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15 de janeiro de 2008

LER IMAGENS


Nei Duclós (*)

Na leitura, não há diferença entre texto e imagem. A palavra é lida a partir de sua representação visual e qualquer rabisco é passível de leitura. A crítica de arte costuma exagerar e tece uma complicada teia de argumentação e análise quando elabora algo sobre artes plásticas. Prefiro Roland Barthes, autodidata capturado pela universidade francesa, que entendeu ser a franja dos personagens do filme Julio César, de Joseph Mankiewicz, como "a expressão da romanidade". Uma romanidade inventada por Hollywood, claro.

O gênio de Barthes defende a teoria da identidade francesa num simples filé com fritas, um insight que abriu as comportas para entendermos melhor a sociedade de massas e todos os seus inúmeros textos que existem diante de nós e que, analfabetos visuais, costumávamos ignorar. De olhos abertos, agora podemos ver como os Estados Unidos implantam o patriotismo tornando obrigatória a presença da bandeira estrelada em todos os filmes. Hoje, não existe cinema americano sem a bandeira em algum lugar do cenário, quando não tomando conta de todo o espaço disponível, até mesmo em comédia romântica.

O cinema partiu da cena ocasional (a saída dos operários da fábrica, a chegada de um trem, nos curtas dos Irmãos Lumière) para o grandioso (a revolta dos trabalhadores em Os Companheiros, de Mario Monicelli, a destruição de um comboio ferroviário em Lawrence da Arábia, de David Lean). E voltou-se para o minimalismo, não na Nouvelle Vague, que ainda tem algo de épico em personagens como Pierrot Le Fou, de Godard ou os adolescentes de Os Incompreendidos, de Truffaut.


O enxugamento total veio com o cinema iraniano, onde um tênis em fuga pelo esgoto, perseguido pela criança desesperada, num filme de Amir Hashemian, vale mais do que um milhão de palavras. Voltamos ao be-a-bá do cinema depois de longa trajetória, quando atingimos a simplicidade por meio da síntese, e não da omissão ou da insurgência antiespetáculo.

O mundo foi feito para ser visto, e depois, lido. Não teríamos noção da revolução russa só pelos livros. Não fosse Eisentein filmar Outubro ou O Encouraçado Potemkim, mesmo que sejam apenas representações do conflito, não chegaríamos perto do que John Reed descreveu em Os dez dias que abalaram o mundo. Quando, no livro de Reed, Lênin se debruça para infletir sobre a platéia nos seus discursos, é Eisenstein que está nos abrindo os olhos. Imaginamos o que já vimos, e quando lemos, projetamos as criações expostas em mais de um século de Sétima Arte.

Depois de Aurora, de Murnau, descobrimos que não há evolução no cinema, já que antes de 1930 um filme tão soberbo e com visual complexo e magnífico foi concebido e rodado. Hoje, em que as imagens dos blockbusters são a tábula rasa da imaginação, ver Aurora é como revisitar o Renascimento.

O cinema é tão importante que só os gênios deveriam filmar. Ficaríamos livres da mediocridade empastelada, que toma conta de todas as salas. Luchino Visconti, a majestade perdida, teria feito sucessores. Seríamos obrigados, como fazíamos antigamente, a tatear no escuro para descobrir o que os mestres nos traziam.

Estaríamos livres de tanta bandeira, imersos novamente na sala escura a adivinhar preciosidades. Sorte que ainda existem grandes criadores, mas eles estão escondidos pela avalanche de barbaridades.

RETORNO - 1.(*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 15 de janeiro de 2008, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem de hoje: cena de Aurora, de Murnau.

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