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8 de agosto de 2007

EM BUSCA DO FILME DE ARTE


Os filmes de arte foram abandonados. Os circuitos oficiais dos cinemas, televisões e locadoras se ocupam quase que exclusivamente das produções comerciais. Existem festivais disso e daquilo, algumas obras em dvd ao lado do suspense ou da aventura, mas em geral estamos entregues à sanha assassina do mercado, que desmoralizou o trabalho de autor e entronizou o fogo fátuo das modinhas, das violências, dos horrores. Entrar numa locadora é experimentar a sensação de palmilhar um açougue. Pedaços de corpos, sangue por todo lado e títulos com as palavras mais torpes estão expostos em cartazes e capas de discos. É o que eles pedem, me dizem. Contra-argumento: é o que vocês oferecem. As pessoas levam.

Por um descuido, descobri um filme de Theo Angelopoulos, A eternidade e um dia, que ganhou a Palma de Ouro de Cannes em 1998. É um filme denso, com imagens fortes e uma história de vida terminal e de resgate da memória. É uma obra poética, rara, que merece ser vista. Mas como sou do tempo em que filme de arte sobrava nos cinemas, em que tinha um novo Fellini quase todo ano, em que convivíamos na grande tela com Kubrick, Orson Welles ou Glauber Rocha, em que tínhamos à mão até cineastas menos considerados ou conhecidos como Lindsay Andersen (com seu radical If, filme sobre a insurgência nas escolas ingleses, pai de The Wall, do Pink Floyd). Víamos não apenas os americanos, mas filmes franceses, espanhóis, mexicanos, argentinos (a diversidade, hoje, está circunscrita à boa vontade de alguns donos de locadoras ou da programação dos cineclubes; existe a opção de baixar pela internet, mas dá muito trabalho). Posso, portanto, encarar Angelopoulos com um pouco de distanciamento, mesmo que ele tenha feito uma obra-prima que é Paisagem na Neblina (o rito de passagem de um casal de irmãos em busca da paternidade perdida).

Achei A eternidade e um dia um filme que força a mão em inúmeras passagens. É sempre eficiente, mas cria um passo atrás num espectador implicante como eu. Tudo bem, a metáfora da Albânia sitiada, representada por uma vasta cerca no meio do fog, com pessoas desesperadas e imóveis penduradas nela, enquanto o menino que contracena com o personagrem principal confessa que não pode voltar para lá, é tocante e bem resolvida. Mas um conjunto musical erudito dentro do ônibus, onde desfila também uma cena de teatro de um casal em crise , é armação demais.

Não se trata de reclamar da inverossimilhança, que isso não existe em Angelopoulos. Seu movimento de câmara em que percorre uma época e migra para outra de maneira natural e competente, não pode ser contestada. Mas dois discursos fúnebres, um do garoto diante do corpo do amigo que morreu e outro do homem diante da mãe em coma, são excessivos no seu tratamento. Os discursos só existem na linguagem, claro, pois é impossível que as pessoas gerem essas palavras a não ser na representação dos dramas. Mas a penumbra no discurso do homem e a fogueira no do garoto parecem recursos explícitos do diretor para criar climas “de arte”.

Numa das seqüências finais, ciclistas vestidos de amarelo correm pela chuva. Lembra Fellini no final de Cabiria ou de Oito e Meio. Mas Fellini é gênio, nele a narrativa não tropeça no fake, na armação para o sublime. Parece que Angelopoulos filmou para ganhar festival. Posso estar sendo injusto, mas duvidei de tanta poesia. E também de tanta depressão. Por mais fundo que Fellini vá, ele nos devolve a alegria, ao longo ou no fim dos seus filmes. Não se trata de happy end, mas da certeza de que todo gênio é solar. O que é sombrio se opõe à grandeza da criação, por mais que me digam o contrário.

RETORNO - Imagem de hoje: cena do filme "A eternidade e um dia", de Theo Angelopoulos.

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