o que promovia o emprego em massa e fazia a economia se movimentar, das ferrovias à construção civil, tudo o que beneficiava a população, dos centro de saúde e hospitais às grandes universidades federais, hoje ameaçadas. Entregamos a siderurgia arduamente conquistada na época da guerra. Nosso aço é dominado por grandes grupos estrangeiros, assim como toda a indústria petroquímica. Não podemos ter indústria de ponta sob pena de sermos destruídos, como aconteceu no incêndio suspeito na base de Alcântara.

É como a recente piada sobre o Michael Jackson. Hoje, os negros ocupam as posições de destaque na Casa Branca, em Hollywood, nos esportes, enquanto o autor de Thriller amarga a brancura Rinso que escolheu para negar seu passado. Somos o Michael Jackson: deixamos de ser o que éramos, por pressão dos outros, resolvemos assumir uma outra identidade, para sermos aceitos pelos maiorais e eis que os grandões se revelam, são o que éramos antes. Ou seja, invejavam o Brasil soberano, aí veio a direita a partir de 1964, usou toda essa canalha que voltou do exílio para cooperar com a ditadura civil e temos o resultado. É trágico ver o Gabeira achar que o mundo precisa ser melhor e não outro mundo, como pregava antes. Tchê, Gabãira: não existe mundo melhor. Ou você muda o mundo ou se afoga na merda.

O melhor dos mundos são nações soberanas, com fronteiras, se respeitando mutuamente. Não é ficar de braços cruzados vendo o PSDB se aliar ao PT para peitar logo quem, o Sarney, que mal consegue sair de dentro da limousine preta. Não é participar desse baile sinistro de máscaras no cemitério do país sucateado, como no hit de Michael, que emprestou seu nome para milhares de pobres crianças brasileiras, todas se chamando Maicon, distorção da palavra original. Imitamos pobremente o que achamos ser estrangeiro, quando no fundo são apenas ilusões plantadas para deixarmos de existir.

Tem que proteger a indústria, sim, retomar o aço e toda a siderurgia e a petroquímica, expulsar os chineses do mercado, os malaios que derrubam a floresta, os cucarachas que querem invadir a Amazônia sob a bandeira do cheguevarismo de espoleta. Tem que trocar a soja e a cana pela agricultura alimentar de massa, longe das especulações a futuro e a presente. Tem que intervir na radiofusão e impedir o processo de imbecilização total do país. Tem que tirar dos livros escolares as mentiras sobre o Brasil dizendo que aqui tudo foi obra da sacanagem da nossa política, da nossa guerra e da nossa diplomacia. E não adianta agora ficar falando em soberania, se não existem políticas públicas de país soberano.

Enquanto ficamos demitindo na indústria e no comércio, à mercê das crises que eles inventaram e nós abraçamos, eles seguem o caminho do velho Getúlio: protegem seus produtos e regam a economia de dinheiro público. É assim que se faz. Deixamos de fazer porque, todos sabem, Getúlio era esse monstro do atraso. Agora se descobre que o grande estadista estava na vanguarda. Levaram décadas para chegar onde ele chegou nos anos 30.


BATE O BUMBO – ANTOLOGIA NO BLOCOS ONLINE

O Blocos Online é esse fenômeno cultural criado e mantido pela poeta Leila Miccolis, que conheço de longa data e é uma admiradora do meu trabalho literário. Trata-se de um gigantesco portal de literatura e cultura, que periodicamente lança alguns produtos que estão disponíveis para todos os públicos. Fui agora brincado com um convite especial para participar do Panorama da Prosa Brasileira Contemporânea Vol. 1, onde estão selecionados três textos meus: Galo Inventa a Manhã, Dominó de Assombros e Caça Ao Quarto Crescente (crônica originalmente publicada na revista Globo Rural). Estou ao lado de outros escritores também brindados pelo critério de seleção da poeta Leila, muito mais confiável do que muito inventor de antologias e seletas. Visite, leia.

30 de janeiro de 2009

MENTIRAS PARA ESTUDANTES


As aulas se aproximam e vamos colocar em ítens algumas mentiras recorrentes para os estudantes, armadilhas que os prendem ao vazio da vida e à falta de perspectivas. Pois a mentira oficializada num púlpito de professor, num texto impresso distribuído na classe, ou imposta em vestibulares, é muito mais prejudicial do que qualquer outra.

ESTAMOS NUMA DEMOCRACIA - Não estamos. Continuamos numa ditadura, a mesma de 1964, pautada pela ciranda financeira, o arrocho econômico, a má distribuição de renda, a falta de soberania, o sistema político engessado, as campanhas eleitorais manipuladas, a transformação do jornalismo em entretenimento, os assassinatos de repórteres, a violência em massa, as medidas provisórias, o Sarney no Senado e por aí vai.

CADA UM ESCREVE COMO QUER - Quando o professor disser que tudo pode na linguagem, que a língua falada e escrita no Brasil é a casa da mãe Joana, e que cada um usa o miguchês (aquele patuá que dissemina coisas como huahuahua) que bem entender, que isso é legal, cool e revolucionário, não acredite. A verdadeira revolução é a vida civilizada e esta está fundada no uso da língua culta, a que foi formatada pelos grandes mestres e deve ser estudada todos os dias para que possamos conviver em paz na diferença.

TODA DITADURA É GETULISTA - Mentira. Getúlio Vargas não é o que pintam. O regime de 1964, que ainda está em vigor, foi implantado para desconstruir o Brasil Soberano, obra de Getúlio Vargas, desenvolvido desde 1930 e que gerou o ambiente propício para o surgimento da maior massa de gênios da civilização brasileira. Quando falarem da era Vargas, diga: a Era Vargas é aquele período no Brasil em que o Carlos Drummond de Andrade era chefe de gabinete do Ministério de Educação e Cultura.

O BRASIL FAZ PARTE DO PLANETA - Não faz. O Brasil é uma construção histórica e cultural, uma obra humana, portanto não está rolando no espaço sideral para o deslumbramento dos babacas e a cobiça dos piratas. Quem faz parte do planeta é o Pólo Sul, o alto mar, o céu estrelado. O resto são nações com fronteiras bem resguardadas, a não ser claro, as do Brasil, que são uma peneira por onde passa boi, passa boiada. Entra lá nos Estados Unidos e diz que eles são do planeta, vai. Planeta são os outros.

NO BRASIL NÃO HOUVE GUERRA - O Brasil é fruto da guerra, da longa luta dos nossos ancestrais num feito memorável, a conquista de oito milhões e meio de quilômetros quadrados de território. Obra realizada no muque, na estratégia guerreira e na diplomacia fundada na soberania nacional. Guerreamos contra holandeses, franceses, portugueses, espanhóis, paraguaios, argentinos, uruguaios. Peitamos ingleses e fomos até a Europa matar soldados fascistas e nazistas. No Brasil houve muita guerra e ainda há, basta olhar em torno. Só que a guerra atual é obra perversa do regime político que nos governa.

A COLONIZAÇÃO É OBRA DE MIGRANTES EUROPEUS - Mentira. Os índios ensinaram os portugueses a sobreviver na selva, os índios ensinaram os açorianos, os índios cruzaram com os alemães, os índios estão por toda parte, no nariz batata do alemão batata, na pele morena dos descendentes europeus. Ao mesmo tempo, os negros fizeram todo o serviço colonizador, construíram as casas, as cidades, plantaram, colheram, transportaram, limparam a sujeira alheia. Foram os índios, foram os negros e foram os mestiços. Os que vieram depois ganharam o crédito. Portanto, é mentira. Acredite: quem migrou para o Brasil em 1824, como os alemães, quando pisou aqui no Brasil já não era mais alemão, era brasileiro. Então, não adianta dizer que é alemão depois de 200 anos de Brasil.

VOCÊ PRECISA LER ESSES AUTORES - Não acredite em listas de autores contemporâneos. Todos esses que aí estão badalados pela mídia são superados por centenas de outros autores que ficam na sombra. Então o que existe é a grande diversidade de talento no Brasil. As figurinhas carimbadas, que estão em tudo que é evento pontificando, esses são de segundo e terceiro time. Os melhores ficarão e só serão descobertos depois que a canalha que vive de incensar os fakes morrer. É sempre assim. Na dúvida, leia os grandes clássicos, antigos e modernos.

29 de janeiro de 2009

UMBERTO D.: ADEUS AO TEMPO


Vittorio de Sica é o diretor imprescindível que nos legou várias obras-primas. Uma delas é Umberto D. (1952), o celebrado filme sobre um aposentado em Roma e seu cão. Ele enfrenta a ferocidade da sua senhoria, que quer expulsá-lo do quarto de pensão que ocupa há vinte anos, e é apoiado pela empregada grávida que tem dúvidas, entre dois soldados, sobre quem é o pai da criança. Atores amadores, como Carlo Battisti, que faz o papel principal, e locações autênticas de uma Roma decadente e poética, nos levam para uma intensa, lenta, dilacerada dimensão onde se destaca a despedida não apenas de uma época, mas do Tempo.

É revelador o momento em que Umberto coloca o relógio despertador embaixo das cobertas para lhe fazer companhia. Ele estava com gripe, se encontrava numa situação complicada, mas quem sofria de doença terminal era o Tempo. O mundo jogava fora os velhos que lutaram por ele e no seu lugar colocava o Eterno Presente, a juventude irresponsável e superficial, a indiferença olímpica dos antigos companheiros, o desprezo coletivo no lugar da solidariedade e do amor. Não há lugar para o velho e seu afeto representado pelo cão. E não há mais tempo para sobreviver.

Para conseguir honrar seu compromisso na pensão, onde acumulou dívidas por força de uma aposentaria escassa, Umberto se livra do relógio de bolso, relíquia que guardava como um talismã e que significava sua posição estável, sua ligação com o mundo produtivo, quando precisava ver as horas para trabalhar ou sair do escritório. Ele torra o relógio, dá adeus ao Tempo que o embalou por toda a vida, mas o dinheiro não é suficiente. A dona da pensão, uma coquete salafra que faz reuniões cantantes atormentando os hóspedes na hora de dormir, quer o pagamento total da dívida. Era apenas uma desculpa para expulsá-lo.

