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26 de abril de 2008

MUDAMOS COM A INTERNET


Vi um filme ontem em que o diretor fala em 2003 como se fosse 1930. Ele fez tudo para “reconstituir a época”, comprou móveis do período tão distante, reproduziu fielmente o cenário que tinha sumido para sempre, recuperou o clima perdido. É de enlouquecer. Todo mundo sabe que 2003 ainda está por vir, que história é essa? Quer dizer que passamos do ano 3.000 e não me avisaram? Vivemos num período nebuloso de tempo, além do futuro, longe demais para ser verdade, em que nem nos damos conta o quanto mudamos. Somos outras pessoas depois que passou a “febre” da internet e hoje a conexão global já faz parte da natureza.

No início, éramos seres culturais formados em outra realidade que experimentavam algo novo e radical. Isso já passou. Hoje somos parte da matrix, abandonamos a casca do que nos formou. O que era deslumbramento virou rotina e indiferença. Criamos hábitos diversos. Perdemos a curiosidade em relação ao que é produzido massivamente. Dos trilhões de blogs e sites selecionamos algo para continuarmos em frente, pisando em ovos, os bites e bytes, palavras que já soam obsoletas, como tudo. Conseguimos o improvável: tornar tudo passado antes de tocarmos os minutos que vivemos.

A prisão do eterno presente também não importa. Experimentamos algo tão bizarro quanto o final de 2001, de Kubrick. Cruzamos a barreira lisérgica dos corredores virtuais mutantes e nos defrontamos com uma cena que parece familiar: ocupando a sala branca com móveis fake da aristocracia perdida, nos vemos com mil anos e idade. Comer algo em meio à iluminação ao mesmo tempo louca e cool, nos arrastando pesadamente para uma cama onde veremos o feto espacial, eis nossa sina nesta altura do campeonato. Talvez seja véspera de um despertar, ou pior, talvez seja esse o clima que vivenciamos eternamente, mas só agora isso ficou claro para nós.

À parte essas viagens na maionese, nossos contemporâneos seguem em frente, produzindo de tudo, trabalhando sem parar, e fazendo girar a roda infinita das mudanças. Nem devemos nos atrever a assimilar essa roda gigante, esse carrossel de espanto. Precisamos, sim, ligar o desconfiômetro e tentar descobrir o que se passa sob a superfície da modorra e da falta de juízo. As lições despencam das prateleiras do tempo. Livro, filme, site, blog. Viagem, varanda, sono, sonho. Podemos destrinchar uma parte do enigma, pois essa é a missão, tentar saber o que se passa, antes que o milênio vá para os ares.

Pacote de filmes de Glauber Rocha está sendo lançado. A América latina muda com seus presidentes inquietos. Estudos projetam cenários para a mídia no futuro. Quantos filmes foram feitos em 2007? Só eu vi uns 500. Deve ter mais. Sabe aquele projeto que não saiu da sua cabeça por vinte anos? Já aconteceu de inúmeras maneiras, muita gente está revisitando essa idéia, virou cult. E você passou, graças a Deus, enjeitado e perto da vida selvagem posta de lado. É o que resta de real neste mundo de fantasmagorias: a tua posição serena em meio à tempestade. Tua vida única, que ficará guardada na memória do tempo e será esquecida antes que digas amém.

2003, 4, 5, 6, 7 já passaram? Assustador: nem doeu.

RETORNO - Imagem de hoje: Keir Dullea no bizarro final de 2001, de Kubrick. Mas o filme que vi ontem foi outro: Lucky You, ou Bem-vindo ao jogo, de Curtis Hanson, roteiro de Eric Roth, muito bom, sobre as transformações sofridas no mundo do pôquer, que extrapolou os cassinos, chegou até a televisão e internet e revelou uma série de personalidades novas e antigas, que estavam na sombra e hoje gozam das vantagens da celebridade.

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