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24 de agosto de 2007

UMA NAÇÃO DE ESTRANGEIROS


Nariz batata na raça pura, moreno escuro na pele do milionário, lábio grosso na socialite, olho de índio no latifundiário, olho azul no favelado: há sempre uma contradição étnica no brasileiro de todas as cores, gêneros e classes. A mistureba desmoraliza a eugenia, que revida, mentindo. Todos os males são fruto da lambança racial. Todas as virtudes, da pureza. É costume hoje encher a boca com as palavras italiano, alemão, japonês, francês, russo ou americano. Falar português é considerado um atraso. Só consegue bolsa, emprego, colocação, se souber inglês. Normal.

Somos uma nação de estrangeiros. Os brasileiros sumiram. Viraram pó, junto com velhos livros do colégio, quando sabíamos dos três troncos humanos da nossa formação: o branco, o índio e negro, que redundou no Zé Ninguém, nós mesmos. Saiu do vocabulário o cafuso, o mulato, o mestiço. Somos afro-descendentes, hispânicos, asiáticos. O Brasil existe graças às migrações européias, claro. Índio não tem vez na fase atual da auto-percepção do país. Ter ensinado português a sobreviver na selva, a substituir a eficiente flecha à pólvora que molhava no rio, tudo isso virou sucata.

O que vale é a horta que o migrante plantou na serra, o restaurante que abriu no Brás, a fabriqueta que implantou em Sum Poulo. Não importa o milho, a farinha, a mandioca. O que vale é a cana, a soja e o biodesel. A roça dançou, não temos mais lavradores, apenas retirantes. É proibido plantar, a não ser produtos eugênicos, modificados geneticamente, apelidados de commoditties. Por isso comemos imitação transgênica de carne, frango com antibiótico, alface mal lavada em cubículos de empresinhas jamais fiscalizadas, enquanto exportamos alcatra para os eslavos.

E não adianta insistir, nem contrariar. Mudaram a História do país à força do enterro de autores clássicos e com a avalanche de superficialidades desviadas da micro-história. Como se fôssemos fruto de mentalidades, ongs, gêneros, números ou graus, e não da guerra, do suor, do sangue de multidões que enterraram na pátria o corpo batido dessa gana de viver aqui. Nossas batalhas foram desmoralizadas. O que pega é o navio cheio de sangue puro que veio para cá catequizar o gentio e levar as glórias da construção de um país feito no muque e que perdeu seu rumo.

Volto a essa abordagem, recorrente aqui no Diário da Fonte, porque eles não dão trégua. Cabelos engomados de faces cruas esqueléticas (de tantas dietas) proferem verdades incontestes, vomitam dia e noite na televisão e jornais que isto aqui foi feito pelos europeus, quando sabemos que o gentio bruto é que formatou a nação, mas não levou o crédito. Ficou a versão dos donos do poder. Mas quem se importa? O negócio é desvirtuar tudo, para se apropriar de tantos patrimônios. Qual a origem do seu sobrenome? Ah, é francês? Que coisa. Somos todos italianos.

Mas basta eles se distraírem, e lá aparece o povo brasileiro, com sua cara identificável, seus gestos, sua maneira de falar, sua inocência escaldada, sua grandeza oculta, sua sabedoria tratada como indigência mental. Como sacodem a cabeça compreensivos os luminares das raças hegemônicas. Essa gente, não tem jeito mesmo. São tão fofos. Servem para materinhas humanas. Para arrancar grana da culpa de politicamente corretos do Exterior. Como são fascinantes e exóticas as favelas. Que cores, que criatividade. Como é incrível um país que jogou seu povo no lixo.

Mas nem tudo está perdido. Basta dar uns litros de leite para essa gente que logo eles vão ganhando medalhas. E como choram na hora em que câmara pousa em seus rostos sacrificados. Os observadores, do Olimpo de suas certezas, olham a planície dos desesperados com suspiros de dever cumprido. Eles ensinam como a coisa funciona. E lamentam muito quando levam um tranco no meio das fuças. Tsk tsk tsk. Existem elementos dessa gente que não se comportam como raça inferior. Por isso precisamos não apenas catequizar, mas amontoá-los em cadeias pôdres, atropelá-los em nossos rallys, demiti-los, persegui-los quando montam uma birosca ou uma banquinha na praça.

Eles precisam ensinar a essa gente que o Brasil foi feito para ser tungado, por mais que existam vestígios da luta patriótica pelo território e pela nação enfim enxovalhada. Por isso hoje rezamos pelo nosso presidente do Brasil Soberano, Getúlio Vargas, que imolou-se em praça pública pelo povo que um dia não será mais escravo de ninguém. Neste 24 de agosto, 53 anos sem Vargas, é preciso dizer, como um grito ou uma oração: Pátria saudosa, presente. Te queremos de volta.

RETORNO - Imagem de hoje: Vargas, rodeado pela minha geração.

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