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23 de novembro de 2006
NATUREZA E SOCIEDADE EM MONTEIRO LOBATO
O modernismo é um movimento amplo, que extrapola a Semana e o enfoque paulistano (da capital). Nasceu do inconformismo do talento diante da Mesmice da cultura, que estava amarrada a velhos esquemas agrários, culturais, políticos. É pioneiro mais no Rio de Janeiro do que em outros lugares, e não se circunscreve apenas à literatura, mas à caricatura, ao panfletarismo, ao deboche e à denúncia pura e simples. Vejo Monteiro Lobato como um dos primeiros modernistas e sua importância revolucionária foi reconhecida mais tarde pelo próprio Oswald de Andrade, quando se reconciliou com ele depois de anos de rusgas e ressentimentos.
FONTES - Mas Lobato era turrão e inconformado demais, e além disso, vivia no Interior, para fazer parte de um movimento de inspiração européia. Lobato bebia em fontes abundantes da literatura universal e aferrava-se à narrativa coesa, eficiente e encantadora, inspirada pelo mato que o cercava. Kipling e Maupassant são suas referências em Urupês, livro pioneiro desse modernismo do fundão, uma obra generosa em neologismos e soluções narrativas radicais (onde uma onomatopéia, como Bééé, tem a força de muitas parágrafos). Nessa sua radicalidade, a abordagem que faz da natureza, como parte da estrutura social, é única.
PAISAGEM - Ninguém descreve a trajetória do sol sobre a paisagem brasileira como ele. O amanhecer é a promessa do país ainda virgem da devassidão européia, que tem uma chance na esperança de ser um lugar agradável de viver, onde poderia imperar a harmonia e o equilíbrio entre as pessoas. Mas quando o dia avança e a bigorna do sol acaba tisnando a paisagem, eis que se revela o país insuportável, onde medra o fogo e o crime ecológico (um aspecto pioneiríssimo da sua obra, como notou Clovis Heberle no comentário do post anterior sobre Urupês aqui no Diário da Fonte). É na devastação da natureza, reflexo do mau uso da terra, que confina os homens nos ermos sem cidadania e deixa impune a elite cruel e exploradora, que o Brasil mostra a cara. Mas ainda é cedo para demonstrar todo o horror que a paisagem inspira. Quando chega o entardecer, com ele chega a tristeza, o banzo, o desespero da solidão na natureza entregue ao sabor da maldade humana.
FANTASMAS - A noite então vem com seus fantasmas e assassinatos, como no conto inicial Os faroleiros, em que dois sujeitos diante do breu compartilham uma história de terror ocorrida num farol perdido no meio do mar. Apenas duas pessoas moravam no farol e isso bastava para haver o conflito, o ódio mútuo, a desconfiança e por fim a violência. Não há como insurgir-se contra o império natural da sociedade de classes, dividida no país que poderia ser um paraíso. No conto Bocatorta, a feiúra de quem vive entocado, expulso da comunidade, no meio de uma clareira imunda, revela um Quasímodo brasileiro, encarnando todos os preconceitos existentes contra a humanidade que veio habitar a nação. E na história em que dois vizinhos se atracam devido às diferenças de personalidade e interesses, não há como melhorar a produção que acaba sendo devorada pelas pragas. Em outro conto, um filho adotado imita o mata-pau, destruindo a família que o recebeu.
FATALIDADE - O resultado dessa fatalidade da natureza, como reflexo da incompetência humana de se resolver em sociedade, é o estigma de nascença, rastro de um assassinato gerado pelo ciúme. O pessimismo das histórias nada tem a ver com o romantismo velho de guerra. É pura ponte entre a natureza destruída e a sociedade descosturada, ambas territórios de frustração e miséria. Foi essa lucidez e essa radicalidade que jogaram Monteiro Lobato para o alto no cenário das letras nacionais. Urupês vendeu como pãozinho quente. Todos queriam enxergar o país oculto na ramagem, todos queriam ter acesso à verdade que se escondia sob toneladas de papel e fingimento.
RETORNO - Imagem de hoje: esse rosto de Monteiro Lobato nos acompanha desde o início dos tempos.
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