Nei Duclós (*)
A repetição exaustiva de eventos chama-se redundância e não informação, que sempre foi um artigo escasso. A pepita, a luz do entendimento sobre os fatos, jaz no fundo do rio por falta de bateias, aquele instrumento solo que sumiu diante da lavagem mecanizada dos detritos. Procurar saber dá trabalho. Melhor é se entregar à ilusão de que estamos bem informados, enquanto não conseguimos explicar o grande vazio provocado pelo consumo de gordura trans do noticiário.
A preguiça de ir atrás resiste, mesmo na atual fase de excesso de oferta de pistas para chegarmos ao ponto. Talvez a reprodução em massa do supérfluo tenha aprofundado nossa natural falta de empenho para conseguir nutrição verdadeira. Ou o acesso ao básico por meio das ferramentas de busca tenha suprido tudo que almejávamos nesta vida de negaças e subterfúgios. Ficamos devendo quando queremos descobrir o essencial, que só é visível para os olhos de quem não desiste no primeiro round.
Isso exclui aquelas obsessões que geram chatos especializados em Napoleão, por exemplo. Ninguém pode debater com um renitente colecionador de detalhes sobre seu objeto de estudo. Qualquer coisa que se diga enfrentará o sorriso alvar das certezas. A informação não é a batalha de Waterloo dos leigos. Não somos derrotados por sabermos pouco ou nada sobre o que procuramos em vão, na pilha de coisas que escondem o ouro. Nem santos por persistirmos por décadas na caça às verdades em fuga.
O quem nos faz especiais é reconhecer que poderemos esquecer quase tudo o que pesquisamos exaustivamente. É ser civilizado o suficiente para repartir o que temos sem demonstrar arrogância. Ou ainda, saber se levantar depois de ser derrubado por uma pergunta tosca, a que nos desarma por desmascarar o acúmulo de sabedoria que cevamos por décadas. Uma dúvida bem formulada pode nos fazer o bem, mesmo que a sensação seja a de perder a auto-estima para sempre. Ser humano é levantar-se todos os dias.
Investir sobre um assunto requer não a paciência dos sabichões, mas a capacidade de encarar nossa natural miopia como um aliado. Quanto mais sinceros formos, melhor para todos. A vontade de acertar, junto com a honestidade , poderão nos levar com segurança até um local inédito, ainda não vislumbrado pela atenção de bilhões de olhos. A responsável pela química certa dessas qualidades é a ousadia. Construir um caminho reconhecível no caos movediço das teorias e dos vestígios gera espontaneamente a graça de profetizar o oculto, de insuflar alma imortal no barro coletivo. O único perigo é ser apontado como alguém “à frente do seu tempo”, como se o tempo não se bastante em cada instante desta vida dura.
Dizem que inúmeras descobertas foram feitas por acaso. Talvez a verdadeira pesquisa esteja a cargo de outro alguém, que nos usa sem se expor. Quando menos esperamos, brilha o veio que estava disfarçado sob o limo. Quanto mais gente estiver engajada nesse jogo, menos teremos de nos preocupar com a superficialidade das notícias. Abandonaremos assim a ansiedade de querer saber apenas apertando um botão. Voltaremos às rodas de conversa, ao rodízio das palavras ditas em voz alta e semeadas em colunas de silêncio.
Haverá menos pressão e a gana por novidades cederá para o que realmente interessa. É possível que tenhamos a sorte de vermos toda essa roda vida de inutilidades ganhar novo rumo e partir para o conhecimento sincero, conquistado com alegria.
RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 13 de maio de 2008, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem de hoje: Garimpo, de Portinari, de 1938.
A repetição exaustiva de eventos chama-se redundância e não informação, que sempre foi um artigo escasso. A pepita, a luz do entendimento sobre os fatos, jaz no fundo do rio por falta de bateias, aquele instrumento solo que sumiu diante da lavagem mecanizada dos detritos. Procurar saber dá trabalho. Melhor é se entregar à ilusão de que estamos bem informados, enquanto não conseguimos explicar o grande vazio provocado pelo consumo de gordura trans do noticiário.
A preguiça de ir atrás resiste, mesmo na atual fase de excesso de oferta de pistas para chegarmos ao ponto. Talvez a reprodução em massa do supérfluo tenha aprofundado nossa natural falta de empenho para conseguir nutrição verdadeira. Ou o acesso ao básico por meio das ferramentas de busca tenha suprido tudo que almejávamos nesta vida de negaças e subterfúgios. Ficamos devendo quando queremos descobrir o essencial, que só é visível para os olhos de quem não desiste no primeiro round.
Isso exclui aquelas obsessões que geram chatos especializados em Napoleão, por exemplo. Ninguém pode debater com um renitente colecionador de detalhes sobre seu objeto de estudo. Qualquer coisa que se diga enfrentará o sorriso alvar das certezas. A informação não é a batalha de Waterloo dos leigos. Não somos derrotados por sabermos pouco ou nada sobre o que procuramos em vão, na pilha de coisas que escondem o ouro. Nem santos por persistirmos por décadas na caça às verdades em fuga.
O quem nos faz especiais é reconhecer que poderemos esquecer quase tudo o que pesquisamos exaustivamente. É ser civilizado o suficiente para repartir o que temos sem demonstrar arrogância. Ou ainda, saber se levantar depois de ser derrubado por uma pergunta tosca, a que nos desarma por desmascarar o acúmulo de sabedoria que cevamos por décadas. Uma dúvida bem formulada pode nos fazer o bem, mesmo que a sensação seja a de perder a auto-estima para sempre. Ser humano é levantar-se todos os dias.
Investir sobre um assunto requer não a paciência dos sabichões, mas a capacidade de encarar nossa natural miopia como um aliado. Quanto mais sinceros formos, melhor para todos. A vontade de acertar, junto com a honestidade , poderão nos levar com segurança até um local inédito, ainda não vislumbrado pela atenção de bilhões de olhos. A responsável pela química certa dessas qualidades é a ousadia. Construir um caminho reconhecível no caos movediço das teorias e dos vestígios gera espontaneamente a graça de profetizar o oculto, de insuflar alma imortal no barro coletivo. O único perigo é ser apontado como alguém “à frente do seu tempo”, como se o tempo não se bastante em cada instante desta vida dura.
Dizem que inúmeras descobertas foram feitas por acaso. Talvez a verdadeira pesquisa esteja a cargo de outro alguém, que nos usa sem se expor. Quando menos esperamos, brilha o veio que estava disfarçado sob o limo. Quanto mais gente estiver engajada nesse jogo, menos teremos de nos preocupar com a superficialidade das notícias. Abandonaremos assim a ansiedade de querer saber apenas apertando um botão. Voltaremos às rodas de conversa, ao rodízio das palavras ditas em voz alta e semeadas em colunas de silêncio.
Haverá menos pressão e a gana por novidades cederá para o que realmente interessa. É possível que tenhamos a sorte de vermos toda essa roda vida de inutilidades ganhar novo rumo e partir para o conhecimento sincero, conquistado com alegria.
RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 13 de maio de 2008, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem de hoje: Garimpo, de Portinari, de 1938.
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