Fora de sintonia em todos os estamentos sociais, tanto em relação aos ex-colegas quanto da humanidade ao redor, o velho tenta ganhar tempo passando um período numa gigantesca enfermaria pública, ambiente de pesadelo que ele enxerga como sua salvação passageira. Tentava assim economizar na pensão para poder continuar nela, pois os dias em que estava internado não contavam no aluguel. Inclusive a dona alugava o quarto para encontros amorosos. Mas em vão. Ele acaba indo mesmo para a rua, viver sua situação limite. Leva com ele algumas roupas, nenhum relógio e o cachorro.

É salvo pela quebra de confiança que produz no seu companheiro fiel, ao tentar um suicídio duplo na ferrovia. Os dois escapam, mas Flicke (esse é o nome do cão) agora foge dele. O esforço que faz para recuperar o amor perdido acaba trazendo de volta a alegria e a esperança. Na cidades dos grandes espaços carcomidos e vazios, onde as pessoas cumprem seus afazeres rotineiros, onde não há mais lugar para a comunhão coletiva, onde todos estão apartados de todos, a ligação amoroso de um velho com um cachorro encerra uma lição. É preciso recuperar o tempo jogado fora, não desesperar, insistir, mesmo que tudo pareça conspirar contra.

Eis a obra-prima de Vittorio de Sica, que conheci primeiro como ator, fazendo adoráveis bobagens e interpretando papéis histriônicos de juiz, advogado, pilantra. Um talento fantástico, que ao dirigir Ladrões de Bicicleta ou Duas Mulheres deslumbrou a todos. Grande Vittorio de Sica, que desafia o tempo com suas lições de Mestre do cinema. Vamos ver, rever seus filmes e redescobrir a Sétima Arte, essa maravilha da indústria pautada pelo gênio.

RETORNO - Imagem desta edição: Carlo Battisti, o aposentado em Umberto D., de costas para o trabalho produtivo, representado pelo andaime com operários. Ele sofre com o tempo sequestrado de suas mãos e do seu bolso.

28 de janeiro de 2009

VIDA FAMILIAR



Jacques Prèvert
Tradução: Nei Duclós

A velha faz tricô
O filho, a guerra
Ela acha natural.
Dos negócios, cuida
O velho

A fêmea na agulha
O rebento no incêndio
O macho entre sócios
Tudo bem normal,
sério

O guri herdará o quê
no fim da merda?
Nada. Tiro, lã, balcão
continuam. Só ele
se estrepa

Os dois o enterram
como de costume.
Rotinas eternas:
Grana, manta, morte
Vida de cemitério


O POEMA NO ORIGINAL

Familiale

Jacques Prèvert

La mère fait du tricot
Le fils fait la guerre
Elle trouve ça tout naturel la mère
Et le père qu'est-ce qu'il fait le père?
Il fait des affaires
Sa femme fait du tricot
Son fils la guerre
Lui des affaires
Il trouve ça tout naturel le père
Et le fils et le fils
Qu'est-ce qu'il trouve le fils?
Il ne trouve absolument rien le fils
Le fils sa mère fait du tricot son père des affaires lui la guerre
Quand il aura fini la guerre
Il fera des affaires avec son père
La guerre continue la mère continue elle tricote
Le père continue il fait des affaires
Le fils est tué il ne continue plus
Le père et la mère vont au cimetière
Ils trouvent ça naturel le père et la mère
La vie continue la vie avec le tricot la guerre les affaires
Les affaires la guerre le tricot la guerre
Les affaires les affaires et les affaires
La vie avec le cimetière.

RETORNO - Imagem desta edição: o poeta Jacques Prèvert, autor do poema Familiale, que ganha aqui uma tradução livre.

27 de janeiro de 2009

VIRA EM CINCO


Nei Duclós (*)

Calçada e asfalto no verão eram o piso da fornalha da tarde. Nem mesmo embaixo do tufo de árvores havia brisa, refresco, alívio para nossos corpos imobilizados pela sede. De olho no carrinho de picolé que passaria ao longe, anunciado pela corneta salvadora, contávamos os minutos que faltavam para nossos compromissos, quando colocávamos à prova a sola dos pés, grossa de tanto jogar no terreno baldio, situado num declive acentuado. A natureza íngreme do estádio definia a natureza de nossas disputas.

Como o tempo era infinito, a partida limitava-se pelo número de gols e não pelas horas que passávamos ao ar livre, nos atormentando com caneladas e gritos. Cada jogo ia até dez e virava em cinco. Disputava-se no par ou ímpar quem iria primeiro para a parte mais alta do terreno, pois, a cavaleiro, podia-se avançar sem muito esforço. Rapidamente, o time do andar superior alcançava o fácil placar de cinco contra qualquer coisa, pois, dali, tiro de meta era quase um pênalti. Todo lance era facilitado pela lei da gravidade. Bastava ao adversário do escrete de cima se jogar para frente que já era meio gol.

Mas, com a mudança de posição, a vantagem virava-se contra o próprio vencedor do meio tempo. O jogo então chegava ao empate terminal dos nove-a-nove, que transformava cada guri num guerreiro medieval, capaz de cortar o braço ou a perna de quem se aventurasse a ganhar a disputa. Não era apenas o tempo reservado à peleja que contava. Mas principalmente o que vinha depois, quando depositávamos nossa carcaça embaixo do umbu e as implicâncias, sarros e provocações atingiam o paroxismo. Os perdedores tinham gana de asfixiar os meliantes que se aproveitavam do resultado para exigir mandados, como ir buscar o picolé no calorão, por exemplo.

Era uma operação complicada. Queimava-se os pés em direção ao sorveteiro e era preciso trazer todas as encomendas numa velocidade que impedisse o derretimento da prenda. Isso costumava acontecer, provocando, aí sim, contendas realmente pavorosas, que arrancavam pedaços naquela pré-adolescência feroz, quando éramos apenas garotos e o mundo, como hoje, jamais se importava com a noção de eternidade que regulava nossas vidas.

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 27 de janeiro de 2009, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: Sonho de menina, quadro de Juliana Duclós. Para contrapor a brutalidade dos garotos dos anos 50, nada melhor do que a leveza de uma outra abordagem da infância.

O MUNDO CAIU


Menos 130 mil empregos na indústria brasileira em dezembro, menos 76 mil empregos só ontem em todo o mundo. As multinacionais se livram do encargo, pois jamais quiseram gerar empregos, só riquezas, para os donos. A jactância do atual governo era subproduto dessa bolha assassina que alimentou de mentiras a mídia comprada durante anos. Agora os analistas econômicos se enrolam para tentar sair do embrulho, da maneira como sempre souberam, elegantemente.

“A expectativa é que o mundo se livre da expectativa”, disse um deles ontem ao vivo. É a coisa como um todo, entende? Cheio de perguntas respondidas na hora, como : as empresas ganharam muito dinheiro? Resposta: ganharam. Para onde foi esse dinheiro? Resposta: para pagar impostos, disse o analista. Mentiu. Deveria dizer: para o fiofó dos executivos e proprietários. É para lá que foi a bufunfa, guardada hoje nos bancos.

Com a grana, o governo deveria investir em infra-estrutura, em vez de se pavonear mundo afora participando de todos os festejos. Uma chuva destrói São Paulo em poucas horas, revelando o que é: uma gigantesca favela. Geramos apenas ruínas, essa é a nossa única obra. Como fica o ministrinho pedetista Luppi, que adorava dizer que os números fajutos do emprego maquiados eram obra dele, o trabalhista da hora? Trabalhista uma pinóia. Trata-se de um tratante. Jogou nos ombros do trabalhismo todo o ônus do miserê provocado pela incompetência do governo petista-tucano. Até emprego de passeador de cachorro vai escassear.

As perguntas, e respectivas respostas deveriam ser outras:

-Estavam todos mentindo?
- Sim.
- Por que mentiam?
- Mentiam porque isso dá lucro, que eles embolsam.
- O mundo está em recessão?
- Faz tempo. Não deveria, pois tem capacidade de gerar riquezas que, se fossem bem distribuídas, não levariam todo mundo para uma sinuca de bico, como agora.
- E a modernidade?
- O gato comeu. O filme The Enforcer, de 1951, sobre uma quadrilha especializada em matar, continua atual. Grande filme.
- Ainda estamos na era do conhecimento?
- Nunca estivemos. Vivemos a idade das trevas. Vejam a Praça da Soberania do Oscar Niemeyer. Provocou indignação geral em Brasília. Projeto de estacionamento para 3 mil carros. Concreto para dedéu. O de sempre. Só agora, depois de um século de barbaridades do grande arquiteto, resolveram reclamar? Tarde piaram.
- O mundo voltará a ser como antes?
- Voltará. Não aprendemos nunca.
- Qual a saída?
- Respeito às leis trabalhistas, o único programa de distribuição de renda do Brasil, estímulo ao empreendedorismo, com diminuição de juros e impostos, investimento pesado em infra-estrutura, distribuição de terras aráveis para um projeto nacional alimentar de longo prazo, limitação do plantio de cana e soja, fim das exportações de proteína, renegociação das dívidas, externa e pública, expulsão da invasão chinesa na indústria e no mercado, investimento pesado em educação, segurança e saúde. Além de dez chibatadas em praça pública em todos os analistas políticos, executivos de multinacionais que demitem e políticos corruptos.

Viram? É fácil. Tenho para mim que isso tudo é um apronte contra Obama, para desmoralizá-lo de cara.

RETORNO - Imagem desta edição: cena de "The Enforcer" (1951), com Humphrey Bogart, dirigido por Raoul Walsh, que não quis assinar a obra, pois apenas substituía um colega que precisou fazer tratamento de saúde.

25 de janeiro de 2009

O PÉ NÃO TEM NADA A DIZER


Nei Duclós

O texto balança ao som da bagunça
O poema se lança em fogo fátuo
O ensaio dança, a gramática ronca,
O romance é uma sesta no mormaço

Há um estudo solto atrás da estante
Cem livros não lidos sem descanso
Uma carta à espera de tratamento
Um grupo de sonetos tomando mate

Fevereiro é o mar que afoga as letras
Os blocos de rua dispensam as frases
A fúria do entrudo mastiga as páginas

Tudo fica nu e mudo em meio à voragem
O corpo ostenta a glória que lhe chupam
E o pé tropeça quando pede passagem


RETORNO - Imagem desta edição: obra de Juarez Machado.

ATUAR NÃO É FINGIR

Hillary Clinton (foto), ao tomar posse no seu novo cargo, parecia que estava assumindo a presidência. Ela confundiu os personagens. Mostrou o que está sentindo: a necessidade de apagar a derrota pela indicação do partido. Vai causar problemas a Obama. Sairá em menos de um ano. “Atuar é fingir”, disse uma vez Tônia Carreiro. Não é. Fingir é fingir. Atuar é outra coisa. Quando Hillary e Tony Ramos “atuam”, estão fingindo, portanto se entregam, fica fácil ver o que tentam mascarar, o truque fica explícito. É porque não sabem atuar.

"Não consigo viver o personagem. Não há a menor possibilidade de eu levar um personagem para a minha casa!", disse Tony Ramos à Folha neste domingo. Nem precisava dizer. Seu grego naquela novela, chupado de Anthony Quinn em Zorba, em que batia palmas e levantava os braços estalando os dedos, era uma performance de chorar. "A representação está em não complicar", diz ele. "Além de entender, compreender e decorar, é preciso saber que você não é aquele personagem e brincar com ele". Se você não é o personagem, então não está atuando. O ator é o personagem. Não finge.

Vejam James Stewart, por exemplo. Ator de grandes clássicos do cinema, inumeráveis, trabalhou com mestres, sabia o que estava fazendo. Vamos pegar dois momentos em dois filmes opostos, o faroeste Winchester 73, de Anthony Mann, e Shop around the corner, de Ernst Lubistch. É quando a câmara foca em close seu rosto. No papel do fazendeiro que sai à caça do irmão bandido, ele tem uma surpresa ao encontrar seu inimigo num bar. O susto que leva é legítimo, seu rosto, de traços comuns, redondos, o que lhe dá um aspecto físico infantil, se transforma e fica sinistro, amedrontador e ao mesmo tempo aparvalhado com a possibilidade ali mesmo de se chegar a um desenlace. Leva a mão ao coldre, mas ele está vazio, por ordem do xerife. Há grande desamparo nessa expressão. James Stewart é aquele fazendeiro, não está fingindo. Levou o personagem para casa e acordou com ele.

Em A loja da esquina, a câmara também se aproxima do rosto dele no momento da revelação, em que prova para a amada que ele é o cavalheiro anônimo que lhe enviava cartas. Sua expressão é de extremo desamparo, pois ele não sabe se será aceito por aquela que cevou tanto preconceito contra ele. Ele arrisca e espera. Ao mesmo tempo, aproxima-se da mulher como se o seu corpo implorasse para ser aceito. Jogou todo seu charme e ternura para o amor da sua vida, que podia escapar num segundo. Ele dependia dela. E teve de se submeter a um teste: levantou a barra das calças para mostrar que não tinha as pernas tortas. A mulher não queria defeito físico, queria o homem ideal.

Ele então mostra suas pernocas precárias, escassas, com meias seguradas por ligas, uma imagem bizarra, de dar dó. Stewart levanta as calças e olha para ela, com aquele olhar pidão. Ela se emociona e o beija subitamente. É quando o filme acaba. Tinha se apaixonado pela pessoa, fora dos esquemas ideais, pelo cara mesmo e toda sua precariedade. É de uma beleza sem fim. Por que? Porque aqueles dois protagonistas, naquele momento, jogavam tudo em cena. Estavam perdidos, poderiam mesmo se separar naquele instante. Mas deu certo e essa felicidade transborda da tela e chega até nós como uma avalanche. Grandes atores.

Imaginem se num segundo que fosse James Stewart desconfiasse que não era aquele cara confuso e apaixonado, que passou por tantas dificuldades e agora jogava sua última cartada. Isso iria transparecer na tela. O que vemos não é a contradição entre o ator que finge e o personagem forçado, mas sim a confusão legítima da criatura que está na tela, que é o ator em toda a glória de uma arte, a representação.

24 de janeiro de 2009

O AMOR NO CINEMA, EM ERNST LUBISTCH


A Loja da Esquina (Shop around the corner, 1940), do alemão que migrou para a América, Ernst Lubistch, é a mãe de todas as comédias românticas, gênero que substitui o romantismo literário do século 19 pelo realismo amoroso possível em tempos de guerra, de capitalismo ascendente, e também em crise, na ciência, no comércio e na indústria. É tanta coisa embutida num único filme, sem dúvida um dos dez mais feitos até hoje, que precisamos elencar em itens tudo o que ele nos traz, numa performance invejável para uma obra que vai fazer 70 anos em 2010.

O IDEALISMO CEGA – Os dois apaixonados, caixeiros de uma loja de badulaques de falso luxo para a classe média metida a aristocrata, centram seus sentimentos em criaturas ideais que eles mesmo forjaram em cartas anônimas. A correspondência se desenvolve sem que nenhum saiba quem é o outro. Enquanto se odeiam nas rotinas da loja, se amam na projeção idealista de um relação que promete acabar com a solidão. Mas a trama, naturalmente, leva à revelação de que o verdadeiro amor existia à revelia das mentiras que inventavam para impressionar o outro. A cena final, em que James Stewart, esse ator imprescindível, levanta a barra das calças para mostrar, a pedido da amada (interpretada por Margaret Sullavan) os gambitos envoltos em meias, para provar que as pernas não eram tortas, é um dos momentos altos do cinema.

AS APARÊNCIAS MATAM – O dono da loja, interpretado por Frank Morgan (que fez o papel de Mágico de Oz no clássico de 1939), acha que está sendo traído pelo seu gerente, mas se enganou. O erro lhe custou caro. Ao descobrir que a mulher o enganava com outro funcionário, tenta o suicídio. A moça da correspondência, ao achar que o amado ideal não tinha comparecido ao encontro, acaba ficando sozinha depois de expulsar seu verdadeiro pretendente, que não se identificou como sendo o autor das cartas. Em conseqüência, ela entra em depressão profunda e quase morre. A cigarreira que toca música, vistosa e bonita, que parece ao patrão um bom produto para venda, é visto pelo gerente como um tiro na água. O mimo acaba se transformando num encalhe da loja e num vetor dos conflitos dentro dela.

O TRABALHO É DIGNO - O filme não esconde os problemas de um ambiente profissional, lugar de muita crueldade, de empurrões, fofocas, vilezas, vinganças, cobiça, puxa-saquismo. Mesmo assim, nada existe de mais humano e encantador do que esta loja que se recupera financeiramente na véspera de Natal, quando sai da falência graças à determinação dos funcionários, que precisam provar que são bons profissionais e retribuir ao dono os empregos que ele mantêm em época de depressão. Não se trata de uma babaquice. É a vida possível de pessoas comuns que transcendem suas limitações no árduo caminho da sobrevivência, fazendo da loja uma casa, dos colegas uma família, procurando adaptar a vida pessoal à avassaladora presença do balcão e do caixa. Há dignidade e até heroísmo numa vida limitada. É o fim dos arroubos de capa e espada. E tudo isso com apenas um só tiro deflagrado, que erra o alvo e atinge o lustre.

OS ESCRITORES SÃO FUNDAMENTAIS – A peça do húngaro Miklós László virou um roteiro magnífico nas mãos do competente Samson Raphaelson, autor também da peça que originou o primeiro filme falado, The Jazz Singer, e que trabalhou também com Alfred Hitchcok. Tudo funciona, numa intensidade crescente, em que nenhum minuto é jogado fora. O diretor Lubistch consegue a façanha de transformar os diálogos confinados a lugares fechados numa seqüência de planos no claro-escuro, de interpretações seguras e algumas geniais, como a do office-boy por William Tracy. “Sou o contato da loja”, diz ele para o médico. “Faço entregas de bicicleta”. Mas você é o mensageiro! replica o doutor. “Ei, não chamei você de açougueiro, chamei?”. Há ainda personagens presentes e fortes que jamais são mostrados, como a esposa traidora do dono e a esposa ciumenta de um dos funcionários.

Há muito mais o que dizer sobre este filme que deve ser visto todos os anos, obrigatoriamente, por todos. Ele nos civiliza, nos encanta, nos seduz, nos faz chorar com coisas que parecem quase nada. Podemos ver como o ódio se transforma em amor, como a brutalidade das relações vira um grande abraço, como uma festa vazia se enche de comunhão, como o desespero encontra consolo, como a solidão inventa uma saída, como a desesperança pode ser colocada de lado e no seu lugar brilhar a faísca de um coração que pulsa. Seja romântico, com Ernst Lubistch. O cara que, ao ser enterrado, dele disseram dois grandes cineastas, Billy Wilder e George Cukor (se não me engano). "Nunca mais Ernst Lubistch", disse um deles. "Pior", respondeu o outro. "Nunca mais filmes de Ernst Lubistch".

RETORNO - Imagem desta edição: James Stewart e Margaret Sullavan em "Shop around the corner", a sintaxe usada até o osso de todas as comédias românticas.

23 de janeiro de 2009

JORNALISMO NO CINEMA, ONTEM E HOJE


Jerome Cady tinha 45 anos quando tomou uma dose excessiva de pílulas para dormir e morreu no seu iate em 1948, um pouco depois do lançamento de Call Nightside 777. Ele foi o roteirista deste e de outros filmes, naquela época gloriosa em que os créditos apareciam apenas por alguns segundos e não, como é costume hoje, por quase um terço do tempo destacando um a um, desde o segurador do pau de luz até o penteador de cachorro. Jerry Cady, como era conhecido, era um escritor de sucesso e este filme, dirigido por Henry Hathaway, conta a história de uma reportagem investigativa que livra um prisioneiro de ficar a vida toda na cadeia.

Clint Eastwood refilmou este clássico noir em 1999 com True Crime, substituindo o inocente polaco por um inocente negro, e fazendo com que a esposa acompanhe o marido condenado, ao contrário do original, em que a esposa, a pedido do marido preso, se divorcia e casa novamente. O encanto do filme em preto e branco é total. Magnífica interpretação deste grande sujeito que é o James Stewart, que tinha uma cara de bebê e um corpo fino demais, de pernas tortas, meio troncho e que era um baita ator.

Sua postura no início do drama denunciava a desconfiança: como repórter ele não acreditava na inocência do condenado e faz de tudo para se livrar do encargo, repassado pelo editor, interpretado por Lee J. Cobb. Na versão de Clint, repórter e editor são inimigos mortais, disputam a mesma mulher e têm visões opostas da profissão. São dois momentos diferentes do jornalismo. Nos anos 40, a reportagem investigativa era a essência do jornal, incentivada pelos donos e seus representantes máximos na redação. Na nossa época, um repórter desse naipe é tratado como dinossauro e precisa contrariar todo mundo para poder provar que uma reportagem pode cumprir o seu destino e salvar um inocente.

É encantador ver como a prova definitiva – a ampliação de uma foto é repassada por cabo de uma cidade a outra, processo que leva algumas horas – toma conta dos personagem e de nós, espectadores. O suspense chega ao máximo quando enfim o repórter consegue provar que o a data estampada num exemplar de jornal, ao fundo da foto denunciadora, poderia livrar o condenado. Tudo é feito de maneira segura, intensa, num crescendo sem hipérboles, nada. Tudo termina num sopro. Nos dois filmes, o repórter salvador fica em segundo plano, enquanto o liberto reencontra a família. No filme antigo, o acordo entre o pai separado e o novo marido da esposa. No de Clint, as compras de Natal da família refeita faz com que o repórter solitário se reencontre, e não se sinta o inútil que todos acreditavam que era (inclusive ele próprio).

Quando vi o filme de Clint, fiquei entusiasmado: havia cinema ainda. Quando vi o original, me dei conta: o segredo era da história, da trama bem amarrada. E da abordagem humana do cinema. Hoje, a indústria audiovisual destaca a estética ea monstruosidade dos corpos. Naquela época, o corpo humano, com toda sua escassez e precariedade, estava no centro da Sétima Arte. Diferença brutal, que torna ainda mais maravilhoso o cinema que se fazia e que tinha talentos como Jerome Cady e Henry Hattaway por trás de tudo.

RETORNO - Imagem desta edição: James Stewart no papel do repórter McNeal em "Call Nightside 777". O jornalismo investigativo, árduo, insistente, corajoso e sem nenhum "glamour" entra em cena protagonizado por um ator inesquecível.

21 de janeiro de 2009

BATE O BUMBO: O REFÚGIO DECOLA


Aos poucos, começa a decolar a campanha de divulgação e comercialização do meu livro de contos e crônicas "O Refúgio do Príncipe - Histórias Sopradas pelo Vento". Colocados nas grandes redes virtuais das livrarias importantes, como Cultura e Martins Fontes, vendidos ao vivo aqui na ilha de Santa Catarina pelo próprio autor e via internet para pessoas conhecidas e também leitores que não conheço pessoalmente, os exemplares estão aportando na leitura geral.

Façam como Carollini Assis, Walter Humberto Subiza Piña, Carla Giraudo, Evanildo Da Silveira, Jacqueneide Nogueira Santiago, Júlia Zillig, Luciana Felix Macedo, Paulo Renato Escobar Soares, Regina Andreoli, Viviane Mendes, Marina Fagundes Coello: enviem o endereço postal para neiduclos@hotmail.com que eu digo qual a conta para depósito. São apenas 20 reais, com frete incluído (correio normal) para qualquer parte do país (chega de três a cinco dias). Você recebe o exemplar autografado, bem embalado e acompanhado de marcador de livro de pura arte: uma mandala artesanal confeccionada pela artista Juliana Duclós, como pode ser vista na foto acima.

A seguir, quatro citações que estão na rede. Uma é do jornalista e escritor José Castelo. Numa resenha publicada no dia primeiro de fevereiro de 2002 no jornal O Estado de São Paulo, sobre o livro "Cartas a um jovem poeta", de Rilke, que vem acompanhada por um prefácio meu, o grande ensaista literário escreveu o seguinte no seu texto intitulado "Obra de Rilke é presságio literário: " A imagem escolhida pelo prefaciador desta edição das Cartas a um Jovem Poeta, Nei Duclós, é certeira: sua leitura, hoje, pode ser tomada como uma mensagem premonitória - e dissonante - que Rainer Maria Rilke despachou aos poetas do século seguinte. "É como se Rilke nos esperasse no futuro", Duclós escreve, "não para cobrar a conta, mas com sua iluminação eternamente disponível para uma vida mais completa".

"Escritas entre fevereiro de 1903 e dezembro de 1908, em respostas a cartas que recebeu do poeta iniciante Franz Xaver Kappus, que se questionava a respeito de sua vocação poética, as Cartas de Rilke adquiriram, com o tempo, uma força ainda mais desestabilizadora. O próprio Kappus cuidou de publicá-las pela primeira vez, omitindo as próprias cartas. Elas ganham um sabor especial se confrontadas aos impasses disseminados na paisagem poética de hoje."

A segunda citação é do escritor Roberto Schultz, que é do Rio Grande do Sul e mora em Porto Alegre, autor de três livros de contos (2001, 2002 e 2003), um de história empresarial (2003), um de Direito (2005), um Romance (2007) e a participação numa Antologia ao lado de grandes nomes da Literatura Brasileira (2008) : "Em Cartas a um jovem poeta, numa edição da Editora Globo que possui traduções nada menos do que de Cecília Meireles e de Paulo Ronái - cuja primeira edição é de 1953 - até o próprio Prefácio da reimpressão de 2006 é uma obra. Prefácios em 53 da própria Cecília Meireles e em 2006 do gaúcho Nei Duclós, que também é poeta. Duclós chama o seu Prefácio de A Ética da Solidão, conclui que "A criação literária, para Rilke, é uma experiência assustadora: algo terrível permanece sempre oculto e o escritor precisa saber que há um núcleo impermeável às palavras".

"Eu concluo disso que Duclós quis dizer que, na verdade, Rilke SABIA que nem tudo que mereceria ser escrito é passível de sê-lo, porque as palavras não conseguem atingir certos sentimentos e nem certos acontecimentos, por mais que tentemos. Então o escritor que "precisa saber", citado por Nei Duclós, não é Rilke, mas o destinatário das cartas."

A terceira citação é no trabalho "Retratos falados: a transfiguração do jornalista no imaginário popular em Nelson Rodrigues, por Juliane Maria Mathiole da Silva (Aluna do Curso de Comunicação Social). Monografia apresentada à Banca Examinadora na disicplina Projetos Experimentais. Orientação Acadêmica: Profa. Marise Pimentel Mendes. UFJF FACOM 2. sem. 2002."

Diz a citação: "O que se cobra de um bom profissional é o senso crítico, a capacidade de observação, a sabedoria de distinguir o importante do eventual, a capacidade de ligar fatos e saber ouvir, atuando de forma objetiva, clara e imparcial, escutando todos os lados. E, além disso, ser humilde, como comenta Nei Duclós: “O jornalista não é, realmente, aquele que sabe, é o que procura saber. Não está a cargo, do jornalista, vulgarizar a linguagem, torná-la acessível artificialmente. Ele precisa arrancar da fonte a chave do enigma. Para isso precisa perguntar, precisa ter humildade para assumir que não sabe”.

A quarta citação é no trabalho "Cultura Escolar Migrações e Cidadania Actas do VII Congresso LUSOBRASILEIRO de História da Educação Junho 2008, Porto: Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação (Universidade do Porto) . O tempo e suas memórias: imagens e escritos da formação docente no Instituto de Educação de Campos dos Goytacazes / RJBrasil. Angela Maria Sanges de Alvarenga Rosa, Regina Márcia Gomes Crespo, Valéria Maria Neto Crespo Oliveira Lima. SECT/FAETEC/ISEPAM.

O texto diz o seguinte no ítem "O rio e sua cidade dialogando com o magistério: O diálogo é caminho para construção; é dialogando com o que se passa que a historia em curso vai sendo ressignificada. É com as palavras de Nei Duclós (apud Sanches, 2005. p.34), que o rio diz: Não passo em vão, não estou aqui para olhar o desfile, vim ver a multidão, vim encontrar os meus amigos, acertar uma ponte com minha geração. "

20 de janeiro de 2009

A GLOBO TOMA POSSE COM OBAMA


Sem medo de ser feliz, estuando o peito e levantando os ombros por força de invejável orgulho cívico, não cabendo em si de tanta evidência ideológica, vestidos a rigor para o grande evento que é a prova cabal da superioridade americana sobre o mundo (e principalmente sobre nós), com o tom de advertência que antes era reservada aos profetas e grandes catequistas, fazendo do jornalismo de breque (aquela pausa fajuta antes da conclusão da frase, para causar impacto) uma arte inimitável, os repórteres, correspondentes e apresentadores da Globo dão um show de babação de ovo diante dos poderosos que costumam invadir países e matar milhões em bombardeios, nucleares ou não.

A Globo despeja sabedoria para sua audiência cativa, o Brasil, que mata 150 mil pessoas por ano, sendo 78 mil por assassinato direto, segundo impressionante levantamento do jornalista Luís Mir em seu monumental Guerra Civil, livro de mil páginas lançado pela Geração Editorial. Qual a fonte do massacre, segundo Mir? O Estado, o poder constituído, que a Globo serve como ninguém, tendo crescido e espalhado seus tentáculos no auge da repressão e agora posa de democrata, enquanto o país mergulha em nova onda recessiva, graças aos energúmenos que nos governam e que sacodem dedinhos diante das câmaras achando que somos todos um bando de imbecis cordeiros.

A guerra decisiva que se trava hoje não é no campo de batalha, no front de fogo, mas no uso da linguagem. É fundamental amarrar todas as pontas para que a tirania funcione. Quando tudo está em ruínas, com a opressão matando em massa, é fundamental que haja um grande monumento, virtual ou não, que celebre o poder absoluto sobre todos. A pirâmide, a rede de televisão, o sistema de leis que prendem inocentes e anistiam assassinos, o esquema que prepara os próximos presidentes, a imposição da eternidade do status quo na percepção do povo, é o que define a merda fossilizada que nos cerca. Dois filmes, um de 1963 (Oito e Meio, de Federico Fellini) e outro de 1965 (A pequena loja da rua principal, de Elmar Klos e Jan Kadar), denunciam essa necessidade de gerar uma referência acima dos mortais para que a ditadura impere.

São dois filmes muito parecidos, pois há o monumento fascista no filme tcheco, e a torre vazia da indústria cultural na obra-prima de Fellini; o suicídio (ou ameaça de) dos protagonistas e o escape pela dança e o sonho, antídotos contra o pesadelo do real. Enquanto em Fellini é a libertação que triunfa, pois o congraçamento coletivo muda a realidade, no filme tcheco é a ilusão que impera, único escape para o horror da perseguição fascista na Segunda Grande Guerra. E nós? O que fazer com esses monumentos que nos colocam diante do nariz, reiterando uma situação insuportável? A Record e a Globo brigaram pela transmissão do Pan em 2015! Eles acham que vão ficar no poder eternamente?

Quieto coração, que o mundo é conflito e não há como escapar dessa armadilha. O que te cabe é verter das fontes que te emocionam alguma coisa verdadeira para compartilhar com os contemporâneos. Seja um poema, uma flor, uma crônica. Seja um alô, um abraço, um debate, um acordo. Desligue a TV e mergulhe nesse cinema que foi perdido, que hoje dorme escondido em lugares inacessíveis, enquanto triunfa a pose dos bilionários atores e diretores de uma cinema corrompido, que apenas reforça o que está sendo dito todos os segundos desta vida: a de que eles vão imperar para sempre e você, pobre verme, que gosta de filmes importantes, pastará até que o universo vire pelo avesso.

Quando Obama, obedecendo aos ditames imperiais, invadir e bombardear, sem medo de ser feliz, então será tarde demais. Pois tudo será justificado em nome da “mudança” que ocorre com sua posse. Como contrariar o circo da transformação montado para que tudo continue na mesma? A posse de Obama é o resgate da América primordial, de Abraham Lincoln, contra a América de Bush. A segunda foi gerada pela primeira. O ciclo se completa novamente.

RETORNO - 1. Imagem de hoje: a genial atriz Ida Kaminska no papel da velha senhora dona de uma loja que sofre a “arianização” do regime em “A pequena loja da rua principal”. Nesta cena, ela escuta velhas canções no gramofone, enquanto os alto-falantes, a mídia da ditadura, convocam todos para o ódio coletivo. Ver esses filmes é como escutar preciosidades em discos antigos. 2. Nos primeiros minuitos da nova novela global, dois canastriônicos (canastrões histriônicos), Lima Duarte e Tony Ramos, fantasiados de indianos e rosnando expressões nativas (da Índia) insultam o espectador com uma antologia do mau gosto da interpretação. Caratonhas, suspiros fundos, gestos grandiloqüentes, cenhos carregados, sem falar no texto, abundante em sua patetice, fizeram dos primeiros minutos (o resto não consegui ver) da novela uma gigantesca bobagem.

19 de janeiro de 2009

ESPECIALISTAS EM NÃO SABER


Nei Duclós

A especialidade do jornalista é o próprio jornalismo, e não política, economia, cultura, esporte. É um profissional especializado em não saber, por isso vive das perguntas que faz e das respostas que obtém e veicula por meio de um texto, de uma fala própria, composta pelo próprio jornalista em pleno exercício de sua profissão em regime de liberdade. Ou seja, contraria frontalmente a cultura conservadora de que as pessoas nascem sabendo, ou adquirem sapiência por meio de um diploma universitário. A universidade, qualquer uma de qualquer área, ensina a aprender. Não deposita no estuário privilegiado da mente estudantil a sapiência a ser distribuída como maná ao gentio. Simplesmente lhe repassa os instrumentos para que procure saber. Assim é no jornalismo.

Médico pediatra dos meus filhos, o gênio da homeopatia Mario Sposati estudava na nossa frente cada caso apresentado. Ele pegava os livrões que tinha na estante, abria e ficava lendo. Não só lia, como refletia. Isso depois de examinar o paciente demoradamente e perguntar aos implicados – pais e o doente – tudo o que precisava saber sobre hábitos, alimentação, histórico familiar da doença etc. Queria saber dos avós, dos tios. É assim que se comporta um profissional de verdade. Não é como muitos médicos que tem título de doutor para colocar diploma na parede e receitar antibiótico.

Um jornalista não pode, da mesma forma, apenas sacudir a cabeça em frente ao interlocutor, como se este estivesse confirmando tudo o que ele, o jornalista sabichão, já sabia de antemão. Pois saber desde o berço é coisa de coronel de sertão. Esse sabe tudo e dá ordens da varanda. Tirar diploma é só por uma questão de tradição familiar, pois nem precisava tanto. Bastava nascer na Casa Grande para pontificar sobre a senzala. Muito jornalista é assim: sabe onde bicho pega antes de fazer perguntas. Pois perguntar é humilhante: revela que ele nada sabe.

Pode-se contra-argumentar: mas com o tempo, ou por meio de cursos, o jornalista não adquire conhecimento suficiente sobre o tema que aborda, transformando-o num profissional de comunicação especializado naquela área? É o que acontece hoje: jornalistas colocados em nichos. Isso deforma a profissão. Por mais que entenda do assunto, o jornalista vai sempre depender das fontes. Um repórter só pode se especializar sobre seu próprio ofício. Ou então, muda de profissão. Por sua vez, um historiador ou economista pode ser um bom jornalista. Na hora em que exercer o jornalismo, será apenas repórter ou editor (terá que veicular critérios opostos aos que abraça no seu nicho de origem), jamais um economista ou historiador. Isso ele só será exercendo sua profissão e não sendo jornalista.

Por que insisto neste tema, tão abordado aqui no Diário da Fonte? Porque noto que um dos pilares do jornalismo, a pauta, está desaparecendo. As matérias já vem prontas nos releases ou nas recomendações do patronato e seus clientes. Uma pauta contém a essência da profissão: lá estão as perguntas! Uma pauta não é, como soube de muita revista semanal importante, aquilo que o editor diz para o sub-editor às onze da noite: “Telefona para o ministro e confirma o que foi comentado sobre tal assunto. Ele vai te dizer isso e vais replicar aquilo. Aí escreves o seguinte”. Muita “pauta” já é a matéria, o repórter é apenas o office-boy, o mandalhete de interesses maiores, de falas impositivas.

Uma pauta bem feita permite que o repórter saia a campo para fazer as perguntas necessárias . O que ele vai colher com isso é surpresa, é a maçaroca de dados que depois vai compor numa teia, num tecido da linguagem, o texto. Quem escreve profissionalmente precisa de métodos e de conhecimento do métier, ou seja, saber como construir uma frase, como fazer uma abertura que comece esclarecendo sem cair no ramerrão de amontoar jargões e muletinhas. E não, como muitos fazem, fingir que são a própria fonte (o editor de economia tem pose de presidente do Fed, o de política é um senador vitalício, o de cultura só falta ganhar o Nobel, o de esportes faria todos os gols perdidos). Ou, como todo repórter de TV hoje, clonar a fonte provando tudo o que vê ("hum, está muito bom"), descendo cachoeira com cordas suspeitas ou abanando sorridente da asa delta para as câmaras, enquanto o personal trainer encocha por trás.

Por isso nos parece que a profissão de jornalista está extinta. No seu lugar colocaram os chamados gerenciadores de conteúdo, ou seja, os malabaristas das frases feitas, das idéias prontas, das denúncias consolidadas, das expressões da moda, das conclusões compartilhadas. Sem falar no jornalismo chapa branca, que em alguns lugares atinge o status de fundamentalismo, comparando políticos (os que pagam as despesas geradas pela falta de jornalismo) a divindades.

Não há perigo de melhorar. O que significa, por exemplo, um MBA de jornalismo investigativo? Pode ser coisa boa, não sei. Mas se colocaram esse vetor básico da profissão, a investigação do repórter, como um curso à parte, é que esse núcleo, essa essência, está apartado das rotinas jornalísticas de hoje. Essa é uma situação dramática, pois prescinde do jornalista. Tem gente adoidado desempregada exatamente porque há esse consenso de que o jornalismo é desnecessário, o que vale é o atendimento preferencial ao cliente, ou seja, achar que o povo gosta mesmo é de BBB, esse roçar bandido, e da Suzana Vieira dando a volta por cima.

Não se trata aqui de defender diploma para a profissão ou de garantir reserva de mercado, me incluam fora disso. Mas sim de aproveitar o que temos de melhor, repórteres bem formados, com um histórico razoável, ou talentos emergentes loucos para cumprirem seus destinos. E não de desperdiçá-los, desmoralizá-los, enquadrá-los ou empurrá-los para o telemarketing. Pois para isso temos ditadura: para transformar todo mundo em gerundista e passeador de cachorro. Basta, porra.

RETORNO - Imagem desta edição: Berlin, foto de Daniel e Carla Duclós. O casal viajante nada sabia de Berlin, a não ser aquilo que aprendemos lendo ou vendo filmes e imagens. Ao chegar lá, descobriram que Berlin era outra coisa. As fotos revelam essa surpresa.

18 de janeiro de 2009

INSOLÊNCIAS TEÓRICAS


Toda insolência teórica é idealista, o que é um forma elegante de dizer que não pára em pé. O fim da História, a irreversível globalização: tudo faz água quando se abre mão da humildade dialética, instrumento do racionalismo de resultados. Qualquer sacada que se baseie na árdua reflexão anti-idealista tem mais brilho e persistência do que as idéias de impacto, que são fogo de palha.

Hoje ninguém fala em Fukuyama, o cara que decretou a Pax Romana pró-América pós Guerra Fria no debate político, o que justificou toda a barbárie posterior da hegemonia do capital especulativo, pois, já que não havia mais oposição, podia tudo. Mas ninguém pode negar a força e a permanência da idéia de que a toda História humana é a História da luta de classes, de Marx. Quanto mais o idealismo (a noção de que as coisas, os fatos, a realidade partem das idéias e não o contrário) tenta subornar as mentes com ilusionismo, mais atual fica o pensamento de que, por exemplo, o imperialismo é a fase superior do capitalismo, como escreveu Lênin.

Uma grande insolência teórica idealista é o “penso, logo existo”, de Descartes. Se fosse verdade, sumiriam do mapa todos os energúmenos incapazes de produzir pensamento, especialmente no Brasil. Por exemplo: invocar a palavra soberania para justificar o acoitamento de um sujeito condenado por assassinato no seu país de origem é a prova de que as pessoas existem à revelia do pensamento. Achar que o Brasil deve acobertar assassinos ditos de esquerda assim como asilaram por aqui genocidas de direita como Stroessnner, como vi num blog ontem, é outro exemplo de que existir independe do raciocínio.

Quando os créditos podres explodiram, obrigando o Tesouro americano a verter sua dinheirama para o gargalhante mercado especulativo, não poderia existir prova mais fatal de que a globalização não é irreversível, ou seja, jamais poderia se impor pela lógica, já que é absolutamente condenável. Um sistema que sucateia moedas do mundo inteiro, que gera dinheiro falso a partir de flibusteiros (para usar a feliz expressão de Saramago) bem postos, é totalmente reversível, pois ameaça a sobrevivência da espécie humana.

Há outras insolências teóricas menos consideradas, mas que causam o mesmo tipo de estrago. Uma delas é achar que o atual governo provou que a esquerda é financeiramente responsável, uma bobagem que vejo repetida a toda hora, principalmente por jornalistas ditos lúcidos. Primeiro, porque assumidamente o governo atual não é de esquerda. Segundo, porque entrou no barco furado da globalização e hoje, apesar de dizer que estávamos imunes à crise, já rondamos a depressão, por mais que tentem esconder. Sobre isso há o artigo "A marolinha que virou ondão", do excelente jornalista Euclides Lisboa, no Diário Catarinense deste domingo.

Em compensação, insighs teóricos como “a mentalidade dominante é a mesma da classe dominante”, de Marx, estão plenamente em vigor. Quando o presidente considerado operário e sindicalista justifica uma política econômica capitaneada por um tucano, ficamos sabendo do que trata essa sacada marxiana. Para romper com a prisão das idéias, você precisa de instrumentos teóricos poderosos, como o materialismo dialético, que tanto pode ser um camaleão (muda conforme o vento) como uma oportunidade de entender melhor o mundo e agir sobre ele. Depende de quem o manipula. Na boca mole e torcida do Ministro da Justiça, por exemplo, exercendo sua função de rei da cocada preta diante do mundo em pânico com o asilo dado ao condenado na Itália, vira sucata.

RETORNO - Imagem desta edição: Reichstag, foto de Daniel e Carla Duclós, na recente viagem que fizeram a Berlim. Trecho das impressões de Daniel na grande cidade da Alemanha: "Berlin tem um pouco dessa esquizofrenia dos tempos da guerra fria até hoje - em algumas horas ela é bem soviética, você olha e vê pessoas com pesados casacos e gorros de pele de minsk andando sobre a neve, em grandes espaços vazios e pequeninas ao lado de edifícios públicos gigantescos e quadrados, com corvos ao fundo, tipo filme soviético de 1972, e você vira uma esquina e PÁ, um negócio multi moderno europeu século 21 mega multi cultural".

HÁBITOS BIZARROS


Uma pessoa parece que comeu ostra estragada num cruzeiro e acabou morrendo. Está nos jornais. Comer ostra é um dos hábitos bizarros e incompreensíveis. Vamos ver porquê.

COMER OSTRA - Você pega um molusco pegajoso e melequento, esquenta o dito, abre a casca onde ele escondeu todo seu glégous, bota um limãozinho em cima e sorve como faz o chinês com a sopa e o macarrão. É uma nojeira sem fim. Acham cool. È como comer caramujo africano. Mata mesmo.

ASSISTIR O BBB – A pessoa fica em frente a televisão vendo um bando de cagões se roçando, aspergindo aquela gargalhadinha imbecil que ensinam desde criança. Qual seria o motivo de submeter-se a semelhante tortura?

IR A SHOW AO AR LIVRE – Não basta ter saúde e juventude para gastar a carcaça e lotar o ouvido de ruídos. É preciso gostar de cheirar sovaco, levantar os braços e sacudi-los ritmadamente e dar gritinhos de uhuu cada vez que um imbecil aproxima o microfone na boca para grunhir.

BEBER SOZINHO DE DIA - Vejo a toda hora: o cara, solitário, com uma garrafa de mijo podre (confundido com cerveja) na frente, olhando para ninguém, sem ninguém ao lado ou na frente para conversar. Isso antes de cair a noite. É preciso estômago, fígado e vocação para a desesperada solidão urbana.

COMPRAR LEITE LONGA VIDA – Parece que a desculpa é a praticidade: o troço não estraga nunca e pode ficar na despensa por uma década. Depois é só cortar a embalagem e glub glub glub, beber o líquido branco com cheiro de naftalina. Muita gente gosta e sai com carrinhos cheios da josta.

FINGIR INTIMIDADE - Ninguém se conhece, mas todo mundo faz festa uns para os outros, como se fossem velhos camaradas. Se estapeiam ruidosamente e falam ao mesmo tempo perguntas e respostas dentro do padrão do convívio forçado. Depois do espalhafato, ficam falando mal de quem acabaram de encontrar.

TOCAR DURANTE A CONVERSA – É um desdobramento do ítem anterior. Deveria haver condenação sumária e fuzilamento para quem pega outra pessoa no braço na hora de conversar. Simula uma proximidade inexistente, além de atrapalhar o diálogo.

CONSUMIR DESTILADOS – Vodka, uísque, conhaque: é tudo falsificado, não existe bebida destilada séria no Brasil. Cheiro de álcool tingido de anilina, mercúrio e chumbo engarrafados, tudo conspira contra os bebuns dessas merdas. Cachaça nem se fala. Principalmente se for dessas super-industrializadas ou mesmo aquelas do Norte. Só a Boazinha, de Minas, presta. Se é que não falsificaram.

SABER LETRAS DE CÓR - Fico impressionando com as pré-adolescentes aos prantos em frente aos camarins desses analfabetos musicais que despejam barbaridades nos ouvidos da moçada. As gurias então entoam os cantos mais atrozes, as letras mais estúpidas, as desafinações mais profundas, as burrices mais explícitas, fazendo aquela cara de gozo artificial. É só prestar atenção e lá vem a bomba: “Porquêêêê, você faz assim comigoooo, que dá essa loucura, óóóó, sei, que você é isso e aquiloooo” Cantam como se entoassem salmos.”

ACREDITAR EM PASTOR - O sujeito é um animal falante, diz as maiores babaquices, tem a voz esganiçada dos loucos, cita a Bíblia sem nunca ter lido ou entendido nada e com isso atrai multidões emocionadas. Alguma coisa está errada. O que houve com os dois pilares do Tempo, a Razão e a Fé? O que existe é delírio suado.

SE ENGARRAFAR NO SHOPPING – As pessoas são capazes de ficar seis horas para conseguir uma vaga no shopping. Lá dentro, mascam chicletes e olham com nojo as vitrines. Depois voltam, mais seis horas até em casa. Caso clínico.

IR AO CINEMA - Sentar no corredor, aturar os comedores de lanche, os conversadores compulsivos, os bandidos em potencial, a cabeçorra atrapalhando a visão, o ar condicionado em temperaturas criogênicas. E pagar os tubos por isso. Só para doido.

RETORNO - Imagem de hoje: ostra. Bá.

16 de janeiro de 2009

PORRADA


Você nunca sabe de que lado vem a porrada
Você nunca sabe de que lado vem a porrada
Você nunca sabe de que lado vem a porrada
Você nunca sabe de que lado vem a porrada
Você nunca sabe de que lado vem a porrada

Você
nunca
sabe de que lado
vem
a porrada

Você
nunca
sabe de que lado
vem
a porrada
Você
nunca
sabe de que lado
vem
a porrada


sabe sabe sabe sabe

de que lado lado lado

vem vem vem vem

a porrada a porrada a porradaVocê nunca sabe de que lado vem a porradaVocê nunca sabe de que lado vem a porradaVocê nunca sabe de que lado vem a porrada

RETORNO - Imagem desta edição: foto de Helcio Toth.

BIGBROTHER: A CEREJA DO BOLO


O programa da Globo Bigbrother Brasil não é apenas a representação de pessoas que não prestam e que são prostituídas para mostrar tetas encimadas por chapéus de caubóis, ou bundões sarados rebolando ao som de algum miserê musical. O Bigbrother é a pedra de toque de destruição do Brasil, porque representa um povo inútil, melequento, atirado, podre, triste e sacana. E não representa apenas pelo que mostra, mas pelo que prova: quando a população se liga nessa baixaria, significa que o povo brasileiro gosta disso mesmo, ou seja, cada povo tem as peruas e os bobalhões que merecem. E o mestre de cerimônias que o sucateamento cultural oferece.

Pode-se argumentar: mas o modelo existe em todo mundo! Só que no estrangeiro isso é feito com as sobras (tem idiota em qualquer lugar) , não ocupa o centro, como aqui. E por que ocupa o centro? Porque é veiculado em horário nobre pela mais poderosa rede de manipulação de consciências. A Globo, ao pegar bonito e claro em qualquer ermo ou rincão, subjuga a percepção e impõe o tipo de coisa que pretende mostrar e provar. Mas a culpa não é só dela.

A Globo faz parte do sistema perverso que mostra o rebolado da Iaiá para gringo ver enquanto facínoras armados penetram no país pelos fundilhos. Na mídia, é um espanto. Depois de os veículos de comunicação e seus arautos celebrarem a ciranda financeira por mais de uma década, eis que agora eles se voltam novamente contra os cidadãos e pretendem ensinar a não serem patos, como diz a capa atual de Veja. Não pague o mico, seja esperto, aqui mostramos como.

Faz parte. A nova Condoleezza, a Hillary Clinton, disse que os EUA precisam exercer o smart power, o poder esperto, que junte tudo, desde merda em pó até bomba nuclear. É de uma esperteza sem fim. Trouxas somos nós, que acreditamos em pessoas alfabetizadas e ficamos pasmos ao ver o atual governo libertar um assassino condenado na Itália, com o rei da cocada preta, o ministrão das leis, vir justificar seu ato falho. Esse é o tipo de gente que nos governa e que está por toda parte, de braços cruzados.

Depois querem gastar os tubos em campanhas de marketing milionárias. Porra, vão cavar trincheira de esgoto, vão fazer obras, vão pintar as escolas, vão caçar bandido, tem tanta coisa para fazer. Mas nada fazemos porque ficamos de olho no Bigbrother para ver se a gostosona vai dar mesmo na hora do escurinho. No programa oficial do PSTU, veiculado um pouco antes do Jornal Nacional, o partido alerta para a sacanagem de quem ganhou trilhões na hora das vacas gordas e agora querem demitir, cortar jornada de trabalho, cortar salário, flexibilizar lei trabalhista. Eles querem flexibilizar as leis trabalhistas, até hoje o único programa real de distribuição de renda do Brasil, criado e mantido por Getulio Vargas à custa da própria vida. Querem flexibilizar porque possuem o rabo flexível.

Com o buzanfan flexível, eles podem dar a torto e a direito. Rebolar diante da câmaras. Morder os lábios na hora de dançar, levantando os bracinhos e fechando os óio para todo mundo ver. É que não querem acreditar em Antonio das Mortes, em Deus e o Diabo na Terra do Sol, a absoluta obra-prima de Glauber Rocha, que dizia: “Ainda vai ter uma guerra grande neste sertão”. Aí, em vez de rebolar, todo mundo vai acordar para o óbvio: a de que estamos cagando miudinho, enquanto eles gargalham. Somos o play-ground dessa canalha.

RETORNO - Imagem desta edição: Glauber Rocha, que jamais é programado na televisão aberta brasileira. Escutem o que o cara está dizendo!

15 de janeiro de 2009

BAÍA SUL


Nei Duclós

Solidão: paisagem ao som
da montanha
Serra do Mar, que aqui chega
ao esplendor
Suave invasão, flor redonda

Na bacia onde o mar se molha
a lua joga o pó minguante
E as nuvens duelam com o vento

Solidão: Deus esqueceu-me
entre as janelas
que dão para as luzes
da capital

RETORNO - 1. Poema do livro "No mar, veremos" (Editora Globo, 2001). 2. Imagem desta edição: foto de Dauro Veras.

14 de janeiro de 2009

LEIA SAGARANA N° 34


Julio Monteiro Martins, o escritor brasileiro que refez sua vida na Italia, onde publica em italiano e é professor de narrativa, anuncia a nova edição da sua Sagarana, a melhor revista cultural do mundo. A mensagem de Julio diz o seguinte:

"Caros amigos,

É com satisfação que anunciamos a presença on-line, a partir de hoje, do n° 34 da revista Sagarana, em língua italiana, no endereço telemático http://www.sagarana.net/ .

Este número, dedicado ao poeta português Fernando Pessoa, oferece aos nossos leitores, além da seção “I Cortometraggi”, voltada para a videoarte e para as linguagens multimediáticas experimentais, uma Mostra Virtual dos posters de Alton Kelley e de Stanley Mouse, protagonistas da era hippie, que fizeram da cultura psicodélica uma versão visual do rock, a manifestação gráfica da estética explosiva de uma geração.

A seção Saggi propõe reflexões de Toni Morrison, Rubem Fonseca, Alain Badieu, Franco Cassano, Angelo Morino e Tomáz Guriérrez Alea. Em Narrativa são presentes contos e trechos escolhidos de romances de Fernando Pessoa, João Ubaldo Ribeiro, George Orwell, Franz Werfel e Boris Pahor, além dos contemporâneos Ingo Schulze, Ondjaki, Abdelmalek Smari, André Sant’anna e Mauro Daltin. Em Poesie, Paul Polansky, Manuel Bandeira, Erica Jong, Eunice Odio, Ana Cristina Cesar e Gonzalo Arango.

Neste mesmo endereço telemático poderão encontrar a seção Il Direttore atualizada, com o conto inédito "L’altro Barack", de Julio Monteiro Martins, e na seção Scuola todas as informações sobre o Laboratorio di Narrativa da Sagarana, que terá início no final de setembro de 2009, em Lucca, na Itália. Ademais, na seção Archivi, estão já disponíveis para leitura todas as "Lavagne del Sabato" publicadas até hoje em Sagarana.

Esperamos que os vídeos, as imagens, os ensaios, os contos, as poesias e os trechos de romances selezionados possam oferecer-lhes muitas horas de agradável leitura.

Cordialmente,

A Redação de Sagarana"

RETORNO - Imagem desta edição: ilustração de Alton Kelley , que consta na edição 34 da revista Sagarana.

13 de janeiro de 2009

CLIMA


Nei Duclós (*)

Veio o frio e todos reclamaram. O frio então foi embora. O inverno ofereceu o ar morno da sua traição. Isso provocou chuva intensa na estação seguinte. Amaldiçoaram o aguaceiro, que empilhou nas calçadas a sucata das dívidas, com suas imitações de madeira, como se os móveis cumprissem um destino descartável por meio da tempestade. As nuvens então se recolheram. O resultado foi a seca.

Chegou a época do calorão, mas ninguém mais suportava ficar embaixo do sol, nem mesmo à sombra. Era preciso tomar uma providência. Os ventos se encarregaram de varrer o verão para debaixo do tapete e ficou apenas aquele clima de árvores agitadas por ciclones. O outono veio na seqüência, alternando tardes perfeitas de março-abril com noites levemente frias e enluaradas. Parecia o melhor dos mundos. Havia enfim equilíbrio.

Mas começaram a reclamar que não havia mais inverno, nem primavera, nem verão, nem outono. Que tudo estava virado pelo aquecimento da terra e faltava pouco para que continentes de gelo migrassem dos pólos para as praias. Os elefantes já estavam alertas, com suas grandes orelhas de radar. Os macacos deixavam momentaneamente de azucrinar turistas para prestar atenção em prováveis tsunamis.

Qual seria a natureza do novo clima? Seria o império da sensação térmica, conceito inexistente até alguns anos atrás? Pois o termômetro deixara de ser confiável. Se ele marcasse 34 graus, você estaria sofrendo mais de 40. Uma brisa encanada poderia transformar a Amazônia no Canadá. Com a sensação térmica no poder, triunfaria a percepção sobre os fatos. As ciências humanas venceriam finalmente as matemáticas. Haveria a vitória total do lugar comum: o sonho se transformaria em realidade.

Seria a paz, finalmente. Pois sem as evidências científicas, todos se entregariam à orgia dos desejos. Bastaria um estalar de dedos para gerar uma lua cheia. As estradas poderiam ficar submersas que ninguém se importaria. Milhões morreriam num fim de semana, mas nada iria superar os momentos de gozo no litoral.

Com todas as estações ao alcance da mão, o único contratempo seria suportar o noticiário sobre a guerra. Para quem pedir o impossível, o fim do massacre das crianças?

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 13 de janeiro de 2009, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: Vespas, foto tirada em Roma por Daniel e Carla Duclós.

12 de janeiro de 2009

MINUTO DE SILÊNCIO


Nei Duclós

Quando eu me calar
algo lhe dirá
ventos sobre o mar
ilhas de coral

Luas de um farol
barcos de papel
ecos do quintal
flor de algum lugar

Sem se revelar
algo lhe dirá
em segunda voz

Gritos da geral
corpos sob o sol
frestas do luar

Quando eu me calar
solto, afinal
desço no teu porto

RETORNO - 1. Poema do livro "No mar, veremos" (Editora Globo, 2001). 2. Imagem desta edição: Barcos, foto de Ida Duclós.

11 de janeiro de 2009

PARA ISSO FIZERAM 1964


Alguns militares hoje denunciam a invasão da Amazônia que, segundo material que reproduzo a seguir, se intensificou a partir do alarde que o Brasil fez por ter descoberto a jazida do pré-sal. Enquanto os americanos moitam sobre suas enormes reservas no Golfo do México, que seriam dez vezes maior do que a pré-sal, nós, como bobalhões internacionais, saímos a nos exibir pelo mundo pirata a chamar a atenção, só para sermos chamados de “players” (vou traduzir essa palavra: significa abostados; toda vez que você ler player, leia abostado). E enquanto nosso atores rebolam o busanfan testosteronizado em frente às câmaras, para deleite das grávidas precoces, os caras já estão bem instalados aqui dentro, mandando no território e, claro, muito bem armados. Entram por trás, pelos fundos, que está desguarnecido.

Por que havia respeito antigamente uns pelos outros? Porque todos andavam armados. Você não podia dizer coisas para ninguém, nem chamar alguém para conversar na salinha impunemente. O cara te dava um tiro, simples assim. Então as pessoas se respeitavam e se cumprimentavam solenemente. Se fizessem alguma gracinha um bom petardo de chumbo calibre 12 iria arrebentar com as fuças do malandro. Como temos Forças Armadas reconhecidamente sem condições de defender o patrimônio que acumulamos em séculos de luta, então os caras chegam mais e invadem, porque para isso foi feito 1964.

E as Forças Armadas não venham colocar a culpa na democratização, pois democratização não houve. Coloquem a culpa no golpe civil de 1964 e no serviço sujo que as FFAA fizeram na longa ditadura, até serem apeados do poder pelos seus ex-aliados (Sarney, Delfim et caterva, que até hoje estão mandando). A farda, que é composta por homens de palavra, pois não interferiram mais na política, agora está às voltas com o tal capitanismo, uma contrafação do tenentismo. O capitanismo parece ser, à primeira vista (a ser confirmado) o resultado da nova pregação nos quartéis. Querem que o Exército fique adequado à tal democratização, à carta de 1988.

Enquanto o plano estratégico de remodelação das FFAA fica na mão de coisas como Nelson Jobim e Mangabeira Unger, continuam atuantes as forças que sentem vontade de restaurar o poder dos militares e agora os que querem colocar a farda nas campanhas eleitorais. O tornassol dessa química é a soberania.

É muito simples: não haverá democracia sem que o trabalhismo autêntico assuma o poder pelo menos em um mandato. Não esse trabalhismo que está aí, lambendo as botas do atual governo. E não haverá soberania sem democracia de verdade. A jazida de pré-sal não atrai a gula internacional pelo petróleo que tem, mas pelo que o Brasil pode fazer dele. O objetivo é impedir que o Brasil seja uma nação. É por isso que colocam os brasileiros rebolando o busanfan na favela em frente às câmaras e a “cultura” virou um show bizz de nulidades boquirrotas. Quando que um escritor deu entrevista para a televisão? Nunca ! Não entrevistam, não fazem reportagens. Você viu algum Globo Repórter sobre os escritores brasileiros? Não!

Agora, vamos a alguns trechos do material, distribuído pelo Instituto João Goulart, reproduzido originalmente num blog e enviado para mim por e-mail pelo Marlon Assef. Lembrando: a reativada IV Frota americana é a mesma da Operação Brother Sam, a que garantiu o golpe de 1964.

"ENTREVISTA AO JORNAL O DIA DO GENERAL DURVAL NERY,
COORDENADOR DE ESTUDOS E PESQUISAS DO
CEBRES (CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS).

MERCENÁRIOS DA BLACKWATER JÁ OPERAM NO BRASIL
Sábado, 16 de Agosto de 2008

O General-de-Brigada Durval Antunes de Andrade Nery, Coordenador de Estudos e Pesquisas do Cebres (Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos), denuncia em entrevista publicada no O Dia, que a recriação da IV Frota da Marinha dos EUA tem como objetivo uma futura intervenção militar nas jazidas de petróleo de pré-sal, recém descobertas pela Petrobrás no litoral brasileiro.

Além disso, o General relata a existência de mercenários da Blackwater em plataformas de petróleo administradas pela Halliburton e pertencentes à família Bush situadas na plataforma continental brasileira, devidamente licitadas pela ANP. A relação entre a Halliburton e a Blackwater é bem conhecida no mundo e seu histórico de ilegalidades e arbitrariedades está bem documentado no Google. Dick Cheney, atual Vice-Presidente dos EUA, era o Presidente da Halliburton antes de assumir a vice-presidência. A Halliburton possui escritórios no Rio de Janeiro e Macaé (RJ) e em Salvador (BA).

Segundo o relato de um Coronel de Exército Comandante de Batalhão na Amazônia, mercenários também já ocupam reservas indígenas contando com bases fluviais bem equipadas e fortemente armados, onde militares brasileiros só podem entrar com autorização judicial. Conforme já prevíamos no artigo anterior sobre a Blackwater, o futuro já chegou: mercenários já ocupam bases na Amazônia brasileira!!”

Transcrevemos, a seguir, a matéria publicada no O Dia (bem escondida, por sinal).

ESSA IV FROTA É AMIGA?

Coordenador do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos, general vê com preocupação a reativação da esquadra dos EUA encarregada de proteger o comércio nos mares do sul e critica a presença de "mercenários" em plataformas do nosso litoral

Rio - Para a maioria dos militares brasileiros, não há como desassociar a recriação da IV Frota dos Estados Unidos da descoberta de imensa jazida de petróleo no nosso litoral. Entre esses militares, está o general de brigada da reserva Durval Antunes de Andrade Nery, coordenador de estudos e pesquisas do Cebres (Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos), que reúne entre seus pesquisadores diplomados pela Escola Superior de Guerra. Abaixo os principais trechos da conversa dele com O DIA.

"A decisão dos Estados Unidos de recriar a IV Frota foi apresentada como destinada a proteger o livre fluxo do comércio nos mares da região. Ora, se alguém tem condições de proteger, tem condições de impedir esse fluxo comercial. Pergunto: Por que proteger o comércio de uma área que não vive situação de guerra? E isso quando o Brasil dá notícia da extensão das jazidas do pré-sal como uma das maiores de todo o mundo".

Grupo Halliburton dos EUA: Esta empresa está envolvida com o apoio logístico em todo o mundo no que diz respeito ao petróleo, principalmente no Iraque. A Halliburton é uma empresa que hoje, no Brasil, mantém um de seus (ex-) diretores como diretor da ANP (Nelson Narciso Filho, indicado pelo presidente Lula e aprovado em sabatina no Senado). Esse homem tem acesso a dados secretos das jazidas de petróleo no Brasil".
Bush e o pré-sal.

Logo depois que o mundo tomou conhecimento da existência das reservas do pré-sal, o presidente (George W.) Bush disse na imprensa: 'Não reconheço a soberania brasileira sobre as 200 milhas'. O pré-sal ultrapassa as 200 milhas. Tudo que existe ali para exploração econômica é do País, isso segundo a ONU. Por que o presidente norte-americano recria a IV Frota logo após não reconhecer nossa soberania?"

Poderíamos imaginar que a IV Frota vai ter missão humanitária, mesmo custando uma fortuna manter porta-aviões nucleares com 50, 60 e 100 aviões navegando permanentemente nos mares do sul. Mas, por que nomear para o comando o contra-almirante Joseph Kernan, especializado em táticas de guerra submersa e no treinamento de homens-rãs? Um homem que com seus sabotadores deu um banho nas guerras do Afeganistão e do Iraque está à frente da IV Frota para proteger?"

"(Após a eleição de Bush), a Hallibourton, contratada pelo governo dos EUA para planejar a redução das despesas do país com as Forças Armadas, criou uma empresa chamada Blackwater — firma de mercenários, com contrato de seis bilhões de dólares e que, só no Iraque, tem 128 mil homens. Eles fazem segurança e matam. Pergunto: Quem está fazendo a segurança das 15 plataformas que a família Bush tem no Brasil, todas vendidas (em licitação) pela ANP? Ainda faço um desafio: vamos pegar um barco e tentar subir numa plataforma. Garanto que vamos encontrar os homens da Hallibourton armados até os dentes e que não vão deixar a gente subir".

“Temos (no pré-sal), talvez, a maior jazida de petróleo do mundo. Será que países desenvolvidos vão se aquietar sabendo que o futuro deles depende do petróleo? Os Estados Unidos tem petróleo só para os próximos cinco anos. Tanto é que o país não consome o dele, porque suas reservas são baixas. Passa a pegar o que existe no mundo. Foi assim no Irã, em 1953, quando derrubaram o (primeiro-ministro Mohamed) Mossadegh. Os aiatolás pegaram de volta e agora querem outra vez atacar o Irã. No Afeganistão, deu no que deu. No Iraque, tomaram o petróleo de lá. Agora vem o petróleo do Mar Cáspio e a Georgia (em guerra com a Rússia por território onde passam gasodutos). E no Brasil, como será? Essa (IV) Frota é só amiga? Está aqui só para proteger?"

RETORNO - Imagem desta edição: Getúlio Vargas em Manaus, em 1940, foto pesquisada pelo grande trabalhista Eduardo de Lucca. A juventude estava de bandeira nacional na mão, bem no miolo da Amazônia. Isso incomodava demais. Era preciso acabar, desmoralizar, caluniar, debochar, destruir. Mas a imagem diz tudo: o Brasil Soberano apostava no futuro do seu próprio povo. "Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém." Profecia do grande estadista ainda a ser cumprida.

10 de janeiro de 2009

SISTEMA PERVERSO


O Festival de Cinema Nacional, da Globo, é a veiculação, na grade da rede, de produtos cacifados pelo dinheiro público, com atores, roteiristas e diretores globais. O Sistema Globo deveria assumir inteiramente as despesas desses filmes, já que acaba aproveitando tudo na sua programação, transformando o cinema brasileiro numa continuação das novelas e das mini-séries. É um troço que começa coma voz esganiçada da Xuxa, passa pelos noticiários de entretenimento (hummm, está muito bom...) e as asneiras do “Vale a Pena Ver de Novo”, com o Tony Ramos fazendo assim com as mãos para compor seus inúmeros-sempre-o-mesmo personagem(ns).

Depois vai para a “Sessão da Tarde” (a idiotia americanizada embalada para adolescentes ágrafos) e vai se intensificando ao longo do dia e da noite até chegar ao sovaco do Otávio Augusto. Mas, como tudo no Brasil, é a grana dos impostos que serve para manter o esquema, que aprisiona todo mundo nas mesmas abordagens, figuras carimbadas, baixarias, pseudo-criatividade, entre outras mumunhas.

Vamos pegar algumas atrações desse sistema perverso. “O coronel e o lobisomen”, por exemplo, baseado num livro homônimo que é uma jóia da língua, de José Cândido de Carvalho, em que o apuro da linguagem exige no mínimo leitura atenta. Transformaram tudo num teatrinho de marionetes, com maquiagem fake e atores que, desprovidos do biotipo necessário aos personagens, são sempre os mesmos, interpretando da mesma forma e invariavelmente sendo considerados criativos.

Guel Arraes participa do roteiro. O filho de Miguel Arraes é o símbolo do cinema fake acanalhado e desprovido (ou seja, sem o gênio) de Glauber Rocha. Ele e sua equipe fazem um cordel sem ideologia. Foi preciso utilizar um sobrenome do Brasil resistente para provar que toda a pregação revolucionária do Cinema Novo precisa ser desmascarada, alvo de deboche, triturada e esquecida.

Ou vocês viram alguma vez algum filme de Glauber na Globo? O que em Glauber era exorcismo da opressão, celebração de raízes populares, busca de manifestações transgressoras na tradição popular, no Novo Cinema é a celebração da baixaria, a justificativa da obscenidade, como vimos ontem no filme “Ó Pai, Ó”. Numa Salvador favelada, mas colorida para o usufruto do turismo sexual, os brasileiros se entregam à orgia em meio à miséria, numa seqüência de filme pornô. Dá pena ver talentos como Lázaro Ramos num esforço transformista de avacalhamento pessoal. Mas isso já aconteceu com a Merryl Streep, grande atriz que com o absurdo “Mamma Mia” mostrou que pode virar a Madonna.

Uma coisa importante a se dizer é que esses filmes do pseudo Novo Cinema no fim são premiados a torto e a direito. Porcarias como “Bendito é o fruto” (aparentemente, uma "denúncia" dos preconceitos, mas no fundo a reiteração de comportamentos torpes) levantaram um monte de prêmios. Agora é moda destacar os filmes dirigidos pelos atores mais notórios do sistema, enquanto outras obras fora desse circuito são tratadas com indiferença. A Síndrome da Moita é coerente: tudo faz sentido na desconstrução do Brasil soberano.

Faz parte desse sistema perverso a série “Maysa, quando fala o coração”. Os capítulos que se seguiram à estréia aprofundaram a imagem torpe da grande artista, transformando-a numa mulher vazia e cruel. A única coisa verdadeira da série é a voz de Maysa, que por sorte não dublaram. A personagem é uma pobre coitada que provoca pena nos familiares e nesse ex-marido tão fofo que vive com um ramo de rosas na mão. É de arrebentar os gargomilhos.

RETORNO - Imagem desta edição: cena do filme "Ó paí ó". O desfrute pornô apresentado como celebração da cultura popular.

9 de janeiro de 2009

SENHA


Nei Duclós

Somos nós, os pescadores
que fizemos do rio uma casa
e de todos os rios, uma pátria

Somos nós, os pescadores
que cruzamos cidades amargas
com os remos fora d’água
e o rosto lavado em sal

Somos nós, os pescadores
Que nos reunimos em silêncio
ao redor do amanhecer
com o sol preso na mão
e a rede tensa

Somos nós o horizonte
onde aportarão os exércitos
sem direção

Levantar um braço, então
será o bastante

RETORNO - 1. Poema do livro "No mar, veremos" (Editora Globo, 2001). 2. Imagem de hoje: foto de Ida Duclós na praia de Ingleses, norte da Ilha de Santa Catarina